Rafael Marques de Morais
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João Lourenço |
Estamos a um mês das eleições.
Depois de 38 anos com José Eduardo dos Santos a ocupar o cargo de
presidente-ditador de Angola, este é naturalmente um momento histórico.
As eleições são uma
oportunidade para mobilizar e consciencializar os cidadãos angolanos. São um
potencial ponto de viragem rumo a uma sociedade mais crítica e participativa,
em que os cidadãos contribuam para construir um Estado de direito democrático.
O contexto político-militar
Enquanto a campanha decorre,
vivemos num clima político-militar muito peculiar, com forças que pressionam
para preservar os poderes e a corrupção no País.
Neste momento, temos um
presidente que, segundo informações da família, passa a maior parte do seu
tempo em Barcelona, a ver televisão. Ao que tudo indica, Dos Santos terá
perdido a capacidade da fala, uma vez não se pronuncia publicamente desde
finais de abril passado.
Independentemente de todas as
incapacidades que o aflijam em resultado da doença e/ou da idade, José Eduardo
dos Santos mantém-se em funções. Em circunstâncias de saúde física e mental que
desconhecemos (uma vez que deixou de falar em público), o presidente tem vindo
a assinar decretos e a enviar propostas legislativas à Assembleia Nacional no
sentido de acautelar o seu poder pós-presidencial, os interesses da sua família
e do seu grupo de influência.
O objetivo é simples: manter o
Estado angolano refém do clã Dos Santos, Kopelipas e quejandos, bem como
garantir que o próximo presidente seja uma simples marionete ao seu dispor.
Não é de estranhar o recente
distanciamento do Tribunal Constitucional em relação aos excessos
presidenciais. O suicídio político de um homem em fim de carreira apenas
arrasta os fanáticos e os que não conseguem sobreviver politicamente sem a sua proteção.
Pela primeira vez, de forma clara e inequívoca, o Tribunal Constitucional
decidiu que o presidente usurpou uma competência exclusiva da Assembleia
Nacional e declarou a inconstitucionalidade do decreto presidencial sobre as
ONGs.
Todavia, lembremos que o
presidente do Tribunal Constitucional, Rui Ferreira, antigo assessor
presidencial, tem o seu mandato expirado desde 2015. O mesmo se passa com o presidente do Tribunal de
Contas, António Magalhães, cujo mandato terminou em 2008, e continua no cargo.
Temos um vice-presidente de
Angola, o Manuel Vicente, que foi constituído réu em Portugal, por crimes de
corrupção ativa e branqueamento de capitais. Este réu é candidato a deputado do
MPLA e não há qualquer esclarecimento sobre o assunto por parte do Tribunal
Constitucional.
Temos um presidente da
Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó”, entretido a
gastar 78 milhões de dólares na compra de viaturas para os deputados. Nandó é
um “micheiro”. A dignidade dos dirigentes angolanos resume-se aos bens de luxo
à sua disposição.
Há muito perderam o conceito
de servir a sociedade, os cidadãos que os legitimam, se alguma vez o tiveram.
Não há um único deputado, nem mesmo da oposição, que em protesto tenha vindo a
público afirmar que não receberá uma viatura que custa a escandalosa quantia de
mais de 300 mil dólares.
E temos João Lourenço, o homem
que o regime escolheu para suceder a José Eduardo dos Santos e para manter o
statu quo. As contradições no discurso de João Lourenço avolumam-se. Se por um
lado afirma que vai trabalhar em “perfeita harmonia” com José Eduardo dos
Santos, ao mesmo tempo propagandeia que vai combater a corrupção. É como ser um
polícia com a missão de combater a máfia e, ao mesmo tempo, afilhado de
estimação do “padrinho”. Neste particular, das três, uma: João Lourenço está a
enganar o eleitorado; está a enganar-se a si próprio; está a enganar o
presidente José Eduardo dos Santos.
Sobre o seu posicionamento, há
que não perder de vista que, enquanto ministro da Defesa, o general João
Lourenço nada tem feito para garantir a dignificação dos soldados angolanos,
que são a maior garantia de manutenção e segurança do poder do MPLA. Os
soldados ganham 25 mil kwanzas por mês e são mantidos em condições de servidão
sub-humana.
Com armamento à disposição,
com generais multimilionários fortemente unidos entre si, dispondo de soldados
servis e ignorantes, o exército ao serviço do MPLA pode parecer forte e firme.
Mas as Forças Armadas Angolanas são uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do
regime, e sofrem de uma profunda desconexão entre a liderança e a base.
João Lourenço não é um homem
de mudança, de ideias inovadoras, de coragem para servir os angolanos, mas um
conservador do regime, empoderado para manter o MPLA como força de opressão e
de saque.
Pelo meio, temos uma oposição
com chefes que andam em bicos de pés para estarem bem com Deus e com o Diabo,
com o povo e com o poder. Nem sequer aproveitam as redes sociais, onde
sobretudo a juventude vai demonstrando cada vez mais sentido crítico, de
partilha de informação e de denúncia das malfeitorias do regime, com um sentido
de humor extraordinário.
Esse humor também tem superado
a falta de visão e de liderança da oposição. Com tudo a seu favor para
galvanizar a sociedade, para mostrar uma saída segura do atual inferno e
conduzir o povo à liberdade, a oposição perde cada oportunidade.
O académico camaronês Achille
Mbembe nota, no seu trabalho sobre o pós-colonialismo em África, como vários
regimes africanos adoptaram uma série de políticas sociais que dão continuidade
ao imaginário colonial. Esse imaginário assenta na “possibilidade de exercer um
poder ilimitado sobre cada indivíduo”. A sua análise ajuda a compreender o modo
como o MPLA e o seu líder se têm excedido na subjugação do seu próprio povo,
desrespeitando-o e negando-lhe os seus direitos e liberdades.
Para manter a ordem e aumentar
a provisão de mercadorias, o poder colonial subjugou os valores políticos,
sociais e éticos à produção. Para garantir a supremacia da produção, os
principais incentivos eram a violência e a corrupção, bem como uma série de
punições para todo o tipo de ofensas, destinadas a garantir que o colonizado
obedecia à estrutura de poder como “um escravo ao seu senhor”.
O MPLA adaptou essa visão
colonial aos seus intentos e ao seu contexto. Querendo manter a ordem e o
poder, dispensou a necessidade de produção, uma vez que o petróleo requer
mão-de-obra mínima e representa hoje mais de 95 por cento das receitas em
divisas. Enquanto o poder colonial saqueava para alimentar o império, o poder
do MPLA saqueia para alimentar os seus dirigentes e os interesses estrangeiros
que contribuem para a sua manutenção no poder, para o enriquecimento ilícito e
a para a proteção dos bens roubados.
Temos dirigentes desumanos,
temos um povo desumanizado, temos uma pobreza desumana. Temos um governo que atua
como um gatuno armado, e uma população que atua como vítima fácil.
Então, o que mudará com as
eleições?
O Contexto Econômico
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Generais Leopoldino do Nascimento,
Kopelipa, Presidente JES, e Manuel Vicente, o quarteto que controla a economia
política.
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A seguir às eleições,
provavelmente em dezembro, o governo deverá proceder à desvalorização do Kwanza
e ao aumento do preço dos combustíveis. Haverá um aumento da inflação e um
encarecimento dos bens essenciais. O poder de compra do cidadão comum baixará
consideravelmente.
Por essa altura, devido à
escassez de divisas para a importação, começarão a faltar novamente os bens de
primeira necessidade. A situação económica agravar-se-á. Porquê?
O petróleo, a nossa maior
riqueza natural e o motor da economia, está nas mãos da filha de José Eduardo
dos Santos.
Há dias, Isabel dos Santos
anunciou resultados tão positivos em seis meses de gestão, que pouco depois
veio à superfície, nas redes sociais, a escassez de combustível nas províncias,
particularmente em Huíla, Bié e Huambo, onde as pessoas tiveram de pernoitar
junto às bombas de combustível para receberem um racionamento de cinco litros
por pessoa.
Isabel dos Santos é tão
competente a dirigir a Sonangol como a engajar-se em disputas de sanzala nas
redes sociais. É aqui que a chamada princesa do saque passa grande parte do seu
tempo a exibir sorrisos, a mostrar que trabalha através de fotos dos seus
encontros tanto com celebridades como com executivos internacionais.
A situação da Sonangol é
agravada pela falta de diversificação da economia do País. Os devedores do BPC
são um bom exemplo de como os fundos públicos supostamente destinados a apoiar
o empresariado nacional têm sido usados simplesmente para transformar proxenetas
do MPLA – como Bento Kangamba, que recebeu um crédito de mais de 300 milhões de
dólares – em multimilionários, sem que nada façam pela economia. Vejamos:
Monteiro Kapunga, deputado do MPLA, recebeu perto de 700 milhões de dólares em
crédito do BPC! O que fez ele com o dinheiro? Certamente nunca o pagará ao
banco e ainda renovará o seu mandato de deputado do MPLA; Elias Chimuco, também
deputado do MPLA, recebeu um empréstimo de 435 milhões de dólares, sem que haja
indícios de que os vá restituir. No entanto, Chimuco renovará o seu mandato de
deputado.
São mais de cinco biliões de
dólares – apenas do BPC – nos bolsos dos homens do MPLA e ninguém está preso,
nem sequer há investigação. Pelo contrário, há ameaças de sanções criminais,
mas contra quem tenha vazado a informação.
João Lourenço falou em
coabitação perfeita com José Eduardo dos Santos, o que significa manter-lhe os
filhos – respectivamente, Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos – como
presidentes da Sonangol e do Fundo Soberano de Angola. José Filomeno, para além
de ter desbaratado os cinco biliões do Fundo Soberano com o seu amigo
Jean-Claude Bastos de Morais, também faz parte do saque do BPC, de onde levou
324 milhões de dólares.
A dita coabitação também
significa manter os privilégios econômicos da elite. Como sabemos, esses
interesses dependem do saque, da corrupção e do controlo exclusivo da economia
política, estrangulando qualquer ideia de diversificação econômica e,
consequentemente, de distribuição equitativa dos recursos nacionais.
A distribuição equitativa é
tão importante quanto a diversificação. A África do Sul deve servir-nos de
lição. Vinte e três anos depois do fim do apartheid, os dirigentes do ANC
têm-se revelado incapazes de resolver a extrema iniquidade na distribuição da
riqueza, envolvendo-se ou sendo cúmplices no aumento da corrupção nos mais
elevados níveis do poder. Esse comportamento deu origem às maiores tensões
sociais registadas nas últimas décadas, que têm sido evidenciadas com protestos
estudantis sobre os serviços sociais e a luta contra a corrupção, sobretudo
personificada no seu presidente Jacob Zuma.
Em Angola, as crescentes
reivindicações no sector da justiça, que este mês conduziram a greves
históricas no Tribunal Supremo e na Procuradoria-Geral da República, são apenas
uma demonstração do que será o próximo ano.
Ou o novo presidente rompe
imediatamente, após a tomada de poder, com a privatização do Estado efetuada
por José Eduardo dos Santos, ou então terá de enfrentar as consequências da
bancarrota do regime. Não haverá dinheiro para “acalmar” a profunda
insatisfação econômico-social dos cidadãos.
João Lourenço, que já sabe que
vai ser o próximo presidente – tal é o valor das eleições! – tem de iniciar um
processo célere de investigação e recuperação do patrimônio público nas mãos da
família presidencial, Kopelipas, Vicentes e outros. Só assim dará sinais
inequívocos de que haverá mudanças capazes de frenar o movimento de
reivindicações que se avizinham dentro do próprio regime.
É esta a prova de fogo da
liderança de João Lourenço: recuperar o patrimônio público roubado aos
angolanos. Não interessam os discursos para agradar ao povo e aos americanos.
Como diziam os velhos romanos, facta, non verba. Factos, não palavras.
É preciso aproveitar este
momento histórico. As mudanças em Angola passam por uma maior assunção da
responsabilidade individual de cada angolano perante o Estado. O Estado somos
todos nós. O regime é o MPLA, o governo é do MPLA, a oposição é a UNITA,
CASA-CE, FNLA, PRS e outros partidos, mas o Estado é a soma integral de todos
os angolanos. É a soma maior da vontade dos angolanos que poderá mudar o curso
da nossa história.
O futuro de Angola não depende
da eleição de João Lourenço, Samakuva ou Chivukuvuku, mas dá vontade de todos
os angolanos, e passa por uma maior reivindicação dos direitos de cidadania e
pelo exercício pleno dos correspondentes deveres.
Todos, um mais um, têm de
exercer os seus direitos nas repartições, nos tribunais, nos ministérios, nas
esquadras de polícia, nas ruas, no campo e na cidade.
Basta de miséria, basta de
exploração, basta de mentiras.
É tempo do grito do Ipiranga angolano: “Liberdade e Vida!”
É tempo do grito do Ipiranga angolano: “Liberdade e Vida!”
Título, Imagens e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 17-7-2017
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