Helena Matos
À primeira vista até pode parecer que
estamos em 2011. Mas em política nunca se regressa. Nós não vamos regressar a
nada. Vamos ter de continuar em frente. E vamos continuar mais sós e mais
cínicos.
O PSD está cansado de Passos,
lê-se por aí. Estará? Talvez. Afinal o cansaço é, em Portugal, um problema
político do PSD. Por estranho que tal possa parecer a um forasteiro, jamais o
PCP se cansou de Cunhal, o BE de Louçã, o PS de Soares, Sócrates ou Guterres ou
o CDS de Portas. Já o PSD cansa-se. Cansa-se de tudo em geral e em particular
dos seus líderes. E cansa-se muito se tivermos em conta que desde 1974 até
agora os sociais-democratas mudaram de líder dezassete vezes. Mais ou menos o
dobro dos socialistas. Também é certo que não se cansa igualmente de todos os
líderes de igual modo mas assentemos para já num ponto: o PSD cansa-se. E agora
está cansado de Passos.
Mas continuemos com o problema
chamado Passos. Segundo leio no Observador, Marques Mendes considera que é tempo de Pedro Passos Coelho “mudar o discurso”, até ao momento “muito concentrado no passado”, “derrotista” e “centrado nas questões financeiras”. “As pessoas querem ouvir falar no futuro”, um discurso “gerador de “esperança” e “mais abrangente”, voltado para questões “sociais, culturais e científicas”, repetiu o comentador.
É certo que Marques Mendes já
está na corrida para Belém e acredita que lhe basta repetir a receita de
Marcelo para o conseguir. (Espero que não baste mas esse assunto fica para mais
tarde). O sucesso mediático está para já garantido a Marques Mendes pois
Portugal não sabe viver sem bacalhau, sem praia e sem um comentador do PSD a
marcar a agenda, coisa que obriga o referido comentador a proferir banalidades
óbvias que o tornem ideologicamente nulo, afectivamente consensual e elegível
ao centro.
Mas continuemos com o problema
chamado Passos. Chego ao PÚBLICO e constato que o líder do PSD enveredou por um
discurso «muito repetitivo e negativo de que a esquerda está a destruir e a direita é que terá de salvar o país, do “nós fizemos, eles desfizeram”, realça Costa Pinto. “Do ponto de vista da estratégia política isto até pode ser realista. Mas não é bom para o centro-direita. Porque está a dizer ao eleitorado que o PSD é o regresso à austeridade”, alerta [Costa Pinto].»
Pois é, estamos tramados. Não
por causa do problema Passos Coelho e dos problemas de Passos Coelho mas por
aquilo que revelam as críticas que lhe são feitas e que ultrapassam em muito as
circunstâncias do actual líder do PSD. Muito resumidamente, aquilo que se
designa como problema Passos Coelho é tão só a imagem de um país em que não só
se considera que a realidade não interessa nada como se tem como adquirido que
aludir à realidade pode virar-se contra quem o faz.
À primeira vista tudo parece
resumir-se à questão da maquilhagem que se deve usar para iludir a realidade.
Passos terá escolhido a maquilhagem errada e tudo se resume a um “mude o
discurso, não se centre nas questões financeiras, coisa aborrecidíssima que não
interessa nada a um país que por sinal já faliu várias vezes e que oscila entre
o resgate e mediocridade. Afinal há coisas tão bonitas para falar como a
educação – mas por favor não se ponha com aquelas manias do Crato do ensino
profissional e das avaliações, nada disso. Diga inclusão três vezes, fale da
cultura, da cultura local, da cultura popular e no fim atire-lhes com o Camões
e um escritor contemporâneo de esquerda e pronto já temos um discurso optimista
e gerador de esperança… Enfim, inspire-se nas opiniões proferidas pelas
candidatas a misses sobre a paz no Médio Oriente e tem o caso resolvido.”
Se Passos seguirá tais
conselhos é um problema dele e do PSD embora me pareça que Passos optou por
construir uma imagem em sentido inverso, apostando no perfil do “teimoso” a que
vai acrescentado a de líder sem jeito para comunicar, o mesmo que Cavaco usou
com notável proveito mediático. (Que nunca em Portugal se tenha percebido o
favor que se fazia a Cavaco cada vez que se dizia que ele não tinha jeito para
comunicar e o paradoxo de se declarar sem jeito para comunicar um homem com a
carreira política do anterior Presidente da República é uma daquelas
assombrosas cegueiras em que pátria é pródiga.)
Já o nosso problema enquanto
país é bem mais sério e permanente. Se repararmos os protagonistas parecem não
só acreditar que basta não aludir à realidade para a arredar mas também,
pasme-se, que o futuro repetirá o passado. De certo modo todos parecem
acreditar que a questão se resume a regresso ou não à austeridade.
Regressar, dizem eles como
quem olha para um postal do local onde estiveram anos antes. Mas em política
nunca se regressa. Só nas férias se regressa. À primeira vista até pode parecer
que estamos em 2011 com o primeiro-ministro esfuziantemente optimista a
enfrentar os derrotistas-tremendistas… Mas nós não vamos regressar a 2011. O
mundo mudou, a UE já não é o que foi e o país ainda menos. Nós não vamos
regressar a nada. Nós vamos ter de continuar em frente. E vamos continuar mais
sós, sem os apoios dos credores de que gozámos no passado e com as corporações
ainda mais blindadas nos seus direitos adquiridos: num verdadeiro trabalho de
formiga, o PCP/CGTP garantiu para anos e anos o poder dentro do aparelho de
Estado e do sector empresarial público. Um poder que lhes reforça a influência
independentemente dos votos. Legislação como a que mereceu o veto de Marcelo
Rebelo de Sousa, que vedava taxativamente a presença de empresas privadas na
exploração dos transportes públicos do Porto é apenas um exemplo de como para
lá das reversões tem estado a acontecer uma blindagem do sector público.
Neste contexto o uso do verbo
regressar é uma forma de pedir que aquilo que aí vem não seja demasiado
difícil. Infelizmente nós não vamos regressar a nada, austeridade incluída. O
nosso problema é agora bem mais profundo e nós estamos todos mais cansados e
mais cínicos.
A questão a que Passos ou quem
vier a suceder-lhe na liderança do PSD vai ter de responder, tal como o PS
quando se libertar desta deriva chocarreiro-radical, é bem outra: quais as
propostas que têm para o país real? Um país com menos apoios para sair da crise
e que terá de enfrentar os privilégios reforçados das castas do regime.
O discurso político não pode
continuar a divergir no retrato sobre a realidade mas sim nos programas para a
modificar. O optimismo e o pessimismo só passam por ideologia numa terra de
imbecis.
Ps. Foi anunciada a
intenção do Governo de passar para as autarquias a posse das terras
abandonadas. Segundo o Expresso os municípios ficarão responsáveis pela gestão
e exploração dessas terras. E mais não se sabe. Mas convém não esquecer que
temos autárquicas para o ano e que não basta estatizar a exploração da floresta
para que ela não arda.
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