DITADURA ECONÔMICA
COMEÇA A SER IMPLANTADA COERCITIVAMENTE NA ARGENTINA
Cristina de Kirchner ameaça legalizar a quebra do sigilo fiscal de quem
criticar o seu governo.
Hugo Alconada Mon
A Casa Rosada está a preparar um “Plano Antievasão III”, que permitirá à Administração Federal de Arrecadação Pública (AFAP) quebrar o sigilo fiscal e utilizar isso contra o próprio contribuinte quando este vier a criticá-la publicamente ou a qualquer outra área do Poder Executivo Nacional, segundo consta na minuta desse projeto cuja cópia foi obtida pelo jornal argentino LA NACIÓN e conforme confirmaram fontes oficiais.
A Casa Rosada está a preparar um “Plano Antievasão III”, que permitirá à Administração Federal de Arrecadação Pública (AFAP) quebrar o sigilo fiscal e utilizar isso contra o próprio contribuinte quando este vier a criticá-la publicamente ou a qualquer outra área do Poder Executivo Nacional, segundo consta na minuta desse projeto cuja cópia foi obtida pelo jornal argentino LA NACIÓN e conforme confirmaram fontes oficiais.
A reforma tributária, que já
se arrasta por mais de dois anos de redação e debate dentro do governo,
legitimará na prática o fato de os funcionários – incluída a presidente
Cristina Kirchner – possam expor inclusive em cadeia nacional de rádio e TV os
detalhes da situação tributária da pessoa ou da empresa que se queixe pela
imprensa, algo que já ocorreu durante os últimos meses com o cineasta Eliseo
Subiela e com um dos sócios de uma conhecida imobiliária.
O projeto, que circula pela
AFAP, no Ministério da Economia e em alguns despachos da Casa Rosada, também
habilita outra opção para se quebrar o sigilo fiscal. Será quando alguma área
do Executivo desenvolver um programa de "subsídios ou benefícios" e
necessite ou queira remexer e divulgar as rendas de gastos declarados pelo
contribuinte.
O chamado “Plano Antievasão
III” é impulsionado por uma equipe de colaboradores do chefe da AFAP, Ricardo
Echegaray, que começou a dar-lhe forma há um par de anos, mas ao que logo se
somaram propostas da Secretaria de Fazenda e do Conselho Profissional de
Ciências Econômicas. O objetivo é de atualizar o sistema tributário e melhorar
sua abrangência, por exemplo, sobre os “paraísos fiscais” e os trustes.
Se o Congresso o aprovar, o
projeto substituirá o “Plano Antievasão II”, que vige desde meados de 2005.
Todavia, enfrenta fortes resistências dentro e fora do governo, segundo revelou
o jornal Tiempo Argentino em 12 de
novembro último. Particularmente, pelo desejo de estender o imposto sobre os
ganhos financeiros e a renda.
Se o projeto mantiver a atual
redação, deveras, o novo enquadramento do "sigilo fiscal", hoje
regulamentado pelos artigos 101 e 102 da lei 11.683, poderá se tornar ainda
mais polêmico e já está sendo objetado dentro do Palácio da Fazenda.
O LA NACION procurou consultar ontem porta-vozes da AFAP, mas não
responderam aos telefonemas, tanto que do Ministério da Economia indicaram que
"não tinham ainda nada" a comunicar oficialmente e deram a entender
que era uma iniciativa do órgão tributário.
Segundo consta na cópia do
relato obtido pelo jornal, o plano estabelece que o sigilo fiscal "não
regerá" em duas novas situações, que se sumariam as quatro já existentes,
que fixam ‘exceções’ delimitadíssimas com relação ao que define como "o
mais absoluto sigilo".
A primeira das novas exceções
seria quando "um contribuinte, responsável ou titular pelos dados
questione publicamente – por qualquer meio de difusão – ações de controle ou
atos administrativos do órgão tributário"; a segunda, "quando
ministérios e organismos do Poder Executivo Nacional tenham que executar ou
levar adiante programas de subsídios ou benefícios".
"A ideia de fundo é a de
poder dar mais margem de ação para a AFAP quando outro órgão público pede
informação", argumentou um alto funcionário a cerca das deliberações e
mediante consulta específica.
ANTECEDENTES POLÊMICOS
Em julho passado, a Presidente expôs, em cadeia nacional de
rádio e TV, que um dos sócios da imobiliária Jorge Toselli, Rodrigo Saldaña,
não apresentava uma "declaração juramentada de rendas ou de nenhum tipo
desde 2007". Assim foi feito, há apenas 24 horas depois que Saldaña se
queixara, pelo jornal diário Clarín, sobre o impacto do impedimento do uso do
dólar na compra e venda de propriedades.
No dia seguinte ao discurso da Presidente, além disso, a
AFAP descredenciou a empresa Toselli, o que gerou uma dura queixa da Câmara
Imobiliária Argentina e da Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas
(ADEJA), que qualificou a medida de "escrachante".
O comentário presidencial, de
fato, está amparado pela lei 11.683. Seu artigo 101 estabelece que o sigilo não
alcança "os dados referidos como falta de apresentação de declarações
juramentadas (certidões) ". A tal ponto, explicou uma fonte da AFAP, que
"ainda que se considere que a Presidente cometeu uma falta ética, a AFAP
poderia publicar uma lista mensal dos que não apresentaram suas
certidões".
Mais complicado é o caso de
Ricardo Echegaray. Apenas horas depois que o cineasta Eliseo Subiela se
queixara por não ter podido comprar dólares para viajar a um festival em Lima,
em fins de agosto, o titular da AFAP afirmou que o diretor de cinema figurava
como astrólogo ou engraxate junto ao Ministério da Fazenda. Detalhou também
seus ganhos e consumos declarados e sua vinculação com duas sociedades, uma das
quais considerou como "empresa fantasma", além de afirmar que sua
situação fiscal não era "regular nem transparente".
Pouco depois, dois empregados
da AFAP se apresentaram na escola de cinema de Subiela com uma lista de
requerimentos e emitiram uma denúncia penal contra ela por suposta ‘evasão
fiscal’. Mas dois meses depois, em outubro, o juiz penal tributário Javier
López Biscayart desconsiderou essa denúncia após concluir que não havia delito
algum.
Agora, segundo indica
"uma alta fonte oficial" ao jornal Tiempo Argentino em meados de novembro, "o projeto está pronto
e nas últimas semanas começou sua tramitação" para seu envio ao Congresso.
AMEAÇA A DIREITOS
CONSTITUCIONAIS
O ‘Plano Antievasão III’, que
está a preparar o governo de Cristina de Kirchner através da AFAP desperta
polêmica inclusive entre os funcionários e técnicos que participam de suas
deliberações. Uma dessas polêmicas consiste no fato de que “o projeto tem uma
grande quantidade de artigos cerceiam direitos garantidos pela Constituição,
não só dos contribuintes, mas também dos cidadãos em geral, além do que invadem
áreas que não são da competência da AFAP".
Essa visão é compartilhada por
dois altos ex-funcionários da AFAP. Um deles estimou que a exceção que habilita
o órgão a quebrar o sigilo fiscal por causa de um questionamento do
contribuinte "é uma barbaridade totalitária". "Se o Congresso a
aprovar, estará avassalando um direito personalíssimo, coisa que carece de
precedente histórico nas democracias de todo o mundo".
O outro ex-funcionário da AFAP
– que pediu para manter-se em anonimato "para evitar represálias" –
lembrou que no órgão "existe um manual de política de manejo de informação
que foi ditado em 2005" e que, além das implicações constitucionais e
legais, "não seria nem política nem eticamente correto" utilizar as
certidões de regularidade contra os seus próprios contribuintes.
A controvérsia maior dentro do
governo, efetivamente, gira em torno da possibilidade de se aplicar gravames sobre
a renda financeira ou, em outras palavras, reduzir os benefícios impositivos
para o capital financeiro, para aumentar assim a arrecadação tributária. O
objetivo? Adicionar um fluxo extra de 5 bilhões de pesos por ano ao erário
argentino, um preço a pagar para os que querem ter o direito de criticar o
governo.
O projeto, que deverá passar
no Congresso, agrupa múltiplas reformas legislativas. Entre outras, a que se
faz sobre o Imposto ao Valor Agregado (IVA), Bens Pessoais e Renda Mínima
Presumida, bem como sobre os trustes para, por exemplo, a construção civil, que
passariam a receber uma tributação de 35% sobre as utilidades.
A AFAP também visa os paraísos
fiscais, porque prevê potencializar a fiscalização sobre as transações
externas.
Hugo Alconada Mon, La Nación, 02-12-2012
Título e Tradução: Francisco Vianna
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