Rui Verde
Os factos que comprovam a corrupção gigante praticada pelos dirigentes
angolanos sucedem-se a uma tal velocidade, que estes já nem conseguem
desmenti-los, apenas se remetendo ao silêncio. Sabem que dentro de pouco tempo
estarão a ser julgados nos tribunais criminais nacionais ou estrangeiros pelos
seus desmandos.
O último caso foi denunciado no Maka Angola,
e demonstra como um dos filhos do presidente, José Filomeno dos Santos “Zenú”,
e o seu parceiro de negócios Jean-Claude Bastos de Morais conseguiram
transformar a construção do Porto do Caio — aquele que seria o primeiro porto
de águas profundas em Angola — em mais uma negociata suja de mais de 800
milhões de dólares, em que o Estado paga e eles recebem.
O nível de corrupção em Angola, pelo seu gigantismo, tornou-se o
principal obstáculo ao desenvolvimento e a primordial causa de pobreza e morte
no país.
É fácil perceber porquê. Os recursos de um país são sempre limitados. A
boa utilização desses recursos chama-se economia. Em determinado momento, um
país tem uma quantidade fixa de recursos que vai aplicar. É dessa aplicação de
recursos que pode resultar o desenvolvimento ou a morte. Um país pode decidir
aplicar todos os seus recursos na indústria pesada e militar e deixar morrer as
populações, como fez Estaline nos anos 1930 na União Soviética. Um país pode
decidir criar um Estado social generoso e eficaz, como fez a Inglaterra após a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), diminuindo as suas Forças Armadas. O que um
país não pode é tornar os seus recursos elásticos. Se põe num lado, tira do
outro.
Vejamos o caso de Angola. Imaginemos que a riqueza que o país produz num
ano é igual a 100. É desses 100 que sai todo o dinheiro. Se os 100 são
aplicados em escolas, hospitais, educação, estradas, Angola desenvolve-se, e as
pessoas vivem melhor. Se os 100 são aplicados em corrupção, em negociatas, em
esquemas, então não há dinheiro para hospitais ou escolas, e o país definha. A
questão é onde aplicar os 100. Em hospitais ou em corrupção? É que não dá para
os dois. Em Angola, a resposta tem sido aplicar em corrupção.
Portanto, a corrupção não é inocente. A corrupção mata. Onde há corrupção
gigante como em Angola, o dinheiro para os hospitais, medicamentos, etc. é
desviado para os bolsos dos corruptos.
Vejam-se as sucessivas crises de saúde por que Angola tem passado. A
crise da febre-amarela foi um desastre nacional; a campanha contra a malária
tem de ser financiada pelos EUA, uma vez que a Cruz Vermelha de Angola, presidida por Isabel dos Santos, apenas organiza festas com estrelas pop, sem
qualquer resultado útil.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) fez recentemente eco das declarações
do ministro da Saúde, segundo o qual “Angola tem sido um país vulnerável a
epidemias, registando surtos que criam uma sobrecarga nos serviços de saúde e
comprometem a saúde e a vida dos cidadãos, como a febre-amarela, a malária, a
cólera, o zika e o VIH/Sida”.
O ministro Luís Sambo é extremamente claro ao afirmar a vulnerabilidade
epidémica angolana, mas ao mesmo tempo finge que não percebe de onde esta vem.
Mas o ministro, assim como todos os dirigentes angolanos que sacam o mais que
podem dos esquemas corruptos do seu país, sabe muito bem a razão por que as
epidemias continuam a arrasar a população angolana: não é possível haver Saúde
em Angola enquanto houver corrupção. O dinheiro que devia ir para a Saúde — e
que seguramente seria o bastante para melhorar drasticamente as condições de
vida dos angolanos — vai para os bolsos dos dirigentes e de toda a teia
firmemente montada da corrupção.
Todos sabem que assim é. Todos sabem que, para terem os seus palácios, os
seus aviões particulares, as suas festas com estrelas pop, a população angolana
tem de ser mantida na miséria e na morte. É um preço que não os faz pestanejar.
Esses dirigentes, muitos dos seus familiares e apoiantes são desumanos, apesar
do aparente ar sofisticado que exibem como membros de uma elite de predadores.
Assim, o conceito de corrupção tem de ser elevado para um novo patamar.
Esse patamar é o dos direitos humanos. Atendendo ao mal que a corrupção
faz a um país, matando as suas crianças e os seus velhos, atrasando o seu
desenvolvimento, mantendo níveis exacerbados de pobreza, o direito à não
corrupção tem de ser considerado como um direito humano fundamental. Todos
temos o direito a ser governados de forma transparente e não corrupta.
Corrupção e direitos humanos tornaram-se a mesma face da moeda.
Tornando-se o direito à não corrupção um direito humano, todos os mecanismos
internacionais e nacionais de proteção dos direitos humanos e de combate à
corrupção devem ser coordenados, para trabalhar em conjunto. A ONU, a União
Africana, a OCDE e demais organizações internacionais deverão complementar os
seus esforços.
Porque se encontra neste novo patamar, a corrupção não pode manter-se
como uma questão de Estado, para a qual apenas sejam competentes os órgãos de
Estado, mas tem de tornar-se uma questão de direitos individuais e de
autodeterminação popular.
Nestes termos, as pessoas individuais terão o direito de acusar diretamente
(com provas, naturalmente) os governantes corruptos, sem terem de passar pelo
crivo arquivador do ministro da Justiça ou do procurador-geral da República.
Em suma, a população deve reagir e exigir que os ladrões sejam julgados.
Porque cada kwanza ou dólar que vai para os bolsos do Zenú (ou dos outros) é um
kwanza ou um dólar que não vai para a melhorar a saúde do povo.
Título, Imagem e Texto: Rui Verde, Maka Angola, 14-3-2017
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