Sebastião Bugalho
Na sua crónica de opinião de hoje no Público, José Vítor Malheiros considera o Observador como um
“órgão de propaganda neo-liberal”, “financiado por empresários conservadores
empenhados em impor na esfera política e em defender no espaço público uma
agenda de privatização de serviços públicos, desregulação económica,
liberalização do mercado de trabalho, destruição de direitos sociais e
demonização do Estado”.
ra o articulista, por outro
lado, uma publicação ideologicamente assumida, mas à esquerda, teria “um
ideário de combate às desigualdades e à injustiça social e em noticiar a
actualidade a partir de um ponto de vista socialmente empenhado e
intelectualmente independente dos poderes vigentes”.
O leitor fica assim a saber
que, para Malheiros, a direita, ao mesmo tempo conservadora e “neo-liberal”,
tenciona destruir os nossos direitos, enquanto a esquerda é “independente dos
poderes vigentes”. Ora, tenho que confessar que esta novidade fez o meu dia.
Além de ter passado a destacar-se uma direita conservadora em Portugal, em que
o único partido que se assume de direita tem menos de 10% nas sondagens, a
nossa esquerda também passou a ser “independente dos poderes vigentes”. O
Partido Socialista, que da última vez que eu vi era o maior partido à esquerda
do parlamento, tem, como é sabido, uma longa reputação de independência face a
interesses. Perguntem à Galp e ao senhor Rocha Andrade. Ou ao Grupo Lena e ao
senhor Sócrates. Estou certo que concordarão em uníssono.
A argumentação de Malheiros
acerca da imprensa portuguesa é tão descabida quanto a sua análise política.
Defende que o jornalista de um Observador “de esquerda” não teria lugar cativo
nos “painéis de comentadores da RTP”. O canal de televisão público contratou
recentemente um dos maiores opositores do PSD ao alegado “neo-liberalismo” de
Passos Coelho, José Eduardo Martins; para não falar na presença assídua de Ana
Drago, ex-Bloco.
Malheiros coloca mesmo a
questão: porque não é o Observador apresentado como “ligado aos meios de
direita radical”?
Uma pessoa que se dê ao
trabalho de ler o estatuto editorial do Observador encontrará umas frases
bonitas tiradas do “Sobre ser Conservador”, de Michael J. Oakeshott.
Oakeshott, que tem tanto a ver
com neo-liberalismo quanto a feira de Castro e o olho do dito, foi um filósofo
britânico cujos textos têm uma dimensão extraordinária de pensamento e
qualidade literária, embora a sua aplicação à prática política seja limitada.
O facto de o Observador usar
Oakeshott como estatuto editorial paralelo a uma maior simpatia pelos partidos
menos socialistas em Portugal demonstra uma criatividade talvez apenas possível
no mundo dos jornais. Mas não, meu caro leitor, o Observador não é de “direita
radical”, assim como Passos Coelho não é um libertário que odeia o Estado.
Qualquer caloiro de licenciatura em Ciência Política sabe que nenhum liberal -
ou libertário ou neo-liberal ou o que for - alguma vez aumentaria impostos como
o executivo passista aumentou. Qualquer cidadão que leia um programa eleitoral
do Partido Social-Democrata - sublinho social-democrata - não encontra ideias
contra o Estado social. E um economista também poderá explicar como a
bancarrota de PS em 2011 foi verdadeiramente o maior rombo na manutenção desse
Estado social.
A passagem do
“neo-liberalismo” para as referências a Salazar não podia, claro, faltar ao
texto de José Vítor Malheiros. Na cabeça de Malheiros, creio que foi Hayek a
escrever as teses sobre o integralismo lusitano, que têm tanto a ver com o
mercado livre quanto, mais uma vez, a feira de Castro e o olho do dito.
Ao contrário do que hoje
publicou, o medo de Vítor Malheiros não é a “hegemonia do pensamento
conservador”. O seu medo, na realidade, é a existência do pensamento
conservador em democracia. É verdade. Ele existe, está cá e chateia.
Especialmente aqueles que lidam mal com diversidade.
Com isto tudo, José Vítor
Malheiros quereria enviar uma mensagem ao seu futuro director, David Dinis, que
fundou o Observador e irá este ano para o Público. Antigamente, contam-me que
um gajo telefonava para estas coisas. Era mais elegante, não era?
Título e Texto: Sebastião Bugalho, SOL,
24-8-2016
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