Rui Verde
Chegou às redações um comunicado
longo e cuidadosamente redigido do Comité Permanente da Comissão Política da
UNITA, focando em detalhe muitos dos atropelos legais em que a CNE se tem
desdobrado na preparação das eleições, de acordo com o principal partido da
oposição.
Desde logo, esses atropelos residem no
incumprimento das normas legais imperativas para a contratação pública de
empresas cuja função é mapear as assembleias de voto, elaborar os cadernos
eleitorais e credenciar os agentes eleitorais, bem como fornecer o material de
votação e o equipamento tecnológico para o escrutínio.
Afirma a UNITA que a CNE confundiu a
lei e recorreu a procedimentos não aplicáveis; designadamente, aplicou os
procedimentos previstos para a contratação simplificada numa situação de
concurso público.
Não entrando aqui na análise jurídica
detalhada da escolha dos procedimentos para efetivar contratos públicos, o
ponto importante é que essa escolha está sujeita a parâmetros claramente
indicados nos artigos 22º e 30º da Lei dos Contratos Públicos (Lei nº 9/16, de
21 de abril). E, nessa medida, há que explicitar qual o fundamento legal para a
escolha de procedimentos da CNE. É essa a exigência fundamental que a posição
da UNITA deve fazer.
Dito de outra forma, qual a norma da
lei que permitiu que a CNE convidasse a SINFIC e a INDRA para apresentarem
propostas, sobretudo atendendo aos valores em causa e à matéria sensível?
Onde está a justificação dessa decisão,
exigida nos termos do artigo 32º da Lei dos Contratos Públicos?
O segundo ponto a referir, e que
decorre da lei também, coloca uma nova pergunta: por que razão a INDRA foi a
única empresa que conseguiu elaborar uma proposta para o fornecimento de material
de votação e da solução tecnológica, e a SINFIC a única que conseguiu
apresentar uma proposta de qualidade para a elaboração dos cadernos eleitorais
e o credenciamento dos agentes eleitorais?
Segundo a informação avançada pela
UNITA, todas as demais empresas declinaram, ou porque não receberam indicação
das quantidades dos materiais a fornecer ou porque acharam que seis dias não
era tempo suficiente para apresentar uma proposta de qualidade.
Em relação a este aspecto, há que
exigir a apresentação pública das cartas-convite e do caderno de encargos
produzidos pela CNE nos termos do artigo 44º e seguintes (em especial, 46º e 47º)
da lei, para perceber se continham todos os elementos indispensáveis à
contratação, e se foi a estes que as propostas da SINFIC e da INDRA
responderam, ou se o procedimento está pejado de ilegalidades e é anulável.
É que a UNITA pode ir a tribunal
impugnar estes procedimentos e assim impossibilitar que se realizem eleições
que considera fraudulentas.
A UNITA também levanta uma questão que
nos tem preocupado: a contagem dos votos. A lei eleitoral determina que os
resultados eleitorais provisórios sejam transmitidos pelos cerca de doze mil
presidentes das assembleias de voto para as dezoito Comissões Provinciais
Eleitorais pela via mais rápida. Realça a UNITA que “a CNE, ao invés de
programar transmitir os resultados pela via tecnologicamente mais rápida a
partir das próprias assembleias de voto, programou contratar a Polícia para
transportar os resultados eleitorais de madrugada, para 167 centros de despacho
que a lei não prevê”.
Do ponto de vista legislativo, a lei
deveria ser diferente: deveria impor que os votos fossem contados no local e
imediatamente afixados. A transmissão dos mesmos seria apenas um evento
administrativo posterior, sem relevância política. Insignes juristas com quem
tenho discutido esta questão explicam que tal é possível nas cidades, mas não
no meio do mato, onde algumas assembleias de voto estão debaixo de árvores e
não há rede de comunicações, havendo medo de ataques de feras. Sendo assim,
deveria estabelecer-se uma regra: todos os resultados são contados localmente e
aí afixados, e admite-se uma excepção nos casos em que existem os problemas
referidos (feras e ausência de rede de comunicações).
Face à lei vigente, a mesma regra
deveria ser estabelecida. Sempre que possível, os resultados deveriam ser
comunicados eletronicamente e da forma mais rápida. Só onde tal não fosse
possível é que se utilizariam outros métodos. Regra e excepção, e não tornar a
excepção como regra e assim dificultar e tornar o processo eleitoral mais
nebuloso.
E nunca, mas nunca, atribuir à polícia
a responsabilidade de transportar os resultados. A polícia deveria ser escolta,
e o transporte deveria ser feito sempre por elementos civis neutros.
Muitos mais variados pontos levanta o
comunicado da UNITA. Mas há um tema importante e fundamental: há que cumprir a
lei e assegurar que as eleições são justas e livres, não estando assegurado um
vencedor antecipado.
Todas as eleições são importantes, mas
estas revestem-se de especial relevância. Pela primeira vez, vai haver uma
mudança presidencial pela via eleitoral. O regime está doente e em declínio,
como tem sido demonstrado por vários sintomas nos dias recentes, desde a
própria doença do PR e o manto de secretismo que a envolve, à palhaçada da
compra do relógio (ou das fotos) por 500 mil euros, à falta de dinheiro no
Estado, ao apoderamento pelos filhos do presidente das principais fontes de
rendimento do país. Tudo isto demonstra que a liderança de JES chegou ao fim.
Chegou o tempo da mudança.
Nessa medida, a posição da UNITA deve
ser vista como um alerta muito claro, contendo uma exigência simples para uma
mudança pacífica: cumpra-se a lei.
Título, Imagem e Texto: Rui Verde, Maka Angola, 31-5-2017
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