Aparecido Raimundo de Souza
“Eu pra baixo vou redonda e subo, pra cima,
inadequadamente quadrado”.
Do livro ‘É MENTIRA,
TERTA? Estórias e Causos’ de Chico
Anísio, 144 páginas, Editora José Olympio, 1974.
UM SLOGAN ANTIGO DE uma bebida
conhecidíssima e ainda em moda, como as suas demais concorrentes, ou
aspirantes, informa peremptoriamente que se trata de “uma cerveja que desce
redondo”. Os senhores, com toda certeza, se recordam perfeitamente da marca que
trazemos à baila.
Pois bem. Não poucos
estudiosos se debruçam demoradamente sobre esta frase, a ponto de fazerem calos
nos cotovelos, para concluir que “Redondo” está aqui posto como advérbio e que,
portanto, não há concordância ou harmonia conciliatória com cerveja usque os
adjetivos serem palavras normalmente invariáveis e tenazmente obstinadas e
imutáveis.
Os casos de posturas
reflexivas com advérbios são raros, mas existem, como a seguir
enumeraremos. “Ela estava toda nua”.
Toda, embora advérbio, e com o sentido de totalmente, se flexiona no feminino;
ou seja, se compara a “toda nua” com “toda poderosa”, em que o todo não varia.
Embora a conclusão dos
estudiosos que admitem a não concordância de “Redondo” na frase de propaganda
da cerveja seja defensável, é melhor refletirmos um pouco ou mais acuradamente
sobre a distinção básica entre adjetivo e advérbio, a partir das definições
clássicas dessas duas famílias de palavras.
O adjetivo é a bola, perdão, a
palavra da vez, ou a que aquilata ou caracteriza um substantivo ou pronome. O
advérbio é o testemunho que, sempre invariável, discerni ou determina um
adjetivo, um verbo ou outro advérbio. Por terem funções qualificadoras, se
confundem às vezes, e, não raro, um adjetivo se emprega, ou se aplica em lugar
de um advérbio, naturalmente sem a devida flexão.
A partir das asserções acima,
contudo, é possível explicarmos porque não são consideradas erradas as frases
abaixo:
1) A chuva caia barulhenta
(isto é, barulhentamente).
2) Ela namorava escondido (ou
escondidamente, às vistas dos curiosos e abelhudos).
3) Ela desceu apressado as
escadas (ou de outra forma, apressadamente, quase a estabacar-se feito uma
debilóide).
4) Maria fuma desesperado (ou
desesperadamente Maria fuma, como se o mundo fosse acabar na cauda da última
tragada).
5) Ela aguarda ansioso o
resultado do exame (ou ansiosamente).
6) Ela reagiu brabo ‘e não
bravo’ à provocação (de outra maneira, brabamente).
Devemos abrir aqui um sinal
tipográfico delimitador. ‘Brabo’ vem de valentão, grosseiro, nervoso. ‘Bravo’,
por sua vez, está ligado a corajoso, valente, destemido, indomável. A maioria
das pessoas fala. ‘Meu cão é bravo’.
Para um cão ser ‘bravo’, ele
precisaria, por exemplo, ter servido numa das três forças armadas, ou, por
outra, ganhado medalhas por galhardia ou heroísmo. Como os cachorros
farejadores de drogas da Polícia Federal, ou caso mais recente, típico de um
bicho literalmente bravo.
O simpático ‘Iron’, que ajuda
com brilhantismo incontestável a major (o major) Jeiza (Paolla Oliveira) a
correr atrás dos bandidos, como a Bibi, o Quiquito, o Rubinho e o Sabiá, entre
outros, no folhetim fusbélico de Glória Perez, em ‘A Força do querer’.
Fusbélico, aqui, no lastimoso e plangitivo entender de (porco – porcaria
esterco – lixo ou imundo, de imundície).
Soubemos por fontes
exclusivas, que esse brabo cachorro bravo, o ‘Iron’, após o término da trama
das oito da noite, se aposentará na patente de capitão. Sinal tipográfico
delimitador fechado.
Voltando ao tema do texto, é
também possível, pelas demarcações enumeradas, explicarmos porque são
literalmente corretas as seguintes orações:
1) Ela anda rápido (isto é,
rapidamente).
2) Eles batem forte (ou
fortemente).
3) Ela discursou bonito (em
resumo, de maneira bonita).
Meus caríssimos amigos e
amigas aqui ocorre o seguinte: o adjetivo, quando usado em função adverbial, se
associa ao verbo, como os três últimos preceitos: se dizemos que Maria fala
bonito, o bonito não se agrega ao sujeito Maria, mas ao modo de falar,
porquanto uma pessoa feia pode falar de um jeito bonito.
Uma criatura não precisa ser
forte para bater com força. Portanto, em “Eles batem forte”, a ação é que é
exercida fortemente.
Observem que as restrições
aqui apontadas dizem respeito ao uso do adjetivo em função adverbial, e não ao
uso do mesmo em si, como se percebe pelos exemplos precedidos de asteriscos:
essas frases são conhecidas como agramaticais. O que venha a ser isso? Simples!
Quando a apresentação do
adjetivo em função adverbial aparece em frases perfeitamente aceitáveis,
notadamente quando se substitui o adjetivo ‘adverbializado pelo adverbio’, ou
pela locução verbal (que parece entre parêntese no final de cada suposição
carreada).
Entre mortos e feridos,
pisados e enlutados, tornemos mais claro este ponto. Observemos com atenção as
reuniões dos conjuntos abaixo alinhados:
1) Ela anda rápido (*)
2) Ela anda esfomeado (**)
Na primeira frase (*) “Ela
anda rápido” podemos bater na tecla e pugnar que “Rápido” e não “Rápida”, a
referência à ação é óbvia. Subentende-se, pois, aqui, de cara, de pleno, a ação
de andar é que é rápida.
No segundo exemplo (**) “Ela
anda esfomeado” seria tolice pensarmos que o ato de andar é que é esfomeado, ou
mal alimentado. Por isso a concordância tem de ser feita no feminino. “Ela anda
esfomeada”.
No mesmo amplexo do abraço
concedido aos que nos leem, quando vemos uma bola rolar no campo, devemos dizer
que “Ela corre redonda”, pois a referência abonativa é a bola e a bola não é o
ato de correr desembestadamente. Em resumo, senhoras e senhores, “A cerveja da
propaganda desce redonda” e não “Redondo”.
Com todo respeito que
reservamos às opiniões esféricas, (desculpem, redondas) que descem redondos,
todavia, por guetos subjetivamente adversos, deduzimos que, desde que desçam ou
que aterrissem que seja para baixo. Jamais para cima. Ponto pacífico. Entenderam?
Nadinha de nada?! Nós, caros amados, menos ainda.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza. De
Brasília, Distrito Federal. 6-10-2017
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