segunda-feira, 6 de março de 2017

[Aparecido rasga o verbo] Constelação do hemisfério boreal

Aparecido Raimundo de Souza

Qual seria, na sua concepção, meu caro leitor amigo, a mulher perfeita? Acaso aquela que os antigos veneravam como a “Amélia que era de verdade, que não fazia exigências, que passava fome e achava bonito dormir no chão”, eternizada nos versos de Ataulfo Alves?

Ou por outra, uma mistura de Marilyn Monroe em “Nunca fui Santa” e Anita Eckberg em “A Doce Vida de Fellini?”. Afinal, qual seria a mulher dos sonhos de cada um de nós, simples mortais? Na prática, a que o Roberto Carlos imortalizou na sua “Mulher de 40?”.  Será que essa beldade ainda pode ser encontrada nos dias de hoje, numa esquina qualquer do destino?

Segundo uma determinada corrente, a mulher ideal é como peça rara de museu. Joia não encontrada em lugar nenhum, principalmente em joalherias de shopping. Embora tenha a concepção de um diamante não lapidado, jamais será vista em lugares como Serra Pelada.  Há os que a definem como aquela que não gasta telefone, nem água, nem luz, nem bebe refrigerante em excesso.

A mulher ideal não frequenta salões de beleza requintados, não faz fofoca com as amigas, não pinta as unhas de vermelho. Não tinge os cabelos com cores berrantes, não usa brincos, dispensa os piercings, nem raspa as pernas. Não usa sapatos de grife, nem veste roupas caras nem põe os cartões de crédito do marido à beira de um ataque de histerismo, porém, o do amante, sai de baixo. 

A mulher ideal é tão perfeita que não gasta, ou melhor, não desperdiça sabão em pó, nem água sanitária. Não usa o fogão, e, por via de modelo, mantém sempre cheia a botija de gás, principalmente se for de rua.  É adepta do “gás de cuzinho”, que pode ser usado com qualquer tipo de mangueira, mesmo aquelas vagabundas que não levam braçadeiras. A mulher ideal não quebra copos, não suja pratos, nem diz palavrões. Tampouco peida em festinhas de crianças ou reuniões importantes.

Alheia a caras feias e semblantes fechados, não seduz, se deixa ser cantada, emprega seus dias da melhor maneira, tentando aprimorar o conhecimento e expandir os horizontes, nem que seja para ver estrelas em pleno meio dia. Jamais paga o mico de xingar seu amado quando ele chega quase ao romper da manhã cheirando a perfume barato, e, de lambuja, ostenta uma mancha de batom no colarinho da camisa.

É impecável, submissa, leal, econômica, companheira, sobretudo, companheira. Tem o nobre dom de tocar na mente daquele que ousa a se ajoelhar à sua beira, estimulando o infeliz a realizar tarefas importantes, como lavar a louça da janta, ir ao mercado, levar o cachorrinho para fazer pipi, comprar o jornal de domingo e aturar a sogra chata e rabugenta. 

A mulher ideal sabe como ser a amante exata, a puta completa, sem deixar vestígios. Igualmente sabe distribuir seus encantos e atributos na medida certa, e acima de tudo, aprende com a convivência diária como deixar o coração da sua cara metade com as batidas descompassadas, mas sem que o sujeito tenha um enfarto e caia “mortalmente fulminado”. Isso seria fácil demais e daria muito na pinta, trazendo a polícia a tiracolo.


A mulher ideal não usa óculos escuros, jamais sai de casa de saia comprida, é vidrada em calcinhas minúsculas e veste sempre blusinhas que deixam os peitinhos em constante estado de ebulição. A mulher ideal é lógica, e dentro dessa lógica, não comete certas asneiras como: arranjar um cara duro que pinte no pedaço só para tirar “umazinha”, também não trai, não flerta, ou arranja uma barriga indesejável só para dizer para as amigas que a gravidez é linda.

Extremamente fina e requintada nos menores gestos, a mulher ideal se assemelha àquela marca italiana e muito cobiçada de automóvel, a Ferrari. É sensual, nunca passa dos vinte anos, vive nativa do seu ar de superioridade, ao mesmo tempo, é humilde, a ponto de se mostrar soberba e impecável no andar, no modo de se apresentar e de se vestir. Sabe como atrair os opostos sem trair os sentimentos verdadeiramente de quem ama e os deixar expostos, a céu aberto. A mulher ideal não se importa com a pouca carne da bunda magra, nem em transformar os pneuzinhos e culotes em fantasmas a lhe assombrarem diante do espelho.

Milagrosa, consegue frequentar academias sem aparecer por lá, como igualmente, ao visitar o dentista deixá-lo de boca geometricamente aberta. Faz chover em dia de sol, nevar em pleno calor e, quando gosta de verdade, deixa que a volúpia do amor maior atravesse o corpo da criatura que ama, de um lado para outro, sem se importar com seu coração safenado.

Para outro segmento, ou seja, para aqueles que desconhecem completamente a mulher ideal, a mulher ideal é mais complexa que qualquer complexo por mais complexo que possa parecer: escorregadia, gentil, não contesta, seduz com palavras as próprias palavras, não pensa em luxúria, não se embriaga, é tolerante e não tropeça na estupidez das desvairadas, nem se deixa dominar pela burrice enfática das falsas loiras.

É acima de tudo forte, briguenta, boa no meio do campo, sabe chutar as bolas para o gol, e, no momento exato, derrubar o goleiro por mais forte e esperto que seja, ou queira parecer, diante da sua rede. A mulher ideal, no todo, é livre de pensamentos impuros, conhece os direitos melhor que qualquer advogado, sentencia uma causa como nenhum juiz seria capaz de fazê-lo. É a tábua da salvação para o náufrago, a boia para o desesperado no meio do rio, a respiração boca-a-boca, quando a vida de um moribundo apaixonado está se esvaindo.

É ainda um pouco mais: pode se transformar na maca para alojar um atropelado no meio da avenida, ser como o sol quente que brilha resplandecente quando o frio gélido insiste em apertar os ossos. Para os filósofos e pensadores, a mulher ideal é aquela criatura divina, imaculada, que procura, acima de tudo, uma razão para viver, para buscar a si mesma, sem se perder na procura. Entusiasma-se com aquelas que almejam um ideal e o alcançam sem pisotear nas que vêm logo atrás. Para os loucos, bem, para os loucos, a mulher ideal é aquela que beija os pés, ajoelha, reza, engole o suor supremo com o objetivo de alcançar o êxtase da fome que a devora por dentro. É a regra que quebra todas as regras e exceções, que passa por cima de tabus e preconceitos e supera o insuperável dentro do aparentemente imbatível.

É ainda, a mulher ideal, a que fala a língua dos homens e dos anjos, como também a do diabo.  Para os aficionados em sexo, a mulher ideal é aquela que já vem com as turbinas esquentadas, pronta para voar. A que se abre gulosa, e convidativa, a um passeio agradável por suas dobras, falhas, taras, rugas, fraturas, gomos, úvulas e goelas e, vive somente para se doar, se entregar, se permutar, servir, e dar... sobretudo, dar.

Não só dar, na acepção chula da palavra, mas igualmente dar e receber, ser tocada, tocar, sentar no pesado, engolir a cobra que está lhe dando o bote, gozar com os músculos retesados da linguiça que o seu homem trouxe da rua e nela colocar o seu tempero secreto, a sua massa de tomate, o seu coentro, misturar salsa, cebolinha, pedacinhos de pimentão e uma derramadinha quase invisível de bom óleo português e, em seguida, enfiar tudo na panela e fritar. Cozinhar a fornicação, até que a “trepada” tome forma e vida e acabe virando comida de primeira, incendiada entre fantasias libidinosas em escalas interplanetárias.

Para os demais, ou para o resto, para a ralé, enfim, a mulher ideal é a que não é ideal nem tem nada de ideal. O que realmente conta, é que a sua forma não existe. É utópica, inventada, impossível, onipresente, onissapiente como Deus no céu. E pior, senhoras e senhores, nasceu morta, ou melhor: sequer chegou a ser concebida.

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Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. Do Sítio ”Shangri-La” – Um lugar perdido no meio do nada. 5-3-2017

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