Rui Ramos
A pressão para que Passos faça as malas
tem uma razão de ser: o medo de que ele possa regressar. Ou seja, ninguém sabe
quando a actual governação vai acabar, mas pouca gente acredita que acabará
bem.
Esta foi a semana em que o
discurso do Pontal encheu o país de conselheiros de Passos Coelho. Admitamos
que por vezes não é claro o que Passos espera do país. Às vezes, parece que não
espera nada, a não ser a obrigação de um dia destes ter de nos desenrascar
novamente, como um médico perante um doente sem juízo. Mas também teremos de
reconhecer que não é claro o que os seus críticos esperam de Passos. Deve ele
felicitar António Costa pelo desempenho da economia? Mas como, se a economia
não reage à receita mágica de gastar mais com os funcionários públicos? Deve
Passos tentar entender-se com o PS? Mas como, se Costa preferiu comprometer-se
com os partidos que sempre combateram a democracia representativa, a economia
de mercado e a integração europeia?
A pressão para que Passos faça
as malas tem uma razão de ser: o medo de que ele possa regressar ao governo a
qualquer momento. Portugal está num impasse. A economia não cresce há quinze
anos. Por enquanto, o dinheiro barato do BCE disfarça a dificuldade de
financiar o Estado. O governo de António Costa não tem tempo para essas
questões. O seu único objectivo é manter a base de poder dos partidos que o
apoiam, defendendo o Estado e as suas clientelas à custa do resto da população.
Ninguém sabe quando isto vai acabar, mas já pouca gente acredita que acabe bem.
O que quer dizer que Passos pode mesmo voltar a São Bento, sem ser preciso uma
manhã de nevoeiro. E esse regresso assusta muitos oligarcas. É que durante o
seu governo, Passos mostrou-se excessivamente irreverente. Não recuou perante
os clientes e dependentes do Estado. Enfrentou os interesses instalados, dos
sindicalistas do PCP aos banqueiros do poder. O anti-passismo é a medida da
ansiedade oligárquica perante alguém que revelou não ser “um dos nossos”.
Mas é possível criticar Passos
por outra razão. Em 2011, Passos convenceu-se de que era essencial restabelecer
a credibilidade externa. Trabalhou para isso, e conseguiu a folga que Costa
está a consumir. No Pontal, Passos deu agora a entender que está pronto para
fazer o que já fez entre 2011 e 2014. Como se o seu destino fosse consertar o
que os outros destroem. Está assim a inserir-se num ciclo, e não numa mudança.
A sua história corre o risco de se converter numa mistura deHamlet, a
peça de teatro em que tudo existe para ser emendado pelo príncipe (“O mundo
está fora dos eixos. Oh, maldita sorte! Porque nasci eu para o pôr na ordem?”),
com Groundhog Day, o filme em que o personagem principal acorda
sempre no mesmo dia de inverno (“Querem uma previsão do tempo? Vai ser frio,
vai ser cinzento, e vai ser assim durante o resto das vossas vidas”).
Que deve Passos fazer? Outro
tipo de discursos, dirão aqueles que não apreciaram a longa divagação do
Pontal. Certamente. Formar uma equipa que possa protagonizar debates sobre
grandes temas? Também. Tudo isso é importante, mas nada valerá a pena, se não
houver uma visão muito clara do que o momento exige. E o que o momento exige
não é “optimismo”, só para não parecer pessimista, nem “falar do futuro”, só
para não parecer agarrado ao passado. É outra coisa: é criar as condições
políticas e sociais de um esforço reformista que permita ao país escapar
ordenadamente deste ciclo descendente de bancarrotas e de ajustamentos. Porque
Portugal, cada vez mais estagnado e numa Europa cada vez mais instável, vai
acabar por sair deste ciclo. Pode é não ser ordenadamente, nem para uma
situação melhor. O ponto de partida de Passos Coelho tem de ser este: nada já é
como dantes, e nada vai ser como dantes.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
20-8-2016
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