quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Milhares em defesa da Suécia multicultural + Ele tornou a extrema-direita sueca credível

Manifestações em Estocolmo foram desencadeadas por uma rapariga de 17 anos. O PÚBLICO falou com ela
Francisca Gorjão Henriques, Público

"Sim à vida em conjunto, não ao racismo", ouviu-se nas ruas de Estocolmo. Foto: REUTERS
Felicia Margineanu está duplamente em choque. Primeiro, pelos avanços da extrema-direita no seu país; depois, porque desde que convocou uma manifestação de repúdio através do Facebook que o telefone não pára. Aos 17 anos, ainda antes de poder votar, esta é a sua estreia na política.
Por causa dela, milhares de suecos (seis mil segundo a polícia) saíram à rua em Estocolmo na segunda-feira. Ouviam-se palavras de ordem como "Esmaguem os racistas", "Somos pela diferença" e "Sim à vida em conjunto, não ao racismo!". Vozes que antes tinham estado caladas e que agora desafiaram o conforto do sofá. "Depois das eleições havia muita gente a reagir com comentários furiosos. Em vez de ficar sentada, pensei no que poderíamos fazer", conta Felicia Margineanu por telefone ao PÚBLICO. Em duas horas teve duas mil respostas e o movimento foi crescendo.
Filha de pai romeno e mãe sueca, Felicia nasceu na Suécia, e foi lá que sempre viveu. Não está na universidade porque quer concentrar-se apenas a fazer fotografia. No seu site podemos ver mulheres em traje de samba, meninas supersexy de véu e sem ele, negros em fato-de-banho e óculos escuros.
Mas na rua há um mundo menos glamouroso e ela também tem olhado para ele. "Vejo racismo nas escolas, nos autocarros, em todo o lado. Pessoas que comentam coisas quando nos viramos, má educação. Mas as pessoas têm ignorado isso." Não é uma especificidade sueca. "O racismo existe em toda a parte. Haverá também em Portugal... Quando não há trabalho, culpa-se os outros. E os outros são os imigrantes." Na Suécia, são 14 por cento da população.
"Os suecos pensam que os imigrantes lhes ficam com os empregos, e os imigrantes pensam que os suecos são todos racistas", diz Felicia. Ela, morena de olhos castanhos, já sentiu a discriminação na pele. "Mas não fico presa a isso."

O país tem resultados económicos invejáveis para qualquer dos seus parceiros europeus, com um crescimento de 4,5 por cento, um por cento de défice (o menor da UE) e uma taxa de desemprego em queda (embora ainda ronde os 8 por cento, atingindo sobretudo jovens).
Foi com uma campanha contra a imigração que o partido Democratas Suecos (SD), de Jimmie Akesson, conseguiu eleger 20 deputados, arrastando o país para um cenário de incerteza política.
O primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt ainda poderá conseguir uma maioria depois de contados os boletins enviados por correio bem como as primeiras votações, disse à Reuters um académico. Reinfeldt afirmara que tinha ficado aquém da maioria por sete mil votos.
Os 5,8 por cento conquistados pelo SD criaram um sismo que continua a reverberar. Com a sua entrada no Parlamento, fica em causa a imagem da Suécia moderada. E será mais difícil ignorar as questões que levanta.
"Muita gente nem sequer conhecia bem o SD" antes de votar, comenta Felicia. "Mas acham que a imigração está a crescer tanto que vai tomar conta da Suécia." Antes já era evidente um ambiente anti-imigração, diz. "As pessoas ficaram à espera de que alguma coisa acontecesse, passivamente. Agora vão ter que se esforçar mais", participando em manifestações, ou criando organizações para combater o racismo, defende.
Um voto contra o sistema
Os resultados espantaram Anton Carlström. "Para ser franco, nunca pensei que o SD tivesse este apoio todo", diz ao PÚBLICO este estudante de Economia, de 21 anos, através de um chat no Facebook. Nem ele, nem talvez Reinfeldt. "Os outros partidos terão de se responsabilizar por não os terem convidado para os debates", afirma.
Para alguns analistas ouvidos pela AFP, o voto no SD foi mais uma manifestação antipartidos tradicionais, "e sobretudo um descontentamento com os sociais-democratas [que tiveram o pior resultado de sempre] que os eleitores não conseguiram expressar de outro modo", refere Aake Hammarstedt, presidente social-democrata de Bromölla.
Anton, que se diz de esquerda, parece concordar. E salienta que esta é "uma oportunidade de se começar a levar [o SD] mais a sério". Se for convidado para debates, rapidamente sairá de cena, acredita.
Desde domingo que Anton vê outra Suécia, e não gostou. "A Suécia onde cresci é multicultural."
Francisca Gorjão Henriques, Público, 22-09-2010

Ele tornou a extrema-direita sueca credível
Rita  Siza

Jimmie Akesson, foto: Reuters
Quando o acusam de ser racista, Jimmie Akesson corrige que é "conservador". E diz o mesmo dos Democratas Suecos (SD), o partido de extrema-direita que tem raízes nos movimentos neonazis dos anos 80 e 90 e que, sob a sua liderança, procedeu a uma limpeza de imagem, trocando a retórica ultranacionalista por uma mensagem populista e anti-sistema mais apelativa para os descontentes eleitores escandinavos.
Nascido em Solvesborg, no Sul do país, em 1979, Akesson começou a interessar-se por política na adolescência. Aos 15 anos passou a integrar os DS, que na altura tinham militantes que ainda usavam uniformes nazis. "Esses eram os membros antigos. Hoje o partido é diferente e os eleitores reconhecem essa diferença", garante o político.
Aos 19 anos, iniciou-se na vida pública depois de ter sido eleito conselheiro municipal na sua comuna de Solvesborg. Na sua página pessoal na Internet, conta como a experiência o convenceu de que a política era o seu futuro. É, aliás, o seu grande interesse, como se lê no website - "a ideologia e as questões democráticas", precisa. Além disso, só consta o futebol e uma extensa lista de romances policiais de autores suecos como Henning Mankell, Leif GW Persson e Stieg Larsson (que dirigiu a revista Expo, fundada para investigar o movimento da extrema-direita).
À frente do partido há cinco anos, Akesson deixou cair gradualmente os "vikings", cujo lema era "A Suécia é dos suecos", e também os skinheads, que perpetuavam a ideia de que os SD eram basicamente um grupo de homens furiosos. O partido hoje reflecte a sua imagem limpa, arrumada, inofensiva. Como ele, tornou-se uma força política respeitável e credível. Akesson sorri e fala sem exaltações. "Queremos que as pessoas nos tomem a sério e à nossa plataforma, que assenta numa política de imigração responsável, no combate à criminalidade e na protecção da terceira idade", enumera.
Os resultados não tardaram. Em 2006, os SD conquistaram cinco mandatos no poder local e Akesson foi o terceiro mais votado para a comuna de Solvesborg. A revista Focus colocou-o em 48.º lugar na lista das personalidades com mais poder para mudar a Suécia.
Agora, tirou definitivamente o partido da obscuridade, ao eleger 20 membros para o Parlamento. "Não vamos criar problemas, vamos agir responsavelmente", prometeu.
Rita Siza, Público, 22-09-2010


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