Ricardo Reis
Um dia, numa cerimónia, ouvi o ex-secretário geral das Nações Unidas,
Kofi Annan, dizer que a maior lição da sua vida fora ter mais respeito pela
sabedoria dos locais. Quando era novo, Annan tinha-se mudado para o estado do
Minnesota. Assim que aterrou no aeroporto, ele viu os locais com grossos
chapéus ridículos na cabeça, e fartou-se de gozar com a sua figura. Uns meses
mais tarde, quando a temperatura desceu abaixo dos -10ºC, como é habitual na
zona, Annan comprou o mais grosso e mais ridículo chapéu que encontrou.
Impressiona o número de vezes
que pessoas inteligentes cometem este erro. E fácil olhar para um país sobre o
qual conhecemos pouco e, de imediato, ver semelhanças com o nosso país para
saltar a fazer conclusões disparatadas e sobretudo perigosas. Em Portugal, não
faltaram intelectuais e políticos a aplaudir Hugo Chavez e a Venezuela por
terem rompido com o FMI e proclamado um novo nirvana socialista. Perdi conta ao
número de apoios a Chavez apesar dos alertas das elites venezuelanas sobre os devaneios
ditatoriais do homem. Hoje é claríssimo que os locais tinham razão. Chavez
prendeu opositores, suprimiu as liberdades individuais, e a economia
venezuelana atravessou uma contração de riqueza que quebra recordes mesmo para
a América do Sul.
Mais recentemente, houve
regozijo com a eleição do Syriza no início do ano, desde António Costa a
Manuela Ferreira Leite. Tal como com Hugo Chavez, não era difícil perceber ao
que vinham Tsipras, Vaorufakis e os seus aliados da extrema-direita. Todo o seu
discurso era anti-Europa e anti liberdade económica. Toda a sua carreira
mostrava claramente que o talento para discursos inconsequentes era tão grande
como era a sua falta de capacidade para governar seja o que for.
O problema não é só português. Paul Krugman, na sua campanha para um maior Estado e maiores défices públicos nos EUA, não hesita em usar exemplos externos como Portugal para ilustrar os perigos da austeridade. A diferença entre a recuperação da economia americana e a estagnação portuguesa seria a violenta austeridade que nos foi imposta pela troika. Só que, em Portugal entre 2011 e 2014 o défice primário das contas públicas melhorou 3,4% do PIB. Nos EUA, na mesma altura, sem supostamente grandes políticas de austeridade, o défice primário melhorou 5,0%, uma bem maior correção das contas públicas.
Por fim, nos últimos meses,
muitos observadores externos achavam que as eleições portuguesas deste fim de
semana não tinham qualquer interesse. Obviamente que um governo que parasse o
aumento imparável da despesa pública em Portugal dos últimos 20 anos iria ser
corrido. Ninguém que cortasse o apoio e dinheiro aos poderosos grupos de
interesse locais podia ser reeleito. Veremos amanhã [domingo, 4 de outubro] o que acontecerá com as
eleições, e até que ponto os resultados irão surpreender estes observadores.
Vamos descobrir com a sabedoria dos locais qual é o efeito de fazer reformas
contra os interesses instalados.
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