Quando se menciona o
papel de um mediador, entre indivíduos, instituições, empresas, grupos
políticos ou países em posições antagônicas, vem-nos à mente uma figura isenta
e sem compromissos com as partes, que possa debelar injustiças, abrandar
posturas hirtas, harmonizar interesses opostos, alcançar acordos.
Ao longo de anos no poder, a
diplomacia lulo-dilmo-petista criou diversas figuras bizarras, entre elas a do
mediador-cúmplice. Em vez de isento, o mediador-cúmplice é comprometido por
inteiro com uma das partes, inclusive com suas injustiças, arbitrariedades e
até crimes e se propõe dessa forma buscar o “entendimento”.
É o que ocorre presentemente
com a diplomacia brasileira — cada vez mais subjugada e degradada pelo petismo
— na situação que vive a Venezuela.
Sem espaço para o
desacordo
Todos os regimes totalitários
— comunistas, nacional-socialistas, etc. — consagram o princípio de que as
instituições e o conjunto da população se devem submeter ao projeto ideológico
emanado do Estado, a serviço de um partido ou de uma organização política.
Não há, nessa perspectiva,
espaço para o desacordo e todos aqueles que o manifestam são declarados
inimigos do povo, conspiradores, traidores, a serviço de interesses escusos ou
até de algum inimigo externo, de algum fantasmagórico imperialismo.
Assim se dá na Venezuela de
hoje. A política é uma exclusividade do regime e dos fiéis ao “chavismo”. Todo
aquele que, na relativa liberdade ainda reinante, se tornar opositor, passa a
ser imediatamente visto como inimigo do povo, a ser esmagado; e qualquer manifestação
pública de desacordo, um ato golpista e um atentado à pátria bolivariana.
A “ordem democrática”
petista
Esta pervertida visão da
democracia é endossada por Dilma Rousseff (a Presidente em exercício), por Lula
da Silva (o Presidente de fato) e pelo Partido dos Trabalhadores.
De acordo com essa abjeta
cartilha ideológica, qualquer protesto, ainda que seja de uma inofensiva
estudante empunhando um cartaz, só pode ser considerado um ato de violência; as
execuções de manifestantes — na sua maioria com um tiro na cabeça — um ato de
defesa contra a “traição à pátria”; e a mediação como o inequívoco apoio ao
regime “chavista”, liderado por Nicolás Maduro. É o que, cinicamente, Dilma
Rousseff qualifica de manutenção da ordem democrática.
Sabotagem na OEA em prol
da Unasul
Foi animado por esta postura
ideológica que o Brasil votou contra o envio de observadores da OEA
(Organização dos Estados Americanos) à Venezuela e se opôs a uma reunião de
chanceleres, no âmbito da organização, para debater os eventos naquele país.
Fazendo eco à retórica
“chavista”, a diplomacia brasileira justificou sua atitude alegando que uma
intervenção da OEA, pela presença dos Estados Unidos nos quadros da
organização, poderia agravar os conflitos. Enquanto o Brasil — dito seja de passagem
— finge que não vê a presença crescente de cubanos no controle de organismos do
Estado venezuelano, inclusive nas Forças Armadas.
Dilma Rousseff apostou, pois,
por uma reunião da Unasul — solicitada por Nicolás Maduro — a fim de “mediar” a
crise na Venezuela.
O resultado não podia ser
outro. A Unasul (União de Nações Sul-Americanas), concebida desde sua origem
para apoiar a integração sul-americana bafejada pelo projeto bolivariano, deu
respaldo ao regime de Maduro e à chamada Conferência Nacional pela paz,
convocada por este último; um simulacro de diálogo montado como arma de
propaganda, enquanto o regime prende opositores, sem o devido processo legal, e
a Guarda Nacional Bolivariana e os “colectivos” (forças paramilitares e gangues
armadas) continuam a perseguir e executar manifestantes nas ruas, e a invadir
residências sem qualquer mandato.
Projeto de poder
socialista e autoritário
As atitudes da Presidente
Dilma Rousseff, e de sua diplomacia, deixam patente que o governo petista é
animado — e sempre o foi — por um projeto socialista e autoritário de poder.
No passado muitos repetiam,
ardilosamente, que as vias do lulismo eram diversas das do chavismo e que a
moderação de Lula continha o radicalismo de Chávez. O tempo se encarregou de
demonstrar que o lulo-petismo (hoje na versão Dilma Rousseff) sempre tentou
acobertar e salvar em suas crises o “chavismo” (hoje na versão Nicolás Maduro).
Quando o regime da Venezuela descamba para a repressão assassina e para a
catástrofe econômica, a diplomacia conduzida por Dilma Rousseff e inspirada
pela nefasta figura de Marco Aurélio Garcia, tenta cimentar na América do Sul a
ditadura do “socialismo do século XXI”, amparada por Cuba, Rússia e China.
Dilma degrada a
diplomacia
O jornal “O Estado de S.
Paulo” estampou (13-3-14) um editorial inequívoco a este respeito, que gostaria
de compartilhar com os leitores deste blog. Seu título: Dilma degrada a
diplomacia:
“A presidente Dilma
Rousseff definitivamente rebaixou o Brasil à condição de cúmplice de regimes
autoritários na América Latina. Não bastasse a reverência (e o vasto
financiamento) à ditadura cubana, Dilma agora manobra para que os atos
criminosos do governo de Nicolás Maduro contra seus opositores na Venezuela
ganhem verniz de legitimidade política.
Em vez de honrar as
tradições do Itamaraty e cobrar do regime chavista respeito aos direitos
humanos e às instituições democráticas, a presidente desidratou a única
iniciativa capaz de denunciar, em um importante fórum internacional, a
sangrenta repressão na Venezuela, que já matou duas dezenas de pessoas. Mandou
o representante do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA) votar
contra o envio de uma missão de observadores à Venezuela e impediu que a
entidade reunisse seus chanceleres para discutir a crise.
Como todos os líderes
populistas da região, Dilma considera que a OEA é quintal dos Estados Unidos. O
falecido caudilho Hugo Chávez costumava referir-se à organização como
“instrumento do imperialismo”, entre outros nomes menos simpáticos. Para o governo
petista, contaminado pelos ares bolivarianos, uma decisão da OEA sobre a
Venezuela poderia ser considerada inoportuna e com potencial para acirrar as
tensões. Assim, a título de não melindrar Maduro, premiam-se a brutalidade e a
indisposição para o verdadeiro diálogo democrático.
Manietada pelo Brasil e por
seus parceiros bolivarianos, a OEA limitou-se a emitir uma nota cuja anodinia
mal disfarça a tentação de apoiar Maduro. O comunicado manifesta
“solidariedade” ao presidente e dá “pleno respaldo [...] às iniciativas e aos
esforços do governo democraticamente eleito da Venezuela” no “processo de
diálogo nacional” — como se fosse autêntica a pantomima a que os chavistas
chamam de “Conferência de Paz”. Estados Unidos, Canadá e Panamá votaram contra
essa nota, pela razão óbvia de ela não refletir os compromissos da OEA com a
democracia e os direitos humanos.
O passo seguinte da
manobra, este ainda mais escandaloso, foi convocar uma reunião de chanceleres
da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para acertar o envio de um grupo de
“mediadores” para a Venezuela. A Unasul, como se sabe, é instrumento dos governos
bolivarianos — desimportante, ela hoje só existe para dar reconhecimento a
governos claramente antidemocráticos, em nome de uma certa “integração
latino-americana”.
Assim, os tais “mediadores”
da Unasul não farão nada além do que deles se espera, isto é, fazer vista
grossa às ações violentas de Maduro. Ao anunciar a iniciativa, Dilma explicou,
em seu linguajar peculiar, que a ideia é “fazer a interlocução pela construção
de um ambiente de acordo, consenso, estabilidade, lá na Venezuela”. Ora, que
“diálogo” é possível quando não se pretende exercer a necessária pressão
diplomática sobre Maduro, que reprime manifestantes usando gangues criminosas e
encarcera dissidentes sem o devido processo legal?
Portanto, a constituição de
uma comissão na Unasul para a Venezuela tem o único objetivo de deixar Maduro à
vontade, sem ser constrangido a recuar e a ouvir as reivindicações da oposição
– que basicamente protesta contra a destruição da Venezuela pelo “socialismo do
século 21″.
Percebendo o truque, os
oposicionistas venezuelanos trataram de enviar uma carta à Unasul em que pedem
aos países-membros que observem os acontecimentos no país “com objetividade” e
que a entidade “não seja usada como um instrumento de propaganda”. Mas é
justamente disso que se trata: se tudo ocorrer conforme o script bolivariano, a
Unasul vai respaldar o governo Maduro, revestindo-o de legitimidade – o que,
por conseguinte, transforma a oposição em golpista.
Ao tratar de forma leviana
este grave momento, em respeito a interesses que nada têm a ver com a
preservação da ordem democrática na região, o Brasil torna-se corresponsável
pela consolidação de um regime delinquente”.
Título e Texto: José Carlos Sepúlveda da Fonseca, Agência Boa Imprensa, 23-03-2014
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