domingo, 20 de fevereiro de 2011

Competência e credibilidade

Alberto Gonçalves
Lembram-se de quando a crise era internacional? E de quando Portugal se limitava a ser levemente beliscado pela crise dos outros? E de quando as sábias e imediatas medidas do Governo impediram que os beliscões da crise se sentissem aqui como se sentiam lá fora?
Eu não me lembro. Lembro-me de o eng. Sócrates, acompanhado por resmas de comentadores e boa parte do eleitorado, desenvolver semelhante tese. Mas também me lembro de pertencer ao pequenino grupo de excêntricos (ou "bota-abaixistas", em português técnico) que achava a tese uma mentira desavergonhada e acreditava que, nas palavras de uma particular excêntrica que até liderou a oposição (com pífios resultados), a temível crise internacional sumiria num ápice e deixaria a crise caseira destapada e sem remédio.
Por incrível que pareça, passaram-se dois anos e a divergência não se resolveu. De um lado, estão os factos, os quais mostram que o país possui a quinta maior taxa de desemprego entre os 39 membros da OCDE, é o único na "zona euro" (além da Grécia) a sofrer uma redução no PIB no último trimestre, vê os juros da dívida quebrarem recordes e é dos raríssimos estados ocidentais em recessão, isto para usar a arreliadora expressão do governador do Banco de Portugal. Do outro lado, está o eng. Sócrates, que continua a insistir que este retrato da penúria é um "óptimo indicador" para a evolução da economia nacional em 2011.
Sobretudo incrível é a circunstância de, entretanto, o eng. Sócrates não ter ficado a falar sozinho. Nos media e nas sondagens, o número dos que preterem as evidências em favor da optimista cabeça do primeiro-ministro permanece considerável. Como se o delírio colectivo não bastasse, agora até há um líder da oposição que aproveita cada oportunidade para criticar imenso o Governo e, nos momentos decisivos, garantir a respectiva continuidade.
É possível que o episódio da moção de censura do BE seja só mais uma fase da fina estratégia que os exegetas de Pedro Passos Coelho lhe atribuem. É provável que nem o próprio saiba de que estratégia se trata. Em sucessivas declarações, o dr. Passos Coelho afirma-se disposto a assumir o poder no dia em que "perceba que o Governo não está a fazer o que lhe compete" ou "houver um problema sério de credibilidade". Enquanto esse dia não chega, o dr. Passos Coelho tentará apurar se a Terra orbita à volta do Sol e se o cordeiro é filho da ovelha. A expectativa perante a hipótese de um homem assim arguto vir a tomar conta de nós corrói-nos. E suspeito que há-de corroer-nos para sempre.
Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 18-02-2011

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