Gaspari, o alter ego de “Eremildo, o Idiota”, não gosta da oposição. E isso é verdade desde o regime militar! Ou: a Fada Sininho de Lula quer ser o Grilo Falante de Dilma
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Homem Grilo, criação: Cadu Simões; ilustração: Jean Okada |
Na quarta-feira, Elio Gaspari, o alter ego de “Eremildo, o Idiota”, escreveu um artigo na Folha intitulado “Quando a oposição perde, apita: PRIiiiiii!”. Decidi escrever a respeito, naquele dia mesmo, até anunciei, mas a tarefa que me impus foi ficando pelo meio do caminho, atropelada por eventos que evidenciavam tudo o que o Aiatoélio negava em seu texto. Como ele é dono de um estilo que se pretende insinuante nas idéias e fartos nos exemplos históricos, terei de optar pelo já tradicional “Vermelho e Azul”. E começo pelo título.
“Quando a oposição perde, apita: PRIiiiiii!”
O título já deixa claro que Elio está escrevendo um texto, e a primeira linha do artigo o evidencia, contra a “oposição brasileira” de qualquer tempo. É compatível com a sua trajetória profissional. Ele é o medalhão mais governista, não importa o governo, de que tem notícia o jornalismo brasileiro. De fato, combateu até hoje todas as oposições, em especial a oposição ao Regime Militar. Antes de ser alter ego de Eremildo, foi alter ego de Golbery do Couto e Silva e de Heitor de Aquino Ferreira, por exemplo. Nunca ninguém defendeu o ciclo militar com tanto brilho. Nesse sentido, a sua trilogia sobre a ditadura, vazada em tom às vezes crítico, não faz justiça a seu passado.
Nos anos FHC, arrumou ali uma pinima ou outra com o que chamou “ekipekonômica”, pondo sempre a sua notável ignorância em economia a serviço de mistificações, mas não chegou a ser exatamente um entusiasta da oposição — a não ser quando já não havia dúvidas de que o PT seria o vitorioso. Aí ele ficou mais enfezado. Não porque houvesse mudado. Governista que é, só estava usando seus dons antecipatórios. E já faz isso de novo, vocês verão.
QUANDO A OPOSIÇÃO brasileira é devastada pelo resultado eleitoral, alguém apita: “PRIiii!”. É um grito de advertência contra o perigo da instalação de um regime de partido único (de fato) no Brasil. Algo parecido com a coligação de políticos, burocratas, sindicalistas e cleptocratas que governou o México de 1926 a 2000, boa parte do tempo sob a sigla do Partido da Revolução Institucionalizada.
Como se nota, é um texto contra “a oposição”, qualquer uma. Gaspari é como Lula, que combate até a oposição no Irã… A síntese que ele fez acima foi do PRI, mas parece do PT: “coligação de políticos, burocratas, sindicalistas e cleptocratas”.
O apito de PRI costumava soar depois da eleição. Agora ele veio antes, com um inoportuno componente de derrotismo. Ele soou em 1970, quando a popularidade do general Médici e os camburões da polícia esmagaram o MDB. A oposição ficou com 87 das 310 cadeiras da Câmara, perdendo até o terço necessário para requerer uma CPI. O governo elegeu 42 senadores, perdendo apenas no Rio de Janeiro e na antiga Guanabara. Era o PRI. Quatro anos depois, o MDB elegeu os senadores em 16 dos 22 estados. Não se falou mais em PRI.
É mentira! Cadê os textos apontando a “PRIização” da política brasileira em 1970? Esse debate nem mesmo existia naquele tempo — aliás, não existia debate nenhum dessa natureza. Por que ele não cita as suas fontes? Como Gaspari quer desqualificar o debate presente para exaltar as glórias do governo, como sempre faz, apela a um suposto fato do passado, que não pode ser verificado. Aliás, a sua trilogia sobre a ditadura — exaltada como “coisa de historiador” (pfuuiii) — é prenhe desse procedimento: com o que sabe do presente, ele recua no tempo para encontrar causalidades improváveis, motivações não-comprovadas e paralelos descabidos.
E notem que minha informação sobre o seu contumaz governismo se revela. Segundo diz, “a popularidade do general Médici e os camburões da polícia esmagaram o MDB”. O alter ego de Eremildo acha que popularidade e camburão, embora levemente antitéticos, se davam por justaposição. Não lhe ocorre, naturalmente, que o camburão pudesse ter alguma coisa a ver com a popularidade… Ele é, afinal, um governista em 1970 e em 2010.
Em 1986, cavalgando o Plano Cruzado, o PMDB de José Sarney elegeu 22 governadores, 36 senadores e a maioria dos deputados. Novamente: PRI! Três anos depois Fernando Collor de Mello elegeu-se presidente da República e, desde então, o apito calou-se, para voltar a ser ouvido agora.
Não se falou de PRI em 1986 coisa nenhuma! Cadê? Como não se falou em 1970. E por uma razão bastante simples, que as primeiras linhas de seu texto desmentem. O que é mesmo o partido mexicano? Gaspari responde: “coligação de políticos, burocratas, sindicalistas e cleptocratas”. Políticos, burocratas e cleptocratas, vá lá, estão sempre presentes em qualquer governo. Mas nem os militares nem Sarney reuniam a cleptocracia sindical, sem a qual não há como gritar “PRIiii”
Este escriba fala da vocação do PT para PRI antes mesmo de ele vencer as eleições de 2002. Por quê? De fato, aquelas categorias estão abrigadas no PRI, mas não são suficientes para definir o processo de PRIização da política. Este se realiza quando um partido se oferece para tomar o lugar da sociedade — no México, foi o PRI; no Brasil, é o PT. E como isso se opera? Por meio do já conhecido aparelhamento do Estado — de que os eventos da Receita são só os exemplos mais recentes —, mas também por meio do aparelhamento da sociedade. O “partido”, como ente de razão, espalha as suas células nas organizações e entidades da sociedade civil, nas escolas, nos sindicatos (claro!), nas igrejas (e como!), de modo que nada exista fora de seu alcance e, de algum modo, de seu controle. Gaspari precisa estudar mais. Não basta ficar elencando fatos e contando historinhas exemplares. É preciso entender o sentido da história, dedicar-se ao estudo das idéias. Se quiser, indico bibliografia. E uma nota à margem: com certeza absoluta, saiu ao menos um artigo na Folha falando em risco de “PRIização” quando FHC se reelegeu. Tratava-se, claro, de um erro. Quem já estava aparelhando estado e sociedade, inclusive os fundos de pensão, era o PT.
Mas sigamos. O alter ego de Eremildo pretende agora ter encontrado dois exemplos matadores, daqueles que deixam o interlocutor sem fala. Mas Tio Rei é do tipo que não se deixa intimidar por Aiatoélio. Ele não me detesta sem motivo.
Falar em PRI no Brasil quando o PSDB caminha para completar 20 anos consecutivos de poder em São Paulo é, no mínimo, uma trapaça. Sabendo-se que o PT conformou-se com uma posição subsidiária nas eleições para governadores, o espantalho torna-se risível.
Trapaça é a argumentação de Gaspari. Ninguém ainda disse: “O PT é o PRI”. O que se tem debatido, um debate legítimo e correto, é o risco de “PRIização”, é o processo que está em curso, de que São Paulo entra, sim, como nota dissonante, mas também como palco exemplar de uma batalha. A máquina eleitoral do governo federal atua no estado com força inédita. Derrotar os tucanos virou uma questão de honra — e eu mesmo já escrevi aqui, como vocês sabem, que o PT jamais considerará completa a sua vitória enquanto isso não acontecer.
A PRIização está, por exemplo, em utilizar a máquina sindical controlada pelo partido para produzir fatos eleitorais, como fez a Apeoesp, o que rendeu até multa do TSE. A PRIização está na criação, pelo partido, de um “movimento antipedágio” disfarçado de organização social. A PRIização está na tentativa de politização das polícias, excitando o conflito armado nas ruas. A PRiização está na sabotagem sistemática de todos, sem exceção, programas do governo do Estado, até o que prevê duas professoras para os alunos na fase de alfabetização. Foi com essas ações que Mercadante construiu a sua plataforma no Estado.
Sei não… Segundo os meus estudos, Gaspari tinha mais acuidade no tempo em que defendia os governos da ditadura. Para negar a vocação do PT para PRI, escreve que o partido “conformou-se com uma posição subsidiária nas eleições para governadores”. Ora, se ele mesmo chama isso de “conformar-se”, deve entender que é uma escolha. E a escolha deve atender a algum objetivo estratégico. Não! O PT não “escolheu” perder nos estados; ele escolheu fazer uma aliança gigantesca para derrotar a candidatura de oposição porque, no federalismo chinfrim brasileiro, o que importa é o poder central; o resto se arranja. Mas que se note: a PRIização convive muito bem com os poderes locais, desde que subordinados.
É nessa hora que se deve olhar para o espantalho. Ele não é o que quer o tucanato abichornado, mas o paralelo histórico tem algo a informar.
“Abichornado”? Quando a Fada Sininho de Lula quer ser irônica, ela pode ficar agressiva… Atenção que Gaspari se prepara agora para escrever o texto mais petista de sua carreira. Governista compulsivo, ele já se prepara para exaltar as glórias da companheira Dilma Rousseff.
O PRI surgiu depois de uma revolução durante a qual mataram-se três presidentes e desterraram-se outros dois. Seu criador não foi Emiliano Zapata, muitos menos Pancho Villa (ambos passados nas armas), mas um general amigo dos sindicatos e dos movimentos sociais. Chamava-se Plutarco Elias Calles, assumiu em 1924, saiu em 28 e governou até 1935 por meio de prepostos, fazendo-se chamar de “Jefe Máximo”. Esse período da história mexicana é conhecido como “Maximato”. A boa notícia para quem flerta com um Lulato é que Calles parece-se com Nosso Guia na política voltada para o andar de baixo e até mesmo fisionomicamente, sem barba.
Você encontra essa leitura da revolução mexicana na Wikipedia, inclusive a tal foto. Atenção para o que vem agora.
A má notícia vai para a turma do mensalão. Um dia “El Jefe Máximo” teve uma idéia e decidiu entregar o poder ao companheiro de armas Lázaro Cárdenas. Encurtando a história, Cárdenas dobrou à esquerda, exilou meia dúzia de larápios do “Maximato”, inclusive um ex-presidente e, em 1936, despachou o próprio Calles, que ralou cinco anos de exílio.
Entenderam? Na fantasia do alter ego de Eremildo, o Idiota, Lula está para Calles como Dilma pode estar para Cárdenas. O que a Fada Sininho de Lula, agora candidata a Grilo Falante de Dilma, está dizendo é mais ou menos isto: “Vai, companheira, dobra à esquerda e pega os larápios que o Lula não conseguiu pegar”. Gaspari, como se nota, prevê uma Dilma mais moralista; ela seria uma “má notícia” para a turma do mensalão. Nem diga! Zé Dirceu já pensa em pedir refúgio, desta feita nas Ilhas Cayman.
O que está aí para todo mundo ver é o Lulato, com Nosso Guia pedindo votos para sua candidata e uma grande parte do eleitorado, consciente e satisfeita, dizendo que atenderá com muito gosto ao seu pedido.
Gaspari sabe que a massa está satisfeita, claro! Mas ele também a considera “consciente” — o que faz supor que, se não eleger Dilma, então é inconsciente. Eu não estou entre aqueles que saem por aí apontando a necessidade de “conscientização” das pessoas, velho mito esquerdopata. Mas é preciso apontar que, em seu ódio histórico à oposição — não importa qual —, o que Gaspari pretende é desqualificar qualquer crítica que se possa fazer ao governo Lula ou à candidata oficial.
Um país com a sofisticação econômica do Brasil, com a qualidade da sua burocracia e com o vigor de suas instituições democráticas não cai nas mãos de um PRI qualquer. Apitando-se, faz-se barulho, e só. O problema da oposição brasileira, com sua vertente demófoba, chama-se Lula, “El Jefe Máximo”, que o embaixador Celso Amorim chamou de Nosso Guia e Dilma Rousseff qualificou como o “grande mestre, ele nos ensinou o caminho”.
Gaspari ainda vai tomar o lugar de Palocci, enviado especial de Dilma aos mercados e aos “conservadores”. Paloccii, como se sabe, ele mesmo um notório respeitador de sigilos… Uma ova! Lula pode ser, sim, um “problema” da oposição, mas não pelo motivo sugerido por Gaspari, que aponta a suposta “vertente demófoba” — o que é de uma desonestidade intelectual estupenda, já digo por quê! É o exato oposto: Lula é um problema para a oposição em razão de sua (da oposição) “vertente demofílica”, o que a levou a combater os arreganhos autoritários do governo de maneira tímida, acanhada, envergonhada até, como se Lula fosse, de fato, como quer Gaspari, a encarnação do próprio povo. Não é! Lula é uma construção que tem história, que remonta, no mínimo, aos 200 anos que o precederam. As dificuldades da oposição não se devem a seu combate a Lula, mas à falta de combate.
Mas eu entendo os motivos desse gigante. Gaspari não deixa de ser uma nota de rodapé da mistificação petista, com suas tolices sobre privataria, andar de baixo, andar de cima e afins. Já afirmou bobagens garbosas sobre programas do governo que não deram em nada, embora ele vislumbrasse grandes auroras. Governista, sempre governista!
Acusar de “demófobo” aquele de quem se discorda é querer vencer a disputa no terreno da moral de propaganda. Aquele que o faz, num ato de covardia intelectual suprema, usa o “povo” para se proteger. Assim, a gente não discorda de Gaspari porque seus argumentos são ruins, mas porque a gente não gosta do povo. Qual é? Pode-se suportar uma tolice dessas num garoto, não num velho! Ou será ele candidato a Comissário Colunista do regime? Boa sorte! Mas a concorrência é grande!
Encerro observando que Gaspari distorce e rebaixa o debate sobre o risco de PRIização da política ao tentar reduzi-lo ao mero debate sobre quantos deputados, senadores e governos de Estado o PT pode fazer. A questão é outra. O que tem de ser pensado é a escala da degradação das instituições no país, de que os descalabros da Receita são apenas uma evidência. Nesta sexta, fazendo jornalismo — e não genuflexão —, o Estadão demonstra quão longe chegou o órgão na farsa para tentar encobrir um crime político. Caso Dilma vença as eleições, virá o debate sobre, como é mesmo?, a “democratização da mídia”. Gaspari deve estar satisfeito. Vai ver ele também quer submeter a “mídia” aos ditames do Lázaro Cárdenas de saias.*
PS - Há uns vagabundinhos aí me atacando em blogs e sites etc. e tal. Eles próprios devem me mandar os textos — já que leitores não têm — na esperança de que eu os torne idiotas célebres. Esqueçam! Só bato em quem tem tamanho pra apanhar. Ao que Celso Amorim diria: “Mentiiiiraaaa!!!” Ihhh, acho que essa pancada em Amorim ficou “fora do contexto”… Tudo bem! Sempre será por bons motivos. Faço-o em nome dos apedrejados e dos enforcados do mundo.
Reinaldo Azevedo
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