Em 2010, o então presidente
Lula tinha a levar aos palanques da sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff,
um alentado embornal de realizações na área social, combinadas com a elevação
das taxas de crescimento - graças, sobretudo, ao ciclo de prosperidade global
que antecedeu o colapso financeiro de 2008. No seu governo, o Brasil ficou mais
rico e os brasileiros, em geral, também, apesar da persistência de índices
humilhantes de desigualdade. Milhões puderam emergir dos estratos inferiores de
renda a que pareciam confinados. Mais importante do que isso, quem sabe, os
seus lugares foram ocupados por outros tantos que até então mal conseguiam
manter a cabeça acima da linha que separa a pobreza da indigência.
Sob o governo Dilma, os níveis
de emprego e renda ainda se sustêm, garantindo à sua titular índices lulistas
de popularidade. Mas, na campanha reeleitoral do próximo ano, ela não terá a
ostentar o "pibão" de seus sonhos. A expansão da economia nacional no
atual período não só ficará aquém da registrada na quadra precedente, como
ainda será inferior à da média dos países com os quais o Brasil é comparável.
Em consequência, a propaganda
dilmista deverá se amparar nas proezas do seu criador, tratando de amalgamar o
seu mandato aos oito anos de Lula. O estratagema é necessário, porém
insuficiente para rebater as críticas dos opositores - não ao desempenho do
criador, mas ao da criatura. Ciente disso, ela procurou um feito para chamar de
seu - e acaba de apresentá-lo numa operação de marketing que, demagogicamente,
exacerba o que é bom e esconde tudo o mais.
Trata-se do espetáculo com que
a presidente celebrou em palácio, na terça-feira, a conclusão do resgate de 22
milhões de brasileiros da pobreza extrema, mediante a elevação do mínimo mensal
per capita pago às famílias inscritas no Bolsa-Família. A partir de março, esse
valor terá de superar R$ 70, instituído em 2009 como indicador oficial da
miséria no País. O reajuste beneficiará 2,5 milhões de assistidos - segundo
Dilma, "os últimos dos brasileiros extremamente pobres, inscritos no
cadastro do Bolsa-Família, a transpor a linha da miséria". Outros já
haviam sido alcançados pelo plano Brasil sem Miséria, lançado em junho de 2011,
que aumentou em 45% o dispêndio com os 36 milhões cadastrados no programa federal
de transferência de renda e estendeu de três para cinco o número de filhos
passíveis de ser incluídos. Em maio do ano passado, o Brasil Carinhoso
estipulou um complemento para as famílias com crianças de até 6 anos - teto
depois ampliado para 15 anos.
A nova medida proclamada
anteontem, sob o slogan "O fim da miséria é só um começo", criado
pelo marqueteiro do Planalto, João Santana, custará ao erário cerca de R$ 773
milhões por ano, aumentando para perto de R$ 8,7 bilhões o orçamento do Bolsa-Família.
"Fim da miséria", em termos, porém. Conquanto o programa seja um
êxito reconhecido em todo o mundo, por sua abrangência, sistema de recebimento
do benefício e baixos índices de desvio, o fato é que continuam fora de seu
alcance 700 mil famílias miseráveis dispersas pelo País. Decerto esse
contingente diminuirá com o tempo. Mas o que se mantém inatacado em ampla
escala - e sem sinal de mudança no horizonte - é a miserável qualidade de vida
das populações "bolsistas". Elas comem melhor, vestem-se melhor e têm
mais bens domésticos do que antes. O dinheiro dos auxílios anima a economia dos
respectivos municípios.
Mas nada disso supre as
carências de que padecem, omitidas nos festejos reeleitorais da presidente. Um
dado resume a esqualidez do ambiente típico onde vivem os assistidos: segundo
números recentes do IBGE, 21,9 milhões de crianças de até 14 anos - 48,5% da
população nessa faixa de idade - não têm acesso a serviços básicos de
saneamento. Delas, 4,8 milhões correm sério risco de contrair doenças. Mesmo
onde não falta água, o esgoto é inadequado ou nenhum, a coleta de lixo é
precária ou inexistente, a escola é ruim. E, como sempre, a infraestrutura
melhora menos onde mais precisaria melhorar. "A transferência de
renda", comenta o economista Cláudio Dedecca, da Unicamp, "é a parte
mais fácil do combate à pobreza."
Título e Texto: O Estado de S.Paulo – Opinião, Editorial, 21-02-2013
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