Rafael Marques de Morais
A 21 de Setembro teremos um
novo presidente, depois de 38 anos de José Eduardo dos Santos. A Comissão
Nacional Eleitoral, sem o apuramento legal dos votos em 15 das 18 províncias,
já certificou João Lourenço como presidente-eleito. O MPLA vai continuar a
governar, mantendo-se 47 anos no poder. Quem acha que a lei tem algum valor
quando estão em jogo os interesses dos mandantes do MPLA, desengane-se.
Interessa, no entanto,
revisitar a história do poder presidencial em Angola e a sua legitimidade
popular.
Em 1975, Agostinho Neto
ascendeu à presidência por via da declaração unilateral da independência, após
ter expulsado de Luanda os movimentos de libertação FNLA e UNITA. Os três
movimentos chegaram a formar um governo de transição, e o processo de
declaração de independência deveria ter ocorrido após a realização de eleições.
Ganhou o mais esperto e estratégico dos líderes, e consagrou-se, assim, a
ditadura de Agostinho Neto.
O povo nada teve a ver com
essa escolha.
José Eduardo dos Santos
ascendeu ao poder com a morte de Agostinho Neto, em 1979, não pela vontade popular,
mas pela escolha dos seus pares no Bureau Político do MPLA.
Em 1992, a única vez em que o
povo foi chamado a escolher diretamente o seu presidente, José Eduardo dos
Santos e o então líder rebelde Jonas Savimbi deveriam ter disputado uma segunda
volta. Essa segunda volta nunca aconteceu e Dos Santos lá ficou, mesmo sem o
mandato do povo. Savimbi aceitou formalmente os resultados eleitorais e
aguardava pela segunda volta. A guerra é outra história que temos de contar com
verdade e imparcialidade.
O próprio José Eduardo dos
Santos fez questão de encomendar, em 2005, um acórdão ao Tribunal Supremo que
declarou a nulidade dos seus mandatos presidenciais por falta de legitimidade
popular, democrática. O seu objetivo era óbvio. Manter-se na presidência,
ignorando o limite de dois mandatos da Lei Constitucional de 1992.
Tivemos, então, as eleições
legislativas de 2008. Muitos angolanos já esqueceram que, nessa altura, a fobia
da liderança do MPLA sobre eleições presidenciais diretas tinha-se agravado.
José Eduardo dos Santos justificou que as eleições presidenciais deveriam ter
lugar em 2009, um ano depois das legislativas. Em 2009 não houve eleições
presidenciais.
Lá veio a Constituição de
2010, que resolveu a fobia da liderança do MPLA. Consagrou o impedimento do
povo para escolher livre e diretamente o seu presidente.
Só assim José Eduardo dos
Santos aceitou concorrer, em 2012, como deputado e para ser automaticamente
presidente, como o primeiro nome da lista do partido vencedor das eleições
legislativas. Livrou-se do julgamento do povo. Passou essa lição a João Lourenço,
que escolheu como seu sucessor.
Nada previa, em 2017, que João
Lourenço fosse roubar as eleições por junto e atacado. Aguardava-se a sua
eleição com a batota habitual do MPLA, exercida através do controlo absoluto do
processo eleitoral.
E assim temos o terceiro
presidente da história de Angola, desta vez sem qualquer disfarce de
legitimidade.
Este percurso demonstra a
profunda divisão e resistência passiva dos angolanos perante o poder do MPLA.
Abençoado seja o povo,
malditos os seus líderes impostos.
Título, Imagem e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 9-9-2017
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