Helena Matos
Há quantos anos o electricista
Arménio Carlos deixou de trabalhar em electricidade? O que sabe Mário Nogueira
da realidade das escolas onde deixou de dar aulas há mais de vinte anos? E, por
fim mas não por último, em que serviço, balcão, secretaria, cartório,
departamento… da função pública trabalhou Ana Avoila antes de o seu nome se ter
tornado num prefixo da Frente Comum de Sindicatos da Função Pública?
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Ilustração: Jaime Vaz de Sousa |
Na verdade o que sabemos sobre
os dirigentes sindicais, um cargo quase vitalício em Portugal? Sabemos pouco,
muito pouco. A divisão que a greve decidida pelo Sindicato dos Pilotos de
Aviação Civil gerou dentro da TAP – com trabalhadores a manifestarem-se contra
esta greve – chamou a atenção para alguns aspectos pouco ou nada noticiados
sobre a vida sindical: de repente percebemos que os sindicatos, ou pelo menos
alguns, têm assessores que ganham tanto mais quanto mais assessorarem, ou seja,
quanto mais conflitualidade existir. Percebemos também que um sindicato se pode
comportar como se fosse dono e senhor da empresa.
E de repente esse mundo do
qual pouco mais nos chega que os slogans, o debitar das acusações, as garantias
de vitória, esse mundo sindical está um pouco mais exposto. Coisa rara. Pois
tendo sido a unicidade sindical derrotada em 1975, em termos informativos
mantém-se inalterada: há décadas que governos, oposições e jornalistas mantêm
viva a ficção de que os sindicalistas são trabalhadores que defendem os
trabalhadores e as empresas. As greves são sempre apresentadas como de defesa
do ensino, dos transportes, do SNS… mesmo quando literalmente os destroem.
Não sei se os jornalistas
sofrem de algum interdito psicológico mas seja por que razão for as notícias
sobre sindicatos pouco mais são que a transcrição dos seus comunicados e
declarações. Às vezes lá vem uma notícia, quase sempre breve, sobre o
despedimento de umas empregadas de limpeza e logo tudo volta à ordem natural
das coisas. Ao silêncio portanto.
Esta opacidade começa logo na
própria representatividade dos sindicatos: “Os dados relativos aos indicadores
de filiação sindical e de densidade sindical em Portugal carecem de rigor, são
descontínuos e fragmentados, não são objecto de qualquer recolha e tratamento
organizado, credível e com garantias de independência. Os estudos avulsos
existentes, meritórios embora, reflectem estas dificuldades.” – escreve
Henrique José Carvalho de Sousa em “Sindicalização: a vida por detrás das
estatísticas (alguns problemas metodológicos) ”.
Às vezes esta espécie de
indefinição conveniente é quebrada por declarações como as que foram feitas por
Henrique Figueiredo, presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia
(SNOP) ao semanário SOL: “Não há qualquer limite ao número de dirigentes que um
sindicato pode ter. Podem ser cinco, dez, 50 ou 100. Só depende da criatividade
de quem fez o estatuto. E os delegados é a mesma coisa. (…) Actualmente, cerca
de 10% de todo o efectivo da polícia tem funções sindicais. (…) a dispensa
sindical não está sujeita a autorização, só a mera comunicação. (…) Havendo
2100 elementos na polícia que têm direito a essas dispensas, é evidente que
existem esquadras que não têm capacidade para assegurar as suas funções
mínimas. (…) Os delegados têm direito a um dia e meio por mês e os dirigentes a
quatro dias. Em cada esquadra, como há 12 sindicatos, acumulam-se delegados e
dirigentes. (…) Um elemento do meu serviço contou-me, uma vez, que recebeu um
email de uns agentes que começava assim: “Queres ter dias de folga? Vamos fazer
um sindicato novo.” Há delegados que não sabem onde é a sede do sindicato a que
pertencem.”
Como é mais que óbvio estas
declarações foram prontamente esquecidas não fossem elas beliscar esse mundo
que nos dias pares faz declarações sobre os direitos dos trabalhadores e nos
dias ímpares tem os seus elementos mais radicais a protagonizar uma espécie de
cortejos etnográficos de saudosos do estalinismo. A coisa não iria muito além
do ridículo não fosse o sistemático boicote de muitos sindicatos (e não apenas
dos de extrema-esquerda) a tudo o que signifique progresso dentro das empresas
e nas nossas vidas: das low cost na aviação ao horário dos
supermercados tudo é um ataque, um mal a combater.
Não por acaso uma sondagem
publicada esta semana em França (país com o qual Portugal revela uma similar
erosão sindical) revelava que os franceses têm melhor imagem dos patrões do que
dos sindicatos: 54% dos inquiridos avaliavam positivamente o patronato enquanto
só 33% o fazia em relação aos sindicatos. Qual seria o resultado de uma
sondagem destas em Portugal?
O proteccionismo aos sindicatos
acabou por gerar a mediocridade e ditar o esvaziamento dessas mesmas
estruturas: um estudo recentemente efectuado por três sociólogos, um dos quais
se chama Carvalho da Silva, revelava que em 34 anos a taxa de sindicalização em
Portugal desceu 41,8 pontos percentuais. Ou seja, caiu de 60% para 19%. Aliás
Portugal está no grupo de países em que a quebra da sindicalização é mais
elevada – quem o diz são Pedro Portugal e Hugo Vilares numa análise do Banco de
Portugal intitulada “Sobre os sindicatos, a sindicalização e o prémio
sindical”.
E aqui chegamos a uma espécie
de beco para o qual temos de encontrar saída pois se os sindicatos cada vez
representam menos gente, a lei continua a tratá-los majestaticamente: o artigo
56º da Constituição garante aos sindicatos o monopólio da representação
coletiva dos trabalhadores no processo negocial. (Uma das vozes que se tem
destacado na denúncia deste monopólio sindical é precisamente Mário Centeno, o
economista que se destacou na apresentação das propostas do PS). Na prática,
seja porque a linguagem dos sindicatos está desligada da realidade, seja porque
independentemente de se estar ou não sindicalizado se acaba a ser atingido por
aquilo que os sindicatos acordam, a verdade é que a contratação colectiva é
negociada pelos governos com estruturas de representatividade cada vez mais
diminuída.
Segundo Pedro Portugal e Hugo
Vilares “em 2010 a negociação coletiva determinou as tabelas salariais pelas
quais se regiam cerca de 88,5% dos contratos dos trabalhadores por conta de
outrem do setor privado, e que serviram de referência para a negociação dos
Acordos de Empresa que subsequentemente se realizaram. Assim, embora as
confederações sindicais tenham influenciado diretamente 92,3 por cento dos
vínculos contratuais do setor privado, apenas representavam 10,9 por cento, da
mesma massa de trabalhadores. Visto doutra perspetiva, os salários base de
cerca de 50 por cento dos trabalhadores são influenciados por acordos salariais
em que a representatividade sindical é inferior a 5 por cento.”
Não é preciso saber fazer
grandes contas para concluir que o poder e o papel dos sindicatos têm de ser
discutidos. Para faz de conta já chega.
PS. Num momento de
exaltação a agência Lusa noticiava enlevada que este ano em Atenas o 1º de Maio
fora “singular, já que pela primeira vez um Governo saiu à rua ao lado dos
cidadãos para reclamar os mesmos objetivos, acabar com as políticas de
austeridade e restaurar os direitos laborais.” Realmente há coisas singulares:
como é que um governo que não governa e anda a fazer de conta que é oposição
consegue esta boa e militante imprensa?
Título e Texto: Helena Matos,
Observador, 3-5-2015
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