Júlio Marcelo de Oliveira
Nesta segunda-feira (23/10),
foram divulgadas as conclusões da CPI da Previdência. Conforme se esperava,
suas conclusões, com ares de evidência científica, sustentam que não há déficit
na seguridade social e que, portanto, não haveria necessidade de reforma da
previdência.
Não obstante as boas intenções
dos integrantes da CPI, o relatório é um desserviço ao país ao vender à
sociedade brasileira uma ilusão. Muito pior que as ilusões eleitorais, que
prometem o céu na terra, cenários paradisíacos, sem correspondência com a
prática governamental implementada por quem vence as eleições, é a negação de
problemas graves reais, que já comprometem o presente e irão comprometer ainda
mais o futuro. Como bem ensina a sabedoria popular, o pior cego é o que não
quer ver, o que nega seus problemas e com isso tem o dom de agravá-los.
O relatório repete o que já
vinha sendo divulgado em vídeos produzidos por sindicatos e que circulam pela
internet. Tirando o foco da previdência do setor privado, que é deficitária,
tanto a urbana, como a rural, concentra sua atenção na seguridade social, que
engloba saúde, assistência social e previdência.
Somando-se todas as fontes de
receitas previstas para a seguridade social e desconsiderando-se a DRU
(desvinculação de receitas da União), vista como um desvio indevido de recursos
da seguridade, e os gastos com previdência do setor público (servidores e militares),
haveria uma sobra de recursos, um superávit e disso adviria a conclusão
panglossiana de que não haveria necessidade de reforma alguma.
Há um conjunto de erros graves
na construção desse raciocínio. Primeiro, evitar o foco apenas na questão previdenciária,
claramente deficitária. Alegam que não seria possível ou correto fazer isso,
uma vez que há receitas destinadas à seguridade como um todo e que, por isso, a
análise teria de ser global.
O que estão dizendo, em
verdade, é que pouco se importam se a previdência do setor privado é
deficitária e tem de ser coberta por recursos que poderiam ir para a saúde e
para assistência social. Quanto maior o déficit da previdência do setor
privado, menos recursos estarão disponívels para a saúde e assistência social.
É curioso que pessoas que defendem mais recursos para a saúde não percebam que
ela concorre de forma desigual com a previdência, que, pelas regras atuais, tem
crescimento vegetativo superior ao crescimento do PIB e da arrecadação. É uma
escolha alocativa errada priorizar gastos com previdência em detrimento de
gastos com saúde.
O segundo erro crasso é
desconsiderar a DRU dos cálculos, como se ela fosse um golpe contra a
seguridade, um desvio de recursos, que pudesse ser corrigido com facilidade e
simplicidade. Ignoram que a DRU serve fundamentalmente para custear o gasto com
a previdência do setor público federal.
Do ponto de vista meramente
jurídico, os gastos com inativos do setor público federal, civis e militares,
não integram o orçamento da seguridade social, mas o orçamento fiscal. Trata-se
de uma distinção jurídica, mas que não tem, no âmbito da discussão
previdenciária, nenhum sentido econômico, uma vez que esse déficit tem de ser
coberto onde quer que esteja ele classificado, seja na seguridade social, seja
no orçamento fiscal. Dizer que o gasto com inativos do setor público, civis e
militares, é o não é seguridade, não muda em nada a gravidade do problema e a
necessidade de seu reparo.
Para o contribuinte
brasileiro, que já arca com carga tributária de país rico, mas tem serviço
público de país atrasado, pouco importa se o seu dinheiro foi usado para pagar
a aposentadoria do empregado do setor privado ou a do servidor público federal.
É dinheiro gasto com previdência, que requer cada vez mais dinheiro desse
contribuinte, deixando os serviços públicos com cada vez menos dinheiro.
Ignorar, portanto, a DRU e sua
principal finalidade, é fingir que um rombo previdenciário bilionário não
existe ou que ele possa ser facilmente coberto por uma outra fonte de recursos
que ninguém sabe qual seria.
O terceiro erro grave é não
olhar para o futuro próximo e para o médio e longo prazo. O que deve determinar
as regras de um regime previdenciário, para que esteja em equilíbrio e não
drene recursos que poderiam ser usados em outras finalidades, são as projeções
demográficas. Manter uma adequada relação entre trabalhadores ativos e
aposentados e pensionistas é fundamental para esse equilíbrio.
Mesmo que a previdência atual
fosse equilibrada, o que está longe de ser verdade, bastaria olhar as projeções
demográficas da sociedade brasileira para constatar a necessidade de uma
reforma que assegure a sustentabilidade do sistema. O aumento da expectativa de
vida e as quedas das taxas de natalidade resultam em rápido envelhecimento da
população brasileira. Estima-se que teremos no Brasil em menos de cinquenta
anos uma transição demográfica já em curso que países ricos levaram mais de cem
anos para experimentar. O déficit atual da previdência, tanto do setor privado
como do público, são apenas reveladores do quão atrasada já está esta reforma.
Deveria ter sido feita antes que déficit houvesse.
Falta ao relatório da CPI não
apenas essa visão prospectiva, mas também um olhar horizontal sobre como
funciona a previdência no mundo todo. Se países tão ricos como Alemanha, Japão,
França, EUA e Inglaterra aposentam os trabalhadores com idades em torno de 67
anos, porque nós, que somos pobres, deveríamos conceder aposentadorias para
trabalhadores de 55 anos, em média? Se um país rico e envelhecido como o Japão
gasta 8% do seu PIB com aposentadorias, tem sentido um país ainda não tão
envelhecido e de renda média como o Brasil gastar 10% com previdência?
Aposentadorias precoces vão
ajudar ou atrapalhar nosso desenvolvimento? Vão agravar ou minorar nossa
desigualdade social? Cada pessoa aposentada significa uma despesa obrigatória
de caráter continuado que será custeada pelo resto da sociedade sem nenhuma
contrapartida em termos de serviços públicos. Se o modelo é deficitário,
significa que recursos que poderiam ir para saúde, educação, segurança e
infraestrutura serão destinados ao pagamento de aposentadorias. Quanto maior o
déficit, menos serviços públicos.
Por incrível que pareça, o
gasto social do Brasil em percentual do PIB (24,5%) é superior ao do Canadá
(21,3%) e do Reino Unido (24,0%) e próximo ao da Alemanha (27,3%). Ocorre que
mais da metade desse gasto (12,4%) é feito com previdência e assistência
social. Gastamos apenas 6% com educação pública e 4,8% com saúde pública, 0,5%
com Bolsa-Família e 0,8% com Seguro Desemprego e Abono Salarial.
Os números são eloquentes,
assim como o é nosso atraso econômico e social. Ao negar a necessidade de
reforma da previdência, o que a CPI da Previdência nos diz é que está bom
gastarmos cada vez mais com aposentadorias em vez de aumentarmos os gastos com
saúde e educação. Um verdadeiro tiro no pé.
Título e Texto: Júlio Marcelo de Oliveira é procurador
do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União. Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2017, 13h18
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Perguntei a um colega ,o que ele achava da lei que regulamenta a previdência.
ResponderExcluirEle respondeu-me ; - É indispensável para resolver os problemas que surgirão em 2038 !
Então ...????