domingo, 26 de setembro de 2010

Hélio Bicudo: "Quem manda no país, passa por cima das leis é ele, Lula." (Do que os petistas vão acusar Bicudo?)


A exemplo do que fazia nos distantes e duros tempos da ditadura, às vésperas das eleições, em companhia de outros juristas e personalidades, ele ergue sua voz em defesa da democracia no país. Na semana passada, Hélio Bicudo, 88 anos, liderou um manifesto também pela liberdade de imprensa, segundo ele, ameaçada pelo governo Lula. O mesmo Lula com quem Bicudo, que foi ministro interino da Fazenda no governo João Goulart, deputado federal e vice-prefeito de São Paulo, durante a gestão de Marta Suplicy (PT), na condição de vice, disputou o governo de São Paulo e conviveu durante os 25 anos em que militou no PT.

Nossa democracia está mesmo ameaçada?
Acho que sim, porque o presidente da República ignora a Constituição, se acha acima do bem e do mal, e, com uma vitória que está delineada em favor da sua candidata, concentrará todos os poderes da República em suas mãos, além do apoio da maioria dos Estados e da população em geral. Com uma pessoa com esse potencial, e que não vê no ordenamento jurídico do país a maneira de estabilizar as discussões e debates, o Brasil pode caminhar para uma ditadura civil, sem dúvida.
O senhor, que ficou no PT por mais de 20 anos, imaginou que isso pudesse acontecer?
De início, não, mas no final, achava que aconteceria essa reviravolta. Foi marcante aquela carta aos brasileiros que Lula escreveu antes da sua primeira eleição, demarcando uma posição muito mais para o neoliberalismo do que para o socialismo.
O mesmo neoliberalismo tão criticado pelo PT, no governo de Fernando Henrique Cardoso. O senhor vê diferença nas práticas de ambos?
Não há nenhuma diferença, porque quem comanda as decisões políticas hoje, como ontem, é o próprio capital. 
O PT indicava uma prática diferente...
O PT fazia uma oposição bastante forte nos governos Sarney e Fernando Henrique. A partir do governo Lula, a unanimidade popular que ele foi conquistando afastou a oposição do seu caminho. E o que aconteceu? Sobre o mensalão e os outros atos de corrupção apontados, nada se fez. Quando Lula diz que é presidente da República até sexta-feira à noite, e depois fecha a gaveta e só volta na segunda-feira, pratica crime de responsabilidade. Afinal, como presidente ele jurou obedecer às leis do país. E a Constituição não permite que um presidente da República participe da campanha eleitoral como ele está participando. É crime que leva ao impeachment, mas nem os partidos políticos, nem a sociedade civil movem nenhuma pedra contra isso. 
Antes do primeiro governo Lula, falava-se do desejo do PT de ficar no poder por pelo menos 30 anos.
Não havia essa ideia, pelo menos no meu tempo. Pensava-se que o PT era um partido de massa, e iria trazer para os mais humildes uma estabilidade econômica.
Houve uma inclusão. 
Ele trouxe em parte, porque a Bolsa-Família é mais um colaborador eleitoreiro. Apenas dá dinheiro, mas não dá nenhum estímulo para que a pessoa possa galgar outro patamar na estrutura da sociedade.
Pesquisas indicam que Dilma Rousseff seria eleita, hoje, presidente da República. O que podemos esperar dela?
Quem continuará mandando no país vai ser Lula. Dilma diz que ela é o Lula. Então as coisas continuarão como estão, com a mesma corrupção, o mesmo manejo da coisa pública.
Como militante político, imaginava voltar às ruas em defesa da democracia e da liberdade de imprensa?
A gente fica frustrado, depois de uma longa luta em prol da democracia, ver o que estamos vendo. E acho que não temos democracia, até pela maneira pela qual se conduz a vida pública, onde um grupelho toma conta do governo, pondo nele seus parentes, seus amigos... Não é o governo do povo. Veja a própria constituição do Supremo Tribunal Federal, onde não se fez uma consulta maior para a escolha dos ministros. Ela foi pessoal, feita pelo próprio presidente. Leis passam na Câmara e no Senado, por atuação da presidência da República, que transformou o Legislativo em algo sem a menor expressão. 
O senhor faz a descrição de um poder quase totalitário...
E é isso. Quem manda no país, passa por cima das leis é ele, Lula. Vai eleger a presidenta que fará o que ele quiser.
Como o senhor vê Lula?
Um homem inteligente, que poderia usar essa inteligência para implementar e fortalecer a democracia no país, mas optou por incrementar o poder pessoal.
Trata-se de um traço de personalidade? 
Sim, com certeza. Ele sempre mandou no partido, afastou as lideranças que pudessem competir com ele. É o dono, sente-se acima do bem e do mal.
Em relação às denúncias de irregularidades no governo, sempre alegou nada saber.
Ele sabia de tudo, deixou as coisas escaparem. A oposição não atuou e, hoje, chegamos onde estamos. 
Incompetência da oposição?
Foi inexistência de oposição.
Como o senhor deixou o PT, em 2005?
Saí porque achei que o partido não estava trilhando a estrada que havia traçado no seu nascedouro. Ele deixou de representar o povo. Pode até ter o voto do povo, mas representa os interesses daqueles que o comandam. 
As muitas denúncias de irregularidades no governo Lula parecem não impactar a campanha de Dilma Rousseff. 
Olha, Lula vive dizendo que a imprensa o prejudica. Eu acho que é o contrário.
Como? 
A imprensa tem ajudado Lula e seus candidatos. Você não pega um jornal, um programa de televisão, que não exiba um retrato dele. O povo não vê o que está escrito além da manchete. Funciona como propaganda. 
Deixá-lo fora das páginas e fora das telas é quase impossível. Ele tem popularidade e peculiaridades. 

É "o cara", pelo menos para o presidente Obama...
Mis-en-scène... Pergunto: com tudo isso, o que o Brasil conseguiu, do ponto de vista internacional? Zero. A questão da popularidade não tem relação com a eficiência. Olha o caso do Irã. Tem maior vergonha do que isso? Nossa política externa é péssima. O Brasil não conseguiu colocar uma pessoa em cargo relevante no conceito internacional. Em matéria de Direitos Humanos, botaram lá em Genebra uma pessoa que jejuna nessa área. E onde estão os direitos humanos no Brasil, onde o presidente aceita que a Lei de Anistia contemple também torturadores? E a compra de 36 aviões de caça? Uma brincadeira, desperdício de dinheiro público. Outra vergonha é essa movimentação toda pela Copa de 2014. 
Por quê?
O dinheiro da construção de estádios poderia ser usado na Saúde, na Educação. Lula deu ao povo o que se dava durante o Império Romano: pão e circo. Ele dá Bolsa-Família, dá o futebol, shows, o povo vai se divertindo e vai votar em quem ele manda. Uma coisa é o Bolsa-Família eleitoreiro, a outra é dar o dinheiro e responsabilidade, Educação às pessoas.
Como viu o "ato contra o golpismo midiático", contrário ao que revelou o "manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa e de expressão", do qual o senhor participou, ambos em São Paulo? 
Lula sempre diz que há uma revolução midiática para retirá-lo do poder. Os pelegos dele é que fizeram o movimento em contrário ao nosso. 
Seu grupo conseguiu sensibilizar a opinião pública?
Acho que sim. Ontem, mais de 20 mil pessoas já tinham assinado o nosso documento. A semente foi plantada, e agora depende da sociedade. Porque o problema é também de pós-eleição. Repetindo o que já foi dito: se você não vigia, não tem democracia. Deve-se vigiar permanentemente quem governa o país, para que não haja desvios. Seja quem for eleito, independentemente do partido político.
Vê méritos neste governo?
A questão é: o que o governo pretende com sua atuação? Para mim, só autoritarismo. 
O senhor foi candidato a vice de Lula, na disputa pelo governo de São Paulo. Conviveu com ele e o admirou num determinado momento.
Sim, mas os tempos mudaram completamente. Ele acabou com as lideranças do partido, e lançou uma pessoa que nem era do partido, tradicionalmente, à presidente. Hoje o PT não tem diferença nenhuma dos outros partidos.

Mas o senhor declarou voto para Marina, do Psol...
Sim, porque entre os candidatos que estão aí, é ela quem tem as melhores condições, do ponto de vista de sua vida, do trabalho que já fez e se propõe a fazer. Plínio de Arruda Sampaio tem um discurso muito bom, mas não teria condições. Ele se propôs a fazer uma campanha para mostrar que a democracia não se exerce como o que se vê hoje no país. Presidente não se mete em eleição. Não pode praticar atos eleitorais em favor do seu candidato. Essa é a posição de um chefe de Estado.
O que o senhor diria para o eleitor que ainda está indeciso?
Ele tem que pensar: nós queremos democracia ou não queremos? Ninguém lembra mais do regime militar, da ditadura do Getúlio. E a ditadura civil é um risco. Veja a questão do sigilo fiscal, que é um direito individual, e que foi aberto em alguns casos por motivos políticos. Mal usado, o poder que a máquina pública tem é capaz de acabar com uma pessoa. 
Mesmo com de tudo isso, votar continua sendo importante. 
Claro! Existe uma corrente grande que defende o voto nulo como uma rebelião. Mas a omissão não é a melhor solução. Temos que mostrar o que pensamos através do voto.


Relação conflituosa do presidente com a imprensa levou à realização de manifestações públicas 
Má-fé.
Nos últimos dias, Lula afirmou que a imprensa atua de má-fé e que os jornais e revistas agem como se fossem partido. 
Opinião pública.
Durante comício realizado neste mês, em Campinas (SP), ele declarou: "Tem dias em que alguns setores da imprensa são uma vergonha. Os donos de jornais deviam ter vergonha. Nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos. Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública".
Manifesto.
Por causa dessa postura do presidente, na semana passada, em São Paulo, houve um ato público onde foi lido um manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa e de expressão, assinado por juristas, entre os quais Hélio Bicudo, e personalidades como o Cardeal Arcebispo Emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, atores e intelectuais como Ferreira Gullar. 
Reação.
Um dia depois, o PT e centrais sindicais como a CUT fizeram um "ato contra a mídia golpista". O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, teria dito que grandes veículos de comunicação brasileiros organizaram uma "conspiração" contra Dilma Rousseff.

Wikipédia
Hélio Pereira Bicudo (Mogi das Cruzes, 5 de julho de 1922), é um jurista e político brasileiro. Militante dos Direitos Humanos.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, turma de 1947.
Como Procurador de Justiça no Estado de São Paulo, destacou-se, juntamente com o então Promotor de Justiça Dirceu de Mello, no combate ao Esquadrão da Morte.
Durante o governo Carvalho Pinto, em São Paulo, foi o primeiro presidente das Centrais Elétricas de Urubupungá - Celusa, construtora das usinas de Jupiá e de Ilha Solteira.
Foi ministro interino da Fazenda no governo João Goulart, substituindo Carvalho Pinto de 27 de setembro a 4 de outubro de 1963.
Foi secretário dos Negócios Jurídicos do município de São Paulo na gestão de Luíza Erundina de 1989 a 1990 e deputado federal.
Em 1986 foi candidato ao senado pelo PT, ficando em terceiro lugar, atrás dos eleitos Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, ambos do PMDB.
Em fevereiro de 2000, foi empossado como presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington. É o terceiro brasileiro a ocupar a presidência da entidade.
Foi vice-prefeito de São Paulo de 2001 a 2004, durante a gestão de Marta Suplicy.
Em 2005, ele se desfiliou do PT.
Criou e preside a Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH), entidade que atua junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciando e acompanhado casos de desrespeito aos Direitos Humanos no Brasil.

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