Guerra se vence com soldados,
canhões, estratégia, boas alianças, propaganda, dinheiro. Repito aqui
constatações conhecidas da sabedoria convencional. Sob outro ângulo, no período
da descolonização (o pós-guerra) apareceu o dito: “A guerra nas
colônias se ganha nas metrópoles”. Não era só aquilo posto acima,
havia mais. De outro modo, em muitas ocasiões a guerra se vence sobretudo nos
embates da opinião pública. Assim foi com os Estados Unidos, perderam a guerra
do Vietnam nas suas grandes cidades. De quase nada adiantou o poderio técnico e
o heroísmo dos soldados nos campos de batalha do sudeste asiático. Assim foi
com a França. Assim foi com a Inglaterra.
Napoleão Bonaparte punha outro
fator na dianteira: “Raramente tirei a espada, porque ganhava as
batalhas com os olhos e não com minhas armas”. Era a presença do Corso, e
nela o olhar, galvanizando as energias dos batalhões que então se lançavam com
frequência irresistivelmente ao ataque. Mudou a história da Europa, até do
mundo. Em geral para o mal, infelizmente.
Sun Tzu, quatro séculos antes
de Cristo, ensinou em “A Arte da Guerra”: “Os que conseguem que se
rendam impotentes os exércitos inimigos sem lutar, são os melhores mestres da
arte da guerra. Um verdadeiro mestre das artes marciais vence forças inimigas
sem batalha, conquista cidades sem assediá-las. A vitória completa se produz
quando o exército não luta, a cidade não é assediada”. Curto, a guerra se
ganha ou se perde no dinamismo das convicções e propensões interiores, antes
que nas armas.
Presenciei fato que tem
analogias com as realidades acima ventiladas. Foi há uns 15 anos em sala
festiva; não darei os nomes, pois as pessoas estão por aí. Era comemoração,
sentava-me distraído atrás de um ex-presidente da República e de seu antigo
ministro da Justiça. Falava o homenageado, episódios da vida na empresa,
plateia entretida. O antigo ministro da Justiça sussurrou nos ouvidos do
ex-presidente: “Está explicado o sucesso da construtora, o homem tem
estilo”. Para o político ladino, o grande êxito do empresário não vinha do
dinheiro, não vinha dos técnicos, não era marketing: “o homem tem
estilo”.
Pode parecer outro pulo, mas
continuo no mesmo rumo. Corria março de 1958 (três meses antes da Copa do
Mundo), jogo simples entre o América do Rio e o Santos. Pelé tinha 17 anos,
relativamente pouco conhecido, era apenas um entre vários no campo. Nelson
Rodrigues, na crônica da partida, intitulada “A realeza de Pelé”,
comentou: “Anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e
fatais. Dir-se-ia um rei. Do seu peito, parecem pender mantos invisíveis. O que
nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de espírito. E Pelé leva
sobre os demais jogadores uma vantagem considerável — a de se sentir rei, da
cabeça aos pés. Com Pelé no time ninguém irá para a Suécia com a alma dos
vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós”. O Brasil, três meses
depois, pela primeira vez ganhou a Copa.
Existe, às vezes benéfica, por
ocasiões maléfica, indefinível força interior, constatada por todos ou, quando
menos pelo que sabem ver, impressionante, decisiva, que se exprime no estilo,
atitude, olhar, passo, conduta, porte, segurança, carisma. No jeitão. As
vitórias e derrotas humanas, mais que o dinheiro, os ótimos silogismos e a
organização, devem-se a fatores imponderáveis (ou muito dificilmente
ponderáveis e explicitáveis), como os relatados acima. O que são? Impulsos
potentíssimos, não raro bafejados pela graça ou pela tentação. Contra eles,
quando aviventam o mal, existe reação possível? É difícil, mas o começo está na
temperança, cabeça fria e raciocínios claros.
Pretendia falar sobre a
situação do Brasil. O que estará nos esperando na esquina, já agora maquinado
debaixo de nossos narizes? Daqui a quatro anos, o que supor que enfrentaremos?
Pensando bem, tratei da
situação brasileira, ainda que tenha deixado de lado no momento a corrupção,
privatização, estatismo, reforma da Previdência, posição da alta magistratura,
Lava-Jato, articulação da esquerda (CNBB, PT, PSOL, sei lá mais o quê), avanço
da China, Venezuela, pingos ácidos de desmoralização sobre correntes
antipetistas. Reconheço, sem nenhuma reserva, são assuntos fundamentais,
reclamam análise urgente, embebida de discernimento. Mas ficam para próximo
texto, meu espaço acabou.
Guerra se vence com soldados,
canhões, estratégia, boas alianças, propaganda, dinheiro. Com olhos. Não nos
esqueçamos, no panorama podem estar atuando fatores pouco notados, enormemente
importantes — fatos, pessoas, modas, estímulos, proibições tácitas. Espero, o
texto terá o condão de atrair, ainda que brevemente, a atenção sobre eles.
Dar-me-ia por satisfeito.
Título, Imagem e Texto: Péricles Capanema, ABIM,
21-3-2019
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