Muitos formidáveis servidores da aviação brasileira já voaram para o
céu, sem verem resgatados seus direitos previdenciários
Paulo Rabello de Castro
O Supremo Tribunal Federal
bateu o martelo sobre a indenização bilionária que a União ficou obrigada a
pagar aos credores da Varig, já que a empresa beneficiária, tal como a
conhecíamos, não mais existe. Em valores atuais, a conta poderá passar dos R$ 7
bilhões. Há milhares de ex-funcionários da empresa — aeronautas e aeroviários —
que ficaram pendurados no fundo de pensão Aerus, o maior credor da empresa (com
cerca de 52% do total do créditos originais). Nos últimos anos, os recursos do
Aerus minguaram, pois são insuficientes para pagar aposentadorias e pensões
devidas, justamente pelo fato de a empresa haver deixado de contribuir com sua
parte aos diversos planos dos quais era patrocinadora inadimplente. Muitos
desses formidáveis servidores da aviação brasileira já voaram para o céu, sem ver
resgatados seus direitos previdenciários. A esperança ressurge para os ainda
vivos, mas não é líquido e certo afirmar, como se tem dito, que eles verão a
cor desse dinheiro, que tanto lhes tem faltado na terceira idade. Se não houver
espírito de justiça, o próprio governo, enquanto Fisco, e outros credores mais
“rápidos”, vão colocar a mão na indenização antes dos empregados da Varig.
O Brasil é um país
essencialmente injusto. E age de modo dissimulado em sua maldade coletiva.
Quando ainda havia tempo de dar a volta por cima, os funcionários da Varig se
juntaram para assumir o controle da empresa. Foi no começo do processo de
recuperação judicial. Os funcionários propuseram ao Juízo converter em capital
novo da empresa os recursos deles no Aerus, mais os seus créditos laborais,
além dessa indenização que agora será paga, com mais de 20 anos de demora. Tais
recursos seriam mais do que suficientes para virar a mesa. Isso ficou
comprovado no processo. Reunidos num fundo de participações, os representantes
dos funcionários fizeram o lance vencedor de R$ 1,01 bilhão no leilão da
empresa, para pagar os demais credores e tirar a Varig da recuperação judicial.
Trariam como sócio minoritário — esse era o plano em curso — a mesma LAN que
agora se tornou majoritária, vejam só, no capital da TAM, empresa que uma parte
do governo da época fomentava como compradora potencial da Varig “para ensinar
aos variguianos como gerir uma empresa aérea com eficiência”. Não era bem
assim.
A Varig sempre foi a melhor, a
escola de todos. Contudo, foi repudiada a solução economicamente ideal para o
país, que traria maior segurança ao pecúlio dos funcionários, manutenção dos
empregos úteis e, principalmente, qualidade para os milhões de brasileiros
usuários dos seus serviços, estes também contribuintes, os que pagaremos agora
a conta bilionária com nossos impostos. Essa boa oportunidade passou, sem o
benefício de uma decisão judicial e de apoio político tempestivos, que faltaram
na hora certa, ainda em 2005, quando a Varig começou a desaparecer. Cerca de
600 pilotos, os melhores do país, foram “exportados” para outros mercados.
Perdemos a posição brasileira nos aeroportos do mundo. A Varig deixou de ser o
top of mind do Brasil no exterior, levando nossa cultura de cordialidade e
engenhosidade. Calculo o prejuízo completo do país, em termos de negócios e
posições perdidas, além de danos materiais e morais a milhares de funcionários,
num múltiplo dos R$ 3 bilhões ora adjudicados, algo na faixa de R$ 10 bilhões,
que poderia ser hoje o preço justo de uma operação de empresa aérea saudável da
nova Varig, tal como o fundo de investimento dos funcionários se propunha a
criar, em cima da tradição construída pelo grande Ruben Berta.
Nossa capacidade de repudiar
soluções solidárias e construtivas, em benefício de interesses, digamos,
menores, não tem paralelo entre outras nações de nossa dimensão. Que sirva a
lição amarga da Varig como meditação para todos nós, antes de cravarmos nosso
voto nas eleições de outubro. Que tipo de estrela estaremos, afinal, dispostos
a adotar como guia para o nosso Brasil?
Título e Texto: Paulo Rabello de Castro, O Globo,
14-03-2014
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