segunda-feira, 24 de março de 2014

A vida depois da construção

Helena Garrido
 
Arrancar.
Meter a primeira e acelerar. Crescer ou ser comprado. É assim a vida das start-up, estrelas, crescentes umas, cadentes outras. Com histórias de aventura algumas como o Facebook, o Google ou o Twitter. É nesse admirável mundo novo que muitos jovens portugueses estão a entrar. Muitos casos que revelamos no Negócios, dedicado aos novos empresários em Portugal e aos que já têm, nos Estados Unidos ou na Finlândia, uma história para contar.

Quem anda pelo país é testemunha de uma nova geração de jovens empresários. Hoje vivemos em dois países, também no mundo dos negócios. Há um Portugal que construímos praticamente desde a adesão à CEE, em 1986, que está em decadência. Esse Portugal é povoado por empresas de construção e de sectores regulados, onde o lucro é aquele que o Estado quiser. No outro Portugal há as pequenas e médias empresas que sempre existiram e uma nova geração de jovens que entram em negócios que nunca imaginámos a falar português.

A Musikki, nascida em Aveiro, vai agora para Londres depois de ter sido identificada como start-up de elevado potencial. O que faz? Agrega informação que estava dispersa por vários sites, desde dados sobre as bandas de música até à agenda de concertos. Começou por falhar. Aprendeu com os erros. João Afonso, um dos fundadores, recomenda que se avance logo com um protótipo em vez de se ir ficando a aprofundar o produto.

A Kinematix nasceu durante um mestrado em Engenharia e está neste momento a lançar o seu terceiro produto, um equipamento para lojas que permite identificar qual o calçado mais adaptado, por exemplo, à forma de correr do cliente. Tem neste momento entre os seus clientes a equipa de râguebi inglesa Leicester Tigers. O que faz? Simplificadamente, monitoriza e avalia os movimentos corporais em tempo real. O que, no caso da equipa de râguebi, permite minimizar lesões.

São dois exemplos portugueses, mas há muito mais pelo país fora. Algumas serão vendidas, outras cairão para se levantarem de novo, algumas poderão converter-se em companhias nucleares para o país, capazes de mover a economia.

Foi assim que nasceu a Nokia finlandesa, de uma crise se fez uma grande companhia. E hoje a Finlândia repete a história que deu origem ao telemóvel que todos usavam antes do iPhone primeiro e da Samsung depois terem ditado o abalo final de 2012, ano em que a Nokia eliminou 10 mil postos de trabalho, 3700 dos quais na Finlândia. Com tantos engenheiros, o arranque de novos negócios é a regra. O jogo ‘Angry Birds’ é já um selo finlandês.

Portugal pode ser também assim. Tem mais condições do que no passado, com uma nova geração qualificada e com uma cultura global. É começar de novo, começar do princípio, começar para crescer.

É, ou pode ser, o embrião do futuro, aquilo a que estamos a assistir com pequenos negócios liderados por uma nova geração. É construir um novo tecido empresarial de baixo para cima. É deixar que as vantagens competitivas do país se revelem. Permitir que sejam os protagonistas da economia a mostrar o que tem sucesso e o que não tem, o que é rentável e o que não é. Leva mais tempo do que a actuação do Estado? Sem dúvida. Mas é mais eficaz, duradouro e flexível. Atributos fundamentais num mundo em que a tecnologia está a ditar movimentos de elevada velocidade na adaptação à mudança constante.

O Estado tem apenas de garantir um ambiente estável e simples. O enquadramento legal e fiscal tem ser fácil para que os empresários, os que sonham em criar valor e inovar, se foquem nas suas ideias e não nas burocracias e obstáculos que têm de contornar.

Em tradução livre de Samuel Beckett, hoje vivemos tempos para construir, falhar, falhar outra vez, falhar ainda melhor e começar de novo. Tempo de arrancar, na tradução literal de start-up.
Título e Texto: Helena Garrido, Jornal de Negócios, 25-03-2014

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