Adolfo Mesquita Nunes
Quem assegura que a crise se resolveria fácil e rapidamente, assim
quisessem os políticos, está a mentir descaradamente
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Não há ONU que nos salve da troika. Foto: Pring Samrang/Reuters |
Precisamos tanto de alguém que
nos diga que a crise se resolve com duas ou três medidas, quase sem dor, que
estamos dispostos a acreditar no primeiro que, com ar distinto e currículo
internacional, afirme com clareza que bastam duas ou três decisões e o país
entra em crescimento.
Precisamos tanto de alguém que
nos diga que a crise é culpa exclusiva de terceiros empenhados na nossa
desgraça que estamos dispostos a acreditar no primeiro que, com ar distinto e
currículo internacional, afirme com clareza que basta enfrentar esses inimigos
com bravura e o país retoma a sua vida despreocupada.
Precisamos tanto de alguém que
nos diga que a crise não resulta em nada de décadas de políticas erradas que
estamos dispostos a acreditar no primeiro que, com ar distinto e currículo
internacional, afirme com clareza que nada temos de mudar para o país encontrar
a prosperidade.
Estes primeiros parágrafos
dizem respeito ao episódio Baptista da Silva, o burlão que se fez passar por
colaborador da ONU e que, com a veneração de muitos e alimentando a esperança
de tantos, nos quis ensinar que esta crise nada tinha a ver com Portugal nem
com os nossos erros nem com as nossas políticas mas tão somente com inimigos
externos ou políticos mal-intencionados.
Mas estes primeiros parágrafos
não dizem apenas respeito a esse episódio. Diariamente lemos e ouvimos quem, com
currículo verdadeiro, repete, com variações pouco relevantes, o discurso de
Baptista da Silva. Também para esses toda esta crise se poderia resolver com
facilidade, assim quisessem os políticos.
Não estou a dizer que tem de
haver apoio unânime ao rumo deste governo. É natural e desejável que, em
democracia, surjam alternativas. O que estou a dizer é, e nisto estou
particularmente seguro, que a crise que atravessamos não se resolve com a
facilidade apregoada pelos vendedores da banha da cobra.
É tentador pensar que a crise
poderia ser resolvida de uma vez, sem dor, com bravura e coragem. E é tentador
pensar que essa solução não é aplicada apenas porque uma conspiração de
interesses lucra com a crise. É o mundo a preto e branco: os bons e os maus.
Mas o mundo não é uma história
de quadradinhos. Não existe uma receita simples e directa capaz de acabar de
vez com a crise e que é posta de lado por políticos mal-intencionados apostados
na desgraça dos povos.
Quem pretender, seja ele o
senhor Baptista da Silva, seja ele um comentador encartado, que tudo isto se
resolveria fácil e rapidamente assim quisessem os políticos está a mentir. E
descaradamente.
O que impressiona por isso no
episódio Baptista da Silva não é o senhor ter aldrabado o seu currículo. O que impressiona
é que o senhor tenha andado a vender a banha da cobra sem que alguém o
confrontasse com a complexidade da crise ou com a evidente ficção por ele
apresentada, para não falar das barbaridades técnicas que o senhor avançou e
ninguém travou.
Infelizmente esta crise não se
resolve com “chegamos lá e batemos o pé”, com “não pagamos e eles aceitam”, com
“não precisamos de mudar, só temos de encontrar quem empreste sem nada exigir”
ou com “renegociamos a coisa sem consequências nefastas para o país”.
Ultrapassar esta crise exige
esforço, empenho e obriga a passar por um tempo difícil. Mesmo quem
legitimamente não concorda com o caminho deste governo (e reforço com vigor que
é normal e desejável que haja quem não concorde) presta uma mau serviço ao país
se amplificar teses simplistas como as do Sr. Baptista da Silva. E Baptistas da
Silva, infelizmente, não faltam por aí.
Título e Texto: Adolfo Mesquita Nunes, Jurista e
deputado do CDS, jornal “i”, 28-12-2012
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