GOL desafia o Governo ao promover demissão coletiva
Claudio Magnavita
Quem acompanhou o noticiário
nos últimos dias, especialmente a postura da GOL, que sozinha responde por
quase metade do tráfego aéreo doméstico, é de se imaginar que a empresa
resolveu desafiar o Governo.
Ao acumular prejuízos
seguidos, na maioria por erro de gestão e por ter abandonado o seu modelo
original, a GOL está realizando um voo kamikaze em direção ao Palácio do
Planalto, sem levar em conta a imensa capacidade de reação da presidenta Dilma.
Acuada com a recente
movimentação do setor, que levou à criação da Latam (o que deu musculatura
internacional à sua principal concorrente) e à fusão da Trip com a Azul, além
do crescimento sustentável da Avianca, que pode ganhar força com a aquisição
pela casa matriz da Tap, os gestores da GOL rasgaram todos os manuais de boa
conduta que regula o relacionamento entre o concessionário e o poder
concedente.
Ao decretar o fim da WebJet e
demitir sumariamente 850 funcionários da empresa, a GOL leva os especialistas a
duas conclusões: ou a empresa está fazendo tudo isso porque já está vendida e
os atuais gestores preparam a sua retirada, ou o desespero que bateu nela é
aquele típico de quem está acuado em um jogo de vida ou morte e não tem mais
nada a perder.
Os erros cometidos pela GOL e
que resultaram na saída de cena do seu presidente fundador Constantino Junior,
são primários. Refletem uma cisão entre os irmãos acionistas que não se
conformavam até hoje com a compra da Varig e os erros cometidos na desastrosa
operação internacional.
O pior é que as regras aplicadas
agora na WebJet se revestem do mesmo pacote de maldade e esperteza, só que
ampliados e desafiando perigosamente o Governo Federal.
Se no caso Varig, o desgaste
político da busca por uma solução para a empresa e o tráfego de influência que
se estabeleceu com a presença do advogado Roberto Teixeira e seu livre-trânsito
no Planalto, serviram para acobertar os erros cometidos pelos novos donos da
Varig, agora a situação é outra. Não há conversas subterrâneas para esconder e
nem uma overdose de problemas que estavam associados ao caso Varig.
Se o que ocorreu agora com a
WebJet tivesse acontecido nos Estados Unidos, todos os envolvidos, a empresa
que comprou, o Cade e a própria Anac, estariam na cadeia.
Tudo exala a sinais de abuso
do poder econômico para promover uma maior alta de tarifas e lesar os milhões
de usuários do sistema aéreo que estão sentindo no bolso a disparada dos preços
das passagens.
Diferente da compra da
moribunda Varig, a WebJet funcionava como o fiel da balança de um mercado cada
vez mais na mão de poucos.
Para entender o tamanho da
gravidade da decisão de acabar com a WebJet, é preciso compreender o papel
regulamentador que a empresa passou a ter no mercado aéreo brasileiro. O seu
fim abriu a caixa de pandora dos preços altos que passam a ser irreversíveis se
não houver por parte do Governo a capacidade de reagir.
A WebJet não era uma pequena
empresa aérea adquirida por uma concorrente. Era a única a implantar o
verdadeiro espírito de baixo custo e baixas tarifas que fazem o sucesso no mundo
com a Ryanair e EasyJet. Aliás, foi no modelo da empresa irlandesa que a WebJet
resolveu crescer e implantou as primeiras tarifas aéreas realmente baratas nos
últimos 5 anos. A empresa assumiu esse modelo no momento que as classes
emergentes entravam no mercado consumidor. Viajar deixou de ser algo privativo
das elites, aliás um cenário que nos últimos dias voltou com força.
Com aeronaves que tinham
assentos que não reclinavam, sem serviço de bordo gratuito, com tripulantes
simpáticos e com um time operacional de primeira, a WebJet criou o seu mercado.
O próprio Governo Federal, ao adotar a política de menor preço para as viagens
de serviço, passou a ser um dos grandes clientes da WebJet. É só o Governo
quantificar quanto pagava e quanto paga hoje pelas viagens de seus
funcionários.
Quem voava WebJet sabia o que
estava comprando e aceitava entrar em aviões antigos e apertados. Estavam
felizes. Viajar de ônibus seria muito pior do que algumas horas de aperto e
barulho.
Nada disso foi levado em conta
pelo Cade, que fez ouvido de mercado nas características especiais da
companhia.
Quem se der ao trabalho de ler
o parecer do Cade, vai ficar arrepiado com a miopia dos argumentos dos votos.
Não foi exigido nenhuma garantia de continuidade da empresa, a não ser o de um
punhado de slots no Santos Dumont.
A WebJet incomodava tanto que
a GOL (algumas vezes em companhia com a TAM) cercava os voos mais procurados da
empresa, colocando frequências próximas e praticando preços semelhantes e até
menores, só para fazer a companhia sangrar.
Quando foi vendida, possuía um
prejuízo acumulado de R$ 200 milhões, facilmente absorvido com a abertura de
capital.
Este papel de fiel da balança,
que hoje também cabe à Avianca e à Azul, não é percebido pelo poder concedente.
Estas empresas enfrentam dificuldades para operar em Congonhas. Falar em livre
concorrência é fantasioso. Se um padeiro aumenta os preços, a concorrência pode
surgir no outro lado da rua. Na aviação é diferente. Os aeroportos que já estão
com sua capacidade no limite, não permitem o crescimento de quem pode
equilibrar o mercado.
Ao lançar o edital do Trem
Bala, o Governo estabeleceu um teto tarifário. Por que não fazer o mesmo na
aviação e definir a tarifa Y, como é chamada a tarifa econômica cheia? Desta forma,
evitaria os abusos cometidos recentemente, onde trechos domésticos são vendidos
a valores absurdos e custam mais do que uma passagem ao exterior com um
percurso oito vezes maior.
As companhias aéreas estão se
defendendo apresentando um estudo que hoje é falho. Mostram o desempenho
tarifário de um período que não existe mais. Apresentam dados da época
completamente diferente ao balé que as empresas fizeram nos últimos meses. Eles
entraram em um alinhamento perigoso e chegaram a criar uma associação, a Abear
(Associação Brasileira das Empresas Aéreas), que livre das amarras e limites
legais sindicais, estabeleceram uma ação conjunta. Por coincidência, depois de
sentarem todos em uma mesma mesa e representados pela nova entidade, surge o
movimento de redução de oferta das duas maiores e os preços disparam
imediatamente.
Esta coreografia sincronizada
e que resultou na disparada irracional de preços, pode receber interpretações
bem assustadoras. Só o alinhamento da TAM e da GOL faz acender todas as luzes de
alerta.

Com a WebJet o sentimento
inicial é que seria diferente. Muitas coisas da empresa foram absorvidas pela
GOL. Houve até investimento no treinamento de pilotos para os novos 737-800
incorporados à frota.
Tudo levava a crer na
incorporação gradual da empresa e de sua cultura pela GOL, o que não se
esperava foi a forma abrupta do seu encerramento. O objetivo final ficou claro:
receber os slots e varrer os baixos preços do mercado.
O poder concedente tem que
agir de forma imediata e estabelecer um equilíbrio no mercado. A Azul e a
Avianca estão prontas para estabelecer o seu papel de trazer equilíbrio ao
mercado. É preciso dar um tratamento diferenciado a essas empresas e a outras que
queiram entrar para estabelecer um cenário de concorrência saudável e preços
competitivos. O fim abrupto da WebJet é o maior desafio que um concessionário
de um serviço público realiza contra o poder concedente. O Governo precisa agir
para não ficar desmoralizado.
O impacto no mercado doméstico
é enorme, exatamente por não haver concorrência. O mesmo não ocorre no
internacional, porque a presença de dezenas de empresas estrangeiras faz que as
regras de mercado não sejam manipuladas.
Além dos passageiros - existem
30 mil que voariam WebJet em janeiro e ainda não foram acomodados - outras
vítimas são os funcionários. Acreditaram que os empregos estavam garantidos,
principalmente depois que o governo desonerou a folha de pagamento e viram que
a resposta da empresa foi uma demissão coletiva sem precedentes na história da
aviação comercial do país.
Para resolver a questão
trabalhista, uma ideia que ganha corpo é que o Governo congele os slots da
WebJet e que os distribua às empresas concorrentes que absorverem todo o quadro
de demitidos, com estabilidade mínima de cinco anos.
A fórmula de sucesso do DNA
inicial da Gol, com uma equipe de gestores fundadores, todos de primeira linha
e que também foram afastados de forma irracional - decisão que começou a levar a
empresa a entrar em parafuso gerencial - faz parte do passado. O que prevalece
agora é o velho DNA das confusões relacionadas à expansão das empresas de
ônibus da família Constantino. Esse DNA migrou para a aviação. Toda a imagem
que havia sido purificada com o sucesso inicial da GOL foi jogada no lixo. O
que está prevalecendo agora é o estilo truculento que por vez ou outra tem
levado os acionistas a frequentarem as páginas policiais. O clima dentro da
empresa está péssimo.
A ameaça de novas demissões com
a redução da oferta e voos apavoram o corpo funcional da própria GOL. As
pessoas estão perdendo os elos que foram construídos na fase dourada da
empresa. Acabar com a WebJet e demitir mais de mil funcionários de uma só vez
demonstra que os dirigentes da GOL estão se colocando acima da lei e esqueceram
que são concessionários de um serviço público. Além de irracional, é um ato de
soberba que não pode ser aceito passivamente pela sociedade. Transferir a culpa
de má gestão para o custo Brasil e chantagear o Governo para conseguir novas
reduções tributárias é esticar a corda ao limite máximo.
Título, Imagens e Texto: Claudio Magnavita é presidente do
Jornal de Turismo e conselheiro titular do Conselho Consultivo da ANAC.
Publicado no Jornal de Turismo, em 18-12-2012
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