Os antigos eram excelentes
sociólogos. Os nossos esforços para abandonar os seus ensinamentos apenas
serviram para manifestar a sua sabedoria.
Há umas décadas a cultura
ocidental, após ter tentado nos séculos anteriores revolucionar religião,
política e economia, decidiu abalar a família. A ordem tradicional foi
declarada um tabu tacanho e irracional impondo-se, em vez dela, como novidade a
libertinagem mais total. Foi formulado um axioma sensual, decretando o prazer
venéreo como supremo e absoluto. Cada um faz o que quer e a única regra é a
falta dela.
Este fenómeno é estranho a
vários níveis. Primeiro porque progresso e técnica pouco ou nada influíram
neste campo. O que vem proposto como modernidade são realmente práticas
arcaicas. Depois porque a justificação básica é o princípio de "os outros
não terem nada" com a nossa vida pessoal. Ora é evidente que isso é
precisamente algo em que outros têm muito a ver. Desequilíbrio e ruptura
familiar, instabilidade educacional, solidão, depressão e abandono têm
consequências muito mais devastadoras do que o comércio, trânsito, poluição ou
tabaco, onde a nossa sociedade livre impõe moralismos totalitários e
indiscutíveis.
A origem desta tentativa é
fácil de entender. Fascinado com as maravilhas da técnica, a humanidade
sente-se livre para abandonar velhas regras de comportamento, em geral com
atrozes consequências. O progresso trouxe a terrível ilusão de mudanças na
natureza humana. Os horrores da Revolução Francesa, União Soviética, etc.
resultaram do esquecimento da estrutura social natural. Também a crise financeira
global ou os desastres de automóvel vêm do descuido de velhos princípios de
prudência. Nada se compara, porém, com o arrasador mito libertino
contemporâneo.
Os nossos antepassados sabiam
que, dentro de si, o ser humano permanece sempre igual. Apesar do progresso,
continuamos a nascer da única forma possível, a respirar igual, comer e andar
do mesmo modo, crescendo, amadurecendo, envelhecendo ao ritmo de sempre e,
acima de tudo, acabamos morrendo. A evolução técnica é grande mas sempre
ressurge a pergunta: "Qual de vós, por mais que se preocupe, pode
acrescentar um só côvado à duração de sua vida?" (Mt 6, 27).
Por isso todas as épocas e
culturas rodearam a vida pessoal, o aspecto mais íntimo e decisivo, de muitos
princípios e regras. Casamento, procriação, cópula, educação, velhice, herança,
são temas fortemente definidos pelo núcleo central de todas as culturas. Até
nas tribos selvagens é nas normas familiares que se encontra o mais elevado
nível civilizacional. Essas regras sempre sofreram múltiplas rupturas,
evoluções, contrastes e conflitos, mas é inegável a sua existência e
preponderância. Os motivos sempre foram óbvios: em campo tão delicado e
decisivo, os desvios, mesmo pequenos, teriam sempre consequências terríveis.
Durante milénios esses temores eram apenas imaginários, porque ninguém o
tentara. Hoje tentámos, e vimos que eles tinham razão.
Os resultados da nossa
experiência libertina são há muito evidentes. Explosão de divórcios e violência
familiar, queda catastrófica da natalidade, patologias mentais, sobretudo
infantis, pornografia, degradação da mulher, insucesso escolar, marginalidade,
droga, exclusão, vício, miséria, suicídio. Da rejeição dos modelos anteriores
resultou precisamente aquilo que os nossos antepassados previam. Se lhes
tivéssemos perguntado por que razão impunham tantas regras, por vezes
asfixiantes, eles certamente responderiam que era para evitar aquilo mesmo em
que a nossa sociedade caiu logo que as abandonou.
A cegueira ideológica ainda
nega a evidência, encontrando justificações variadas e falaciosas. O Estado
insiste nos supostos "avanços familiares", interferindo com políticas
sociais nos âmbitos mais íntimos. O propósito supremo é proteger
desesperadamente o precioso postulado lascivo. Pode dizer-se que nisto o nosso
tempo confirma o famoso epitáfio irónico: "Aqui jaz o homem que foi com um
fósforo ver se havia gasolina no tanque. E havia."
Título e Texto: João César das Neves, Diário de Notícias, 31-03-2014
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