domingo, 2 de junho de 2013

Não uso calças de 300 Reais

José Carlos Bolognese
- Eu recebo bolsa família há oito anos. Só uns 130 reais por mês e não dá nem pra comprar uma calça para minha filha de 16 anos. Uma calça para uma moça dessa idade custa uns 300 reais, né?
Só faltou às jornalistas perguntar se a poupança era para uma viagem à Disney e, se a adolescenta que não veste calça mais barata do que uma de 300 reais, já tem o último lançamento do Iphone e já comprou seu ingresso para o Rock in Rio 2013. Então, tá!
Enquanto comissões de todo tipo fingem se ocupar do que interessa ao país que trabalha, como uma tal “Comissão da Verdade”, as mentiras vão dominando o país com a omissão das verdades.
Uma dessas pungentes verdades ignoradas por comissões, conselhos, patotas e assemelhados - cujo interesse é sempre “o meu pirão primeiro” - é a espera angustiante dos ex-trabalhadores da Varig, que não sabem mais o que é poupança nem compram roupas de trezentos reais. Pessoalmente, a dolorosa experiência desses anos todos como aposentado da Varig tem me mostrado uma porção de coisas que não me fazem falta. Nesse aspecto, encaro essa triste experiência como dependente do Aerus até como educativa. Como nunca fui de frequentar ambientes acima das minhas posses ou consumir além do meu salário de comissário de voo, o que me faz falta não são os deslumbramentos que podem levar até os muito bem pagos à ruína. Porém, se me controlo para não ir além das minhas sandálias, tentando viver com menos – sem viver menos – isto não quer dizer que posso renunciar a tudo, aí sim, às coisas essenciais que realmente me fazem falta. Se não posso ir a restaurantes, pelo menos preciso me alimentar bem na minha casa. Se não posso comprar roupas e calçados caros, não quer dizer que deva andar nu e descalço. Se não vou malhar numa academia (nunca fui), preciso cuidar da saúde.
Sete anos de calote e incontáveis provas encaminhadas ao judiciário não conseguem fazer andar nossas demandas, agora em cartaz no sonolento STF sabe-se lá por quanto tempo. É como um filme de horror batendo recordes de bilheteria, sendo a produção do filme e os ingressos pagos com o dinheiro que tiramos dos salários e demos ao Aerus para a aposentadoria.

Enquanto suportamos esse fardo de iniquidades ainda somos obrigados a testemunhar a espantosa, inacreditável, irresponsável gestão desse governo que sem uma piscadela para a moralidade perdoa as dívidas de quase um bilhão de dólares “emprestados” a caloteiros ditadores africanos, como se já não tivéssemos caloteiros de sobra em Banânia. O Maracanã maravilha empaca, a FIFA espirra e lá se vão mais duzentos milhões de reais. Estádios, arenas e palcos de demagogia são erguidos por todo o país que nega ter recursos para saúde, segurança pública e transporte decente para quem trabalha e se transforma em sócio contribuinte involuntário de bolsas caça votos.

Dá até pra pensar que, com tantos templos de espetáculos sendo construídos, os pobres aposentados não tenham sido deixados de lado, e eu é que estou sendo injusto. Como não querem matar os velhinhos de susto ainda, nem anunciaram a construção do Novo Coliseu e a importação dos leões está enroscada na burocracia da receita federal, a coisa corre em segredo. Mas faz sentido. Se os aposentados morrerem antes, quem será jogado aos leões para a curtição da galera das bolsas vestida com camisetas da Caixa e do Banco do Brasil?
Título e Texto: José Carlos Bolognese, Comissário de Voo da Varig aposentado, 02-06-2013

Só foi ao Coliseu romano quando não tinha mais leões.
Mas no Brasil caiu na boca dos chacais.

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