domingo, 2 de dezembro de 2012

Argentina ladeira abaixo

DITADURA ECONÔMICA COMEÇA A SER IMPLANTADA COERCITIVAMENTE NA ARGENTINA
Cristina de Kirchner ameaça legalizar a quebra do sigilo fiscal de quem criticar o seu governo.
Hugo Alconada Mon 

A Casa Rosada está a preparar um “Plano Antievasão III”, que permitirá à Administração Federal de Arrecadação Pública (AFAP) quebrar o sigilo fiscal e utilizar isso contra o próprio contribuinte quando este vier a criticá-la publicamente ou a qualquer outra área do Poder Executivo Nacional, segundo consta na minuta desse projeto cuja cópia foi obtida pelo jornal argentino LA NACIÓN e conforme confirmaram fontes oficiais.
A reforma tributária, que já se arrasta por mais de dois anos de redação e debate dentro do governo, legitimará na prática o fato de os funcionários – incluída a presidente Cristina Kirchner – possam expor inclusive em cadeia nacional de rádio e TV os detalhes da situação tributária da pessoa ou da empresa que se queixe pela imprensa, algo que já ocorreu durante os últimos meses com o cineasta Eliseo Subiela e com um dos sócios de uma conhecida imobiliária.
O projeto, que circula pela AFAP, no Ministério da Economia e em alguns despachos da Casa Rosada, também habilita outra opção para se quebrar o sigilo fiscal. Será quando alguma área do Executivo desenvolver um programa de "subsídios ou benefícios" e necessite ou queira remexer e divulgar as rendas de gastos declarados pelo contribuinte.
O chamado “Plano Antievasão III” é impulsionado por uma equipe de colaboradores do chefe da AFAP, Ricardo Echegaray, que começou a dar-lhe forma há um par de anos, mas ao que logo se somaram propostas da Secretaria de Fazenda e do Conselho Profissional de Ciências Econômicas. O objetivo é de atualizar o sistema tributário e melhorar sua abrangência, por exemplo, sobre os “paraísos fiscais” e os trustes.
Se o Congresso o aprovar, o projeto substituirá o “Plano Antievasão II”, que vige desde meados de 2005. Todavia, enfrenta fortes resistências dentro e fora do governo, segundo revelou o jornal Tiempo Argentino em 12 de novembro último. Particularmente, pelo desejo de estender o imposto sobre os ganhos financeiros e a renda.
Se o projeto mantiver a atual redação, deveras, o novo enquadramento do "sigilo fiscal", hoje regulamentado pelos artigos 101 e 102 da lei 11.683, poderá se tornar ainda mais polêmico e já está sendo objetado dentro do Palácio da Fazenda.
O LA NACION procurou consultar ontem porta-vozes da AFAP, mas não responderam aos telefonemas, tanto que do Ministério da Economia indicaram que "não tinham ainda nada" a comunicar oficialmente e deram a entender que era uma iniciativa do órgão tributário.
Segundo consta na cópia do relato obtido pelo jornal, o plano estabelece que o sigilo fiscal "não regerá" em duas novas situações, que se sumariam as quatro já existentes, que fixam ‘exceções’ delimitadíssimas com relação ao que define como "o mais absoluto sigilo".
A primeira das novas exceções seria quando "um contribuinte, responsável ou titular pelos dados questione publicamente – por qualquer meio de difusão – ações de controle ou atos administrativos do órgão tributário"; a segunda, "quando ministérios e organismos do Poder Executivo Nacional tenham que executar ou levar adiante programas de subsídios ou benefícios".
"A ideia de fundo é a de poder dar mais margem de ação para a AFAP quando outro órgão público pede informação", argumentou um alto funcionário a cerca das deliberações e mediante consulta específica.

ANTECEDENTES POLÊMICOS
Em julho passado, a Presidente expôs, em cadeia nacional de rádio e TV, que um dos sócios da imobiliária Jorge Toselli, Rodrigo Saldaña, não apresentava uma "declaração juramentada de rendas ou de nenhum tipo desde 2007". Assim foi feito, há apenas 24 horas depois que Saldaña se queixara, pelo jornal diário Clarín, sobre o impacto do impedimento do uso do dólar na compra e venda de propriedades.
No dia seguinte ao discurso da Presidente, além disso, a AFAP descredenciou a empresa Toselli, o que gerou uma dura queixa da Câmara Imobiliária Argentina e da Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (ADEJA), que qualificou a medida de "escrachante".
O comentário presidencial, de fato, está amparado pela lei 11.683. Seu artigo 101 estabelece que o sigilo não alcança "os dados referidos como falta de apresentação de declarações juramentadas (certidões) ". A tal ponto, explicou uma fonte da AFAP, que "ainda que se considere que a Presidente cometeu uma falta ética, a AFAP poderia publicar uma lista mensal dos que não apresentaram suas certidões".
Mais complicado é o caso de Ricardo Echegaray. Apenas horas depois que o cineasta Eliseo Subiela se queixara por não ter podido comprar dólares para viajar a um festival em Lima, em fins de agosto, o titular da AFAP afirmou que o diretor de cinema figurava como astrólogo ou engraxate junto ao Ministério da Fazenda. Detalhou também seus ganhos e consumos declarados e sua vinculação com duas sociedades, uma das quais considerou como "empresa fantasma", além de afirmar que sua situação fiscal não era "regular nem transparente".
Pouco depois, dois empregados da AFAP se apresentaram na escola de cinema de Subiela com uma lista de requerimentos e emitiram uma denúncia penal contra ela por suposta ‘evasão fiscal’. Mas dois meses depois, em outubro, o juiz penal tributário Javier López Biscayart desconsiderou essa denúncia após concluir que não havia delito algum.
Agora, segundo indica "uma alta fonte oficial" ao jornal Tiempo Argentino em meados de novembro, "o projeto está pronto e nas últimas semanas começou sua tramitação" para seu envio ao Congresso.

AMEAÇA A DIREITOS CONSTITUCIONAIS
O ‘Plano Antievasão III’, que está a preparar o governo de Cristina de Kirchner através da AFAP desperta polêmica inclusive entre os funcionários e técnicos que participam de suas deliberações. Uma dessas polêmicas consiste no fato de que “o projeto tem uma grande quantidade de artigos cerceiam direitos garantidos pela Constituição, não só dos contribuintes, mas também dos cidadãos em geral, além do que invadem áreas que não são da competência da AFAP".
Essa visão é compartilhada por dois altos ex-funcionários da AFAP. Um deles estimou que a exceção que habilita o órgão a quebrar o sigilo fiscal por causa de um questionamento do contribuinte "é uma barbaridade totalitária". "Se o Congresso a aprovar, estará avassalando um direito personalíssimo, coisa que carece de precedente histórico nas democracias de todo o mundo".
O outro ex-funcionário da AFAP – que pediu para manter-se em anonimato "para evitar represálias" – lembrou que no órgão "existe um manual de política de manejo de informação que foi ditado em 2005" e que, além das implicações constitucionais e legais, "não seria nem política nem eticamente correto" utilizar as certidões de regularidade contra os seus próprios contribuintes.
A controvérsia maior dentro do governo, efetivamente, gira em torno da possibilidade de se aplicar gravames sobre a renda financeira ou, em outras palavras, reduzir os benefícios impositivos para o capital financeiro, para aumentar assim a arrecadação tributária. O objetivo? Adicionar um fluxo extra de 5 bilhões de pesos por ano ao erário argentino, um preço a pagar para os que querem ter o direito de criticar o governo.
O projeto, que deverá passar no Congresso, agrupa múltiplas reformas legislativas. Entre outras, a que se faz sobre o Imposto ao Valor Agregado (IVA), Bens Pessoais e Renda Mínima Presumida, bem como sobre os trustes para, por exemplo, a construção civil, que passariam a receber uma tributação de 35% sobre as utilidades.
A AFAP também visa os paraísos fiscais, porque prevê potencializar a fiscalização sobre as transações externas.
Hugo Alconada Mon, La Nación, 02-12-2012
Título e Tradução: Francisco Vianna

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