sexta-feira, 28 de março de 2014

Economia pode dar a volta, mas os eleitores não voltam

Luís Naves
Pela primeira vez em quatro anos, as taxas de juro implícitas da dívida a dez anos estão abaixo de 4%. Lembram-se de quando estavam acima de 7% e o primeiro-ministro José Sócrates não pedia o resgate? Lembram-se da meta de 4.5% referida por Rui Machete e dos pedidos de demissão porque o homem estava louco? No meio da espuma mediática surge esta boa notícia, mas ela será certamente desvalorizada.

Tem havido, aliás, boas notícias: as previsões do Banco de Portugal foram revistas em alta, surgiram números favoráveis na execução orçamental, existe euforia bolsista e o desemprego está em queda. Apesar de tudo, permeável a histerias pré-eleitorais, a comunicação social transforma estas informações em más notícias ou centra-se em cortinas de fumo, como os ‘cortes escondidos’ e a reforma da segurança social que ninguém quer discutir. 

No meio do ruído há sempre excepções, mas por regra nunca nos é explicado que os cortes na despesa estão definidos, tirando ou pondo umas centenas de milhões. Portugal terá de cumprir um défice de 4% este ano e de 2,5% no próximo (menos 2,4 mil milhões de euros); o crescimento económico mais favorável dará talvez um aumento de receita de mil milhões e pode ser conseguido um défice inferior este ano e reduzido o valor também por essa via, mas não há fuga a uma aritmética que devia desaconselhar conversas da treta. No próximo orçamento, haverá redução da despesa a rondar 1,5 mil milhões e não há volta a dar.

Esta redução amplamente conhecida tem entretido os partidos na polémica tonta dos 'cortes escondidos', mas a comunicação social deixa-se ludibriar e começa sempre a notícia com ‘novos cortes para os funcionários públicos e para os pensionistas’, embora isso possa não ser assim. Aliás, a maioria dos comentadores tem reduzido esta crise aos sacrifícios impostos a funcionários e pensionistas, mas poucos parecem ter lido correctamente os números da pobreza publicados pelo INE, onde houve grande oportunidade para narrativas ao melhor estilo neo-realista. Um texto de Henrique Monteiro, no Expresso, foi um dos poucos que se referiu aos desempregados: este é, de longe, o grupo mais afectado, 40% em risco de cair na pobreza. Acrescento uma perplexidade: o País entrou em pré-falência em 2011, o Governo Sócrates negociou um resgate, o PIB caiu 6%. Como era possível não aumentar a pobreza em Portugal? E acho espantoso que não tenha aumentado mais. 

E isto leva-me ao ponto que queria sublinhar. A direita tem um problema. Como diria o meu amigo João Gonçalves, as pessoas não comem taxas de juro. A economia pode estar a dar a volta, mas o dinheiro não voltará para os funcionários e pensionistas que sofreram os cortes, pelo menos não voltará todo. Mais uma vez, a questão é evidente: nos próximos anos será preciso manter os cortes que já foram feitos, pelo que qualquer devolução salarial ou de pensões terá de ser compensada por cortes novos, equivalentes, por exemplo redução de funcionários; mas isto não chega, será preciso continuar a reduzir o défice e a pagar os encargos com a dívida, que apesar das facilidades europeias (sim, eles já reestruturaram uma parte) se manterá nos 7 mil milhões de euros por ano; e ainda não chega, pois nos próximos três anos terão de ser cortados mais 5 mil milhões de euros na despesa, independentemente do partido que lá estiver. Também se verifica que a margem de redução de impostos é mínima ou inexistente.

A economia a dar a volta criará emprego e pode melhorar a vida de muitos portugueses, mas quem depender do Estado continuará a estar pior do que em 2011, quando muitas destas pessoas votaram PSD ou CDS. São centenas de milhares de eleitores que, podendo não ir para o PS, pelo menos irão para o exército de abstencionistas e de portugueses desiludidos. O ajustamento criou uma sociedade a dois ritmos: de um lado, está o Estado, impossível de reformar, pois cada mudança é dificultada pela resistência de grupos com enorme peso na formação da opinião pública; do outro lado, está o País privado, cuja mudança começou muito antes desta crise, envolvendo uma factura pesada para um grupo que todos tentam ignorar, as pessoas que perderam o seu emprego.
Título e Texto: Luis Naves, Fragmentário, 28-03-2014
Grifos: JP
 
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