domingo, 26 de setembro de 2010

A boa e a má corrupção: se for de esquerda é boa, se for de direita é ruim

Algumas pessoas me pediram para colocar no papel algo que eu disse, no final de minha exposição, no XXIV Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, em Minas Gerais. Lembrei-me do que havia dito e desenvolvi um pouco, conforme se segue.
Inicialmente, lembrei que uma ditadura não precisa ser necessariamente militar, como a do Brasil, em 1964. Antes disso, tivemos a ditadura de Getúlio Vargas, de 1937 a 1946, que era uma ditadura populista, ou seja, fundada na popularidade do Presidente da República,  a quem, por ser havido como pai dos pobres e dos trabalhadores, tudo foi permitido, como, por exemplo, a supressão das garantias constitucionais do cidadão e a supressão da liberdade de imprensa.

Atualmente, na América Latina, temos, como exemplos desse modelo, a ditadura de Hugo Chaves, na Venezuela, e a cinqüentenária ditadura de Fidel Castro, em Cuba. O elevado prestígio do líder, traduzido em popularidade (às vezes autêntica, outras vezes baseado num formidável esquema de propaganda e normalmente resultante de uma combinação  de carisma pessoal com controle da mídia), não é suficiente para caracterizar uma democracia.
Ao final, me referi à relativização de certos princípios doutrinários e constitucionais elementares ao estado democrático de direito, como a moralidade pública, a probidade administrativa e a dignidade no exercício da função pública.
Antigamente, a chefia do governo era havida como uma magistratura; hoje, transformou-se numa caricatura, havendo governantes que se comportam como verdadeiros bufões, adotando posturas e comportamentos vergonhosos,  grotescos ou caricatos, como é por exemplo, o caso do Berlusconi, na Itália. É altamente preocupante a tolerância com os destemperos e  todas as violações da lei  reiteradamente feitas pelo Presidente Lula, como se o princípio da legalidade não existisse ou, então, não se aplicasse  a  quem desfruta de grande prestígio popular.
O decoro parlamentar foi substituído pela prática do suborno desabrido, como no caso do mensalão, dos sanguessugas, do dinheiro na cueca, na bolsa, na meia etc. misturados com violação de sigilo, dossiês, aloprados, auxílio paletó, verbas de representação, uso indevido de passagens aéreas,  viagens de estudo e representação com familiares e até amantes, e por aí vai. Tudo isso supostamente para garantir a governabilidade. Afinal, como disse um conhecido ator esquerdista: “não é possível fazer política sem enfiar a mão na merda” (Mário Covas deve ter-se revirado no túmulo!).
Corrupção era crime; hoje não é mais, pois “todo mundo faz isso” conforme salientou  nosso líder máximo  ao comentar a disseminação do chamado “caixa dois”. Ou seja; se o estupro passar a ser prática corriqueira, deixará de ser crime, a despeito do que possa estar consignado no Código Penal. A vontade popular está acima da lei formal.
Que a massa ignorante pense assim, vá lá. Mas a tolerância, a aceitação e até mesmo a exaltação da malversação de recursos públicos como indicador de esperteza e diligência, não conhece barreiras ou limites econômicos ou culturais. Pessoas da mais alta inserção social, formadores de opinião e até juristas da maior nomeada, convivem na mais santa paz com a corrupção e a violação dos princípios fundamentais da Constituição.
Atualmente, prepondera uma lastimável distinção entre a boa e a má corrupção: se for de esquerda é boa, se for de direita é ruim. O velho Adhemar de Barros (“rouba mas faz”) e o incrível Paulo Maluf, são havidos como corruptos; mas quando o filho do Presidente, repentinamente, passa de guarda do Jardim Zoológico a milionário, tornando-se sócio de empresa concessionária de serviço público federal altamente favorecida pelo governo, ninguém se incomoda com isso! Honestidade é um preconceito burguês. Os fins justificam plenamente os meios. Tudo que for feito a pretexto de atingir uma finalidade “social” já está previamente validado.
Por exemplo, a Constituição garante o direito de propriedade, mas a nova ética pública  confere valor preponderante às invasões perpetradas pelos chamados movimentos populares.  Entre estes destaca-se o  MST, que é uma organização clandestina, paramilitar, armada, de fins ilícitos e mantida com o desvio de verbas públicas. Mas seus dirigentes, em lugar de estarem na cadeia, são recebidos pelas autoridades com honras palacianas. E onde estão os órgãos que deveriam zelar pela defesa da Constituição?  É ensurdecedor o eloqüente silêncio dos juristas!
A ditadura militar de 1964 foi suplantada pela força do direito. Os terroristas que pretendiam substituí-la por uma ditadura populista, de esquerda, fracassaram e somente prolongaram a agonia. Quem derrubou a ditadura foram as pessoas dotadas de sensibilidade jurídica, de  verdadeiro espírito democrático, realmente empenhadas na restauração do estado social e democrático de direito, dotado de instrumentos jurídicos hábeis para promover o desenvolvimento  econômico e o seu compartilhamento, como meios para   a eliminação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.
Tempos difíceis se anunciam, como resultante de um conformismo  generalizado. Os pobres estão satisfeitos, com as benesses do assistencialismo comprador de consciências,  seus celulares e roupas de grife “Made in China”; os banqueiros jamais ganharam tanto; os setores da produção já se conformaram com a opressiva carga tributária e se contentam com protecionismos e favorecimentos (ainda que obtidos mediante propina, ou “taxa de sucesso” na novilíngua)); as oligarquias regionais tiveram seus desmandos perdoados e passaram a ser santificadas; as lideranças políticas são complacentes com qualquer coisa que não afete seus privilégios e interesses pessoais; os partidos políticos são meras aglutinações de conveniências episódicas. Não existe oposição.  A maioria  do eleitorado é analfabeta e altamente manipulável.  Está preparado o caldo de cultura para implantação de  uma ditadura populista.
Para sair desse impasse certamente teremos que contar com a coragem, o risco, o sacrifício pessoal e o talento de  gente igual àqueles que nos livraram da ditadura militar. É preciso falar, protestar, denunciar,  reagir, antes que seja demasiadamente tarde. Mas ainda temos juristas de verdade? Ainda temos democratas realmente convictos? Temos  pessoas influentes que ainda acreditam nos antigos valores fundamentais da nacionalidade? Ou todos já se renderam à  nova ética pública?
Adilson Dallari

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