UMA VISÃO CRÍTICA PESSOAL SOBRE A NOCÃO DE DITADURA E DEMOCRACIA EM
FUNÇÃO DOS RESULTADOS SOCIAIS CONQUISTADOS.
Francisco Vianna
O que é um ditador ou um
déspota autoritário? Muita gente pensa que sabe, mas a maioria desconhece da
novela a maior parte dos seus capítulos.
Não há dúvidas de que Adolf
Hitler, Joseph Stalin e Mao Tsé Tung eram ditadores e dos mais sanguinários,
assim como o foram e ainda são os irmãos Castro em Cuba, a vitrine da miséria
socialista mantida com a ajuda dos americanos, no Caribe, para o mundo ver.
Assim eram também Saddam
Hussein, Hafez Assad e é o seu filho Bashar al Assad. Todavia, em muitos casos,
a situação não é tão simples e tão gritantemente explícita e, em muitos casos,
a realidade – e a moralidade – dos regimes autoritários é muito mais complexa.
Todo mundo sabe que a China
sempre viveu sob o tacão de ditaduras e de imperadores e que, desde a
“revolução cultural” de Mao Tsé Tung, o país é uma ditadura comunista um tanto
atípica em relação ao sovietismo russo e ao nazismo-fascismo deuto-italiano,
por exemplo, todas elas manifestações diferentes da mesma sociopatia: o
socialismo.
Sabe-se, também, que Deng
Xiaoping era um ditador, certo? Certo. Afinal de contas, ele era o chefe do
Partido Comunista da China de 1978 a 1992, partido único – a contrariar o
próprio nome “partido”, ou seja, “parte” e não o todo – típico dos regimes
ditatoriais.
Como todo ditador, ele não foi
eleito, correto? Errado. Às vezes, um líder é democraticamente eleito, mas, na
primeira oportunidade, subverte a democracia que o elegeu e a torna uma
ditadura dentro do viés ideológico que representa. Mas o oposto também às vezes
acontece.
Xiaoping governou pelo medo e
aprovou, entre outras medidas, o massacre de manifestantes na Praça de
Tiananmen (ou da “Paz Celestial”), em Pequim, em 1989. Aconteceu, no entanto,
que ele também levou a China na direção de uma “pseudoeconomia de mercado”
elevando o capitalismo de estado chinês a níveis que nenhum outro governo
amarelo o tinha feito antes, por permitir e incentivar a ida para o seu país de
muitas empresas capitalistas privadas ocidentais atraídas pela mão de obra
então extremamente barata e produzir o maior “boom” econômico da sua história.
Como não podia deixar de ser,
o país, cautelosamente, sem fazer maiores concessões políticas à sua população,
não teve alternativa senão a de permitir que empreendedores privados
prosperassem, enriquecessem, e com isso começassem a gerar muito mais riqueza e
trabalho (e, portanto, maior grau de liberdade pessoal) do que o estado chinês
jamais fora capaz de fazê-lo.
Destarte, mesmo sendo um
ditador, muitos consideram Deng Xiaoping um dos maiores homens do século XX, do
nível de um Winston Churchill ou um Franklin D. Roosevelt.
Assim, cabe a pergunta: Seria
justo colocar Deng Xiaoping na mesma categoria de Saddam Hussein, ou mesmo de
Hosni Mubarak, o ditador egípcio cujo despotismo pouco fez para preparar seu
povo para uma sociedade mais aberta e representativa? Afinal, nenhum desses
três homens foi eleito por suas populações, mas nomeados por seus grupelhos
burgueses dos politiburos dominantes e todos eles governaram com a mão de ferro
e o tacão do medo. Então, por que não juntá-los todos na mesma categoria?
Ou o que dizer de Lee Kuan Yew
e Zine El Abidine Ben Ali? Durante as fases iniciais do governo de Lee, em
Cingapura, esse líder, com certeza, se comportou como um autêntico déspota,
como também fez Ben Ali, durante todo o seu governo na Tunísia.
Assim, então, não merecem eles
serem rotulados como ditadores? Isso porque, afinal de contas, Lee elevou
extraordinariamente o padrão de vida e a qualidade de vida em Cingapura do
nível equivalente a alguns dos países mais pobres de África na década de 1960
para o dos países mais ricos do Ocidente, no início dos anos 1990. Ele também
instituiu a meritocracia, a boa governança, estimulou intensamente a
escolaridade da sua cidadania, o planejamento urbano humanizado e de classe
mundial. A autobiografia, em dois volumes, de Lee nos faz lembrar as páginas da
obra de Plutarco “As Vidas dos Nobres Gregos e Romanos”.
Ben Ali, contrastadamente, era
tão-somente um bandido a serviço da segurança tunisina que combinou a
brutalidade com níveis extremos de corrupção, e cuja regra era praticamente a
ausência de reformas. Como Mubarak, no Egito, ou Lula da Silva, no Brasil, que
ofereceram não mais do que mera estabilidade política a seus países.
O ponto a ser considerado é o
seguinte: quando se divide o mundo entre ditadores e democratas, como se só
existissem duas cores, preto e branco, no espectro da complexidade política e
moral vigente pelos governos, essas duas categorias de líderes e de regimes
passam a ter um sentido por demais amplo para que possam ser adequadamente compreendidos
pela maioria de seus povos e respectivos governantes – e, portanto, para uma
adequada compreensão da geopolítica num determinado período da História.
Há certamente alguma virtude
no pensamento contundente dos pronunciamentos simplistas de todos esses
líderes, uma vez que simplificar padrões complexos é o que permite que eles e
as pessoas dos povos que governam vejam algumas verdades fundamentais
subjacentes que eles podem, a um preço variável pago com liberdade individual e
distribuição quase sempre igualitária da pobreza, garantir de um modo ou de
outro. Mesmo porque a realidade é, pela sua própria natureza, complexa e muita
simplificação leva a uma visão não sofisticada, simplista e, por isso mesmo,
distorcida do mundo.
Um dos fortes argumentos dos
melhores intelectuais e geopolíticos é essa tendência para recompensar o
pensamento complexo e a sua capacidade de entendimento para estabelecer
distinções mais refinadas. Aliás, distinções refinadas devem, em conjunto, ser
o objetivo central da ciência política e da geopolítica. Isso significa que há
os que reconhecem no mundo a existência de maus democratas e também de bons
ditadores.
Os líderes mundiais em muitos
casos, não devem ser classificados por tais padrões dicotômicos como se
apresentassem em preto e branco, mas em vários tons de cinza, do mais profundo
negro ao branco mais alvar.
Na verdade, o autoritarismo e
sua variante exagerada, o despotismo absoluto, surgem em decorrência da
qualidade da cidadania que a eles se deixa subjugar. Assim, as ditaduras
dependem mais dos povos do que dos seus agentes despóticos. Quanto menos
escolarizado e politizado é um povo, mais necessita de um estado que os dirija
em tudo, de um governo “big brother”, que diga a essa cidadania de má qualidade
o que deve fazer com relação a praticamente tudo. Daí, ser a democracia um
regime dos países mais adiantados, de maior escolaridade, de maior civilidade.
é ainda um regime muito difícil e até incompreensível para muitos povos
atrasados do planeta, que na grande maioria das vezes jamais viveu de forma
representativa. Tudo isso explica porque os regimes populistas, demagogos e
autocráticos tratam seus povos como se estivessem lidando com crianças ou
débeis mentais.
Foi assim que Hugo Chávez
Frías, um coronel do exército venezuelano, com um currículo de tentativas de
golpes de estado, acabou sendo eleito pelo povo e manteve-se no poder até a
morte, por câncer, em 2012. Era, pois, teoricamente, um democrata. Mas seu
comportamento era tão despótico quanto o seu grito: “Venezuela, socialismo o
muerte!”. Acabou morrendo antes de tornar o país totalmente socialista, mas
entregando-o praticamente ao controle dos irmãos Castros de Cuba. Foi um mau
democrata e um pior ainda caudilho autoritário que arrasou a economia de seu país
com suas medidas socialistas inspiradas por seus tutores cubanos.
Podemos considerar, por
exemplo, o caso da Rússia. Na década de 1990, a Rússia foi governada por Boris
Yeltsin, um homem elogiado no Ocidente por ser um democrata. Mas seu governo,
indisciplinado, levou o país a um considerável caos social (político e
econômico). Vladimir Putin, por outro lado, está muito mais para um ditador – e
a cada dia mais se comporta como tal – e tem sido consequentemente desprezado
no Ocidente. Mas, ajudado pelos preços da energia, ele recuperou a Rússia com
algumas medidas que trouxeram inicialmente estabilidade e, a seguir, melhoraram
drasticamente a qualidade de vida da média dos russos. E ele fez isso sem
recorrer a um nível de autoritarismo dos tempos bolchevistas – com os
desaparecimentos em massa em de campos de trabalhos forçados na Sibéria – ou
dos czares com seus agentes a arregimentar infanto-juvenis para o serviço
militar.
Finalmente, há os casos mais
moralmente chocantes de todos: o do falecido ditador chileno Augusto Pinochet e
o da chamada ditadura militar brasileira. Nos anos de 1970 e 1980, Pinochet
criou mais de um milhão de novos postos de trabalho no Chile, reduziu a taxa de
pobreza de um terço para menos de um décimo, e a taxa de mortalidade infantil
de 78 por mil para 18 por mil habitantes. O Chile de Pinochet foi um dos poucos
países não asiáticos no mundo a experimentar níveis asiáticos de dois dígitos
de crescimento econômico na época. Pinochet preparou o seu país muito bem para
uma eventual democracia, assim como sua política econômica tornou-se um modelo
para o mundo em desenvolvimento pós-comunista. Mas Pinochet também é justamente
o objeto de ódio intenso entre os liberais e “humanitários” de todo o mundo,
por perpetrar anos de tortura sistemática contra dezenas de milhares de
vítimas. Nada comparável é claro com a execução sumária de mais de setenta mil
pessoas em Cuba por Fidel Castro e sua trupe de facínoras, tendo a testa o
‘médico’ argentino e carniceiro-mor Ernesto Guevara, o “Che”. Então onde é que
Pinochet fica no espectro em preto e branco da classificação de líderes? No
Chile, tal ódio ao general é confrontado com o sentimento de muitos que o
consideram como o maior dos patriotas heróis da nação andina de todos os
tempos.
Sem comparação, em termos de
número de vítimas, vem a ditadura militar, que muitos consideram uma
“ditamole”, implantada no Brasil em 31 de março de 1964, como um contragolpe ao
regime do presidente João Goulart, cuja cúpula socialista se preparava para
instaurar no país uma ditadura nos moldes – e financiada – da então União
Soviética, que tinha em Havana o seu entreposto de exportação de sua revolução
marxista.
Os sucessivos governos
militares que se sucederam por duas décadas restringiram a democracia a um nível
de atividade apenas local, mas, em compensação, imprimiram ao país uma série de
medidas que possibilitaram estabelecer as bases que tornaram o Brasil de hoje a
sétima economia do mundo e uma potência emergente. Mas, os militares acabaram
também criando um estado agigantado que em muitos aspectos inibiu o crescimento
do capitalismo privado, dando origens às condições que facilitaram a tomada do
poder pela esquerda socialista e marxista, que está subvertendo a própria
estrutura institucional democrática e impedindo a formação de uma cidadania de
melhor qualidade.
Longe de desenvolverem uma
meritocracia, os militares brasileiros não foram sensíveis ou prudentes o
suficiente para melhorar as condições de escolaridade daqueles que se diziam
cidadãos e que teriam o dever de contribuir, quer com seu bolso quer com sua
atividade política, na manutenção e aperfeiçoamento do país. Isso não só deixou
de ocorrer como no Chile, mas manteve a cegueira política da maioria da
população que não está preparada para votar com consciência e
racionalidade.
Nesse aspecto, pode-se
considerar sem muito medo de errar, que a ditadura Pinochet, muito mais cruel e
implacável com seus inimigos que a ditadura militar brasileira, foi uma
ditadura muito melhor para o seu país do que a dos militares foi para o Brasil,
onde o diferencial prático foi justamente o preparo da sociedade para a
democracia que mais cedo ou mais tarde aconteceria em ambos os países.
O resultado é que, hoje, o
Chile – uma economia muitíssimo menor que a brasileira – se tornou um país
desenvolvido e de primeiro mundo, ao passo que o gigante Brasil continua a
patinar num subdesenvolvimento autossustentado pelo socialismo imposto, em grande
parte pela falta de preparo da sociedade, ao longo de duas décadas de regime
militar, sem que a cidadania fosse diretamente melhorada para uma “abertura
democrática” realmente autêntica. Isso permitiu uma abertura farsesca e a
ascensão de uma esquerda “sucialista” – um socialismo de súcia, de
quadrilheiros, de ladrões do erário – que age no sentido de transformar o país
numa versão agigantada da ilha caribenha dos Castros.
Assim, no mundo, os governos
adquirem muitos tons de cinza no espectro político monocromático que muitos
querem simplificar reduzindo-o ao maniqueísmo do preto e branco. Às vezes
também é penoso tentar situar qual o tom de cinza corresponde a um determinado
líder ou regime e a questão de saber se os fins justificam os meios não deve ser
respondida apenas de forma doutrinária, filosófica e metafísica, mas também
pela observação prática dos resultados que apresenta.
Às vezes, os meios não estão
ligados às extremidades e o líder é, pois, condenado, como é o caso do Chile.
Em outros casos, apesar dos resultados extraordinários conseguidos, falta aos
líderes a necessária visão de como será a democracia de amanhã, como foi o caso
do Brasil.
Tal é a complexidade do
universo político e moral que as distinções sutis e refinadas quando aplicadas
aos regimes políticos, são os fatores básicos do progresso de um povo. Caso
contrário, tanto a geopolítica quanto a ciência política em si e as disciplinas
relacionadas podem distorcer mais do que iluminar líderes e cidadãos.
Título e Texto: Francisco Vianna, 17-10-2013
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