terça-feira, 25 de junho de 2013

O dinheiro dos outros

Helena Matos

Primeiro iam ser os bens da Igreja a tornar-nos ricos ou melhor dizendo a livrarem-nos da pobreza. Os bens da Igreja são o tesouro imaginário que em 1910 anima muita da rua republicana. Divididos os bens da Igreja tirariam Portugal e os portugueses da miséria.


Como bem se sabe a Igreja ficou sem parte dos seus bens, que afinal não eram tão valiosos quanto se supunha, mas os portugueses, esses ficaram mais pobres.

Em 1916 ainda se imaginou que confiscando os bens aos súbditos inimigos, a saber os alemães a quem tínhamos declarado guerra, não ficaríamos ricos mas pelo menos mais confortados. Os alemães ficaram sem bens e os portugueses ficaram ainda mais pobres pois tiveram de pagar avultadas indemnizações a algumas dessas famílias que, pese o nome estrangeiro, eram portuguesíssimas e cujos bens tinham sido levados pela turba estatal na ânsia da apropriação.

Em 1975 acreditou-se, com o aval dos militares e do "socialismo científico", que tirando os livros de cheques aos muito ricos, aqueles que tinham consoantes dobradas nos apelidos como os Mellos e os Champallimaud (desde que Louçã deixou a política activa que mais ninguém pronuncia estes nomes com aquele ênfase da luta de classes!), que seria só distribuir dinheiro pelo povo para ficarmos todos ricos. Os bancos passaram a ser do povo e do povo também passaram a ser fábricas de cerveja, empresas rodoviárias, de construção civil, estaleiros, siderurgias, cimenteiras... Com o povo dono de quase tudo constatou-se que os ricos quando expropriados tratam de ir ser ricos para outras terras, enquanto o povo fica com as facturas para pagar, pois aquela contabilidade maravilhosa que repartia por cada um os proventos dos grupos milionários e das empresas que davam milhões traduzia-se apenas em prejuízos e mais prejuízos. Daí a pedir ajuda ao FMI foi espaço de alguns meses e tal como aconteceu no confisco de 1916 ainda se tiveram de pagar indemnizações a alguns dos afectados pela maré das nacionalizações de 1975.

Aqui chegados passámos da fase do esbulho propriamente dito - também já não havia muito mais a quem roubar - para a da assistencialização. Por sermos do Sul, por termos tido uma ditadura e para não cairmos na tentação doutra ditadura a Europa ia fazer de nós ricos. E fez. Ou seja não nos transformou em ricos mas certamente em gastadores. O País encheu-se de tabuletas com estrelinhas douradas em círculo de fundo azul onde se anunciavam obras de milhões. Nas vilas e cidades os campos de jogos transformaram-se em pavilhões gimnodesportivos, que depois deram lugar a um pólo multiusos e a um centro cultural, numa progressão de granito polido e vidro que só teve paralelo no crescimento das empresas municipais.

E assim fomos chegando ao fim do século XX. Para trás deixámos as épocas revolucionárias do confisco e dos tempos da assistencialização em que vivíamos de pedidos de ajuda externa. A riqueza estava agora no investimento público. O País endividava-se porque metendo dinheiro na economia havíamos de ser ricos. Mais uma vez, a factura chegou. E mais uma vez aqueles que sempre fizeram política construindo as suas propostas a partir do dinheiro dos outros - fosse ele da Igreja, dos ricos, da Europa ou dos credores - criaram uma nova aplicação para o dinheiro alheio: as ‘eurobonds' ou o rasgar do memorando, consoante os graus de radicalismo. É tão absurdo e primário acreditar-se em 2013 que a solução dos nossos problemas está no dinheiro dos alemães quanto em 1910 ter-se invadido os conventos à procura do ouro dos jesuítas.

Em resumo: viver do dinheiro dos outros sai sempre caro ao povo que é quem paga a factura. Mas tem garantido boa parte daquilo a que em Portugal (e não só) se chama fazer política.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 25-04-2013

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