Helena Matos
Patrões responsabilizados pelos
"olhares insinuantes" trocados entre os seus empregados. Registos e
mais bases de dados. Um Estado acima da lei. Portugal está entregue aos ativismos.
Até quando?
Como estará Portugal quando a frente
de esquerda for derrotada? Valha a verdade que a pergunta – Como estará
Portugal quando a frente de esquerda for derrotada? – não está bem formulada
pois, como a experiência por esse mundo fora mostra, dificilmente uma frente de
esquerda aceita ser derrotada pelas oposições. Convém, contudo, que perguntemos
uma e outra vez – Como estará Portugal quando a frente de esquerda for
derrotada? – porque essa é a pergunta-chave da questão.
Seremos um país com dois sistemas? Nas
próximas semanas milhares de empresas – mesmo aquelas que só têm um trabalhador
– terão de entregar o Relatório Único de Higiene e Segurança no Trabalho mais os
seus seis anexos (vá lá, é só clicar e tentar preencher os ditos anexos!),
obrigação de que sabiamente o Estado isentou os seus serviços. A isto junta-se
o Registo Central de Beneficiário Efetivo (RCBE), nova obrigação também a cumprir com a chegada desta
primavera, justificada com o magno propósito de identificar todas as
pessoas que controlam uma empresa, fundo ou entidade jurídica de outra
natureza. (Não deixa de ser extraordinário que no país em que o nome dos
grandes devedores do banco público quase se tornou segredo de Estado tenhamos
esta exigência de registo da identidade dos sócios para toda e qualquer
empresa, seja ela um fundo imobiliário ou a churrascaria da esquina).
E que dizer da lengalenga da proteção
de dados que agora se acrescenta a qualquer contrato, sob a ameaça de multas
até vinte milhões de euros, multas essas de que o Estado mais uma vez se
dispensou?… Lei a lei, decreto a decreto, regulamento a regulamento o
Estado torna-se, em Portugal, uma cidadela acima da lei, devidamente sustentada
por esses seres de segunda, sempre sob suspeita, que dão pelo nome de privados
e de quem o Estado exige aquilo de que a si mesmo se isenta.
A burocracia crescente, as exigências
de relatórios, planos e registos, tornam cada vez mais difícil a vida das
empresas, sobretudo das mais pequenas (o socialismo sempre preferiu ter como
interlocutores grandes patrões). Há exigências como a do Código de Boa Conduta para Prevenção e Combate ao Assédio Sexual –
qualquer empresa com mais de sete trabalhadores tem de ter um código destes –
que claramente transformam num inferno a vida de um pequeno ou médio empresário
equiparado por força destes códigos a uma espécie de vigilante dos atos,
palavras e até “dos olhares insinuantes” trocados pelos seus funcionários
(sobre a temática dos “olhares insinuantes” consultar a página 4 do “GUIA PARA A ELABORAÇÃO DE CÓDIGO DE BOA CONDUTA PARA A PREVENÇÃO E COMBATE AO ASSÉDIO NO TRABALHO“).
Tudo isto vai acontecendo sob o
silêncio de boa parte das organizações empresariais mais dadas a discutir
subsídios e apoios do que a defender a livre concorrência. Quando a frente de
esquerda for derrotada ou mais provavelmente quando deixar de reunir as
condições para governar, Portugal será um país em que o setor privado estará
transformado numa espécie de franchising
que o Estado licencia e tolera pois só assim consegue obter os impostos sempre
insuficientes. A excepção, como sempre, serão os empresários amigos e os
banqueiros íntimos.
Um país sob a supervisão dos ativistas.
“Neste momento o Governo anunciou 12,8 milhões de euros para sete concursos na área da igualdade de gênero. A maior parte do montante vai para os concursos do POISE, com prazos até meados de Abril: 3,5 milhões de euros para a “formação de públicos estratégicos” e seis milhões para a capacitação de organizações não-governamentais (ONG) e “outras entidades da sociedade civil sem fins lucrativos que atuam nos domínios da promoção da igualdade entre mulheres e homens, do combate à violência doméstica e de gênero e do combate à discriminação contra pessoas LGBTI.” Portanto, no fim de março, o Governo
anunciou milhões de euros a distribuir em concursos que terão lugar daqui a
umas três semanas. Curioso, não é? A outra parte do espanto nasce daquilo
em que se gasta o dinheiro tão rapidamente distribuído: formação de públicos
estratégicos e capacitação de organizações não-governamentais (ONG). Digamos
que são muitos milhões de euros gastos em agitação e propaganda.
A fase em que os ativistas se
limitavam a condicionar as agendas mediáticas deu lugar a outra etapa: o ativismo
tornou-se num setor de serviços que explora a fileira da indignação da moda. A
realidade não lhes importa. Mas convém que nos comecemos já a importar com a
pergunta: como é que estas milícias vão reagir quando intuírem que o
totoloto que para elas constituiu o atual acordo governativo pode estar a chegar
ao fim?
Um país cheio de extremistas de
direita. Não tenho a menor dúvida que a extrema-direita vai crescer
exponencialmente em Portugal. Chegará aos milhões de militantes. Dificilmente
alguém em algum momento não será de extrema-direita. Quiçá fascista.
Intolerante. Fóbico de não sei quê ou de quem. (O presente delírio com a
extrema-direita dentro e fora de portas leva a situações grotescas como a
preocupação expressa esta semana com a vitória de um partido dito de
extrema-direita nas eleições regionais holandesas quando em Portugal a
extrema-esquerda sem ter ganho eleição alguma impõe a sua agenda).
Com a extrema-direita a ser o que
a esquerda quiser e a extrema-esquerda gritar é mais que óbvio que em torno de
todos aqueles que contestam o atual arranjo governativo vai ser criado o cordão
sanitário do costume: quem não está por nós é de extrema-direita.
Quando acabará o governo da frente de
esquerda? Antes de responder convém lembrar que José Sócrates foi derrotado
porque teve de fazer um pedido de ajuda externa. E na verdade foi contestado
pelo que fez pessoalmente e não pela forma como governou. António Costa
prossegue as políticas de Sócrates tendo sobre ele duas vantagens: não tem
oposição nem de direita nem de esquerda, e em segundo lugar o que em Sócrates
era um defeito pessoal – os primos, os amigos e aquela corte estrambólica –
tornou-se agora feitio: este governo de maridos e mulheres não é um acaso é um
símbolo desta forma de ser poder. Gente que governa assim não está preparada
para deixar de ser poder.
P.S.: Após uma leitura
aturada dos jornais desta semana venho propor uma nova
classificação para o terrorismo/terroristas. A saber:
1. O
terrorista anti-islâmico que como o nome indica ataca mesquitas e
muçulmanos. Na Nova Zelândia tivemos um caso claro deste tipo de terrorismo.
Vimos o rosto e soubemos o nome deste terrorista. Não houve dúvidas sobre as
suas intenções.
2. O
terrorista. Apresentado unicamente como terrorista opera
geralmente em África e na Ásia. Tem os cristãos como alvos. Mas nunca é
apresentado como anticristão ou anti o quer que seja. É terrorista apenas ou
preferencialmente “membro de grupo armado”. Não tem nome nem rosto. As suas
vítimas são igualmente desprovidas de qualquer elemento que as identifique...
3. O
terrorista sem motivação. Trata-se de um endemismo europeu: alguém que age
como terrorista, faz atentados, fere e mata. Mas uma vez detido as autoridades têm
dificuldade em detectar-lhe motivações terroristas mesmo que o terrorista dito
sem motivações confesse, grite e reivindique o seu ódio aos cristãos e ao
Ocidente. Numa evolução recente o terrorista sem motivação transformou-se no
perturbado que pratica atos que parecem terrorismo mas não são terrorismo. Ou
só são admitidos como tal quando o atentado já desapareceu das notícias. Por
exemplo, no atentado que teve lugar esta semana em Utrech o terrorista até fez
questão de redigir uma carta a dar conta das suas motivações mas mesmo assim ainda
não está claro que ele estivesse mesmo motivado.
4. O
terrorista invisível autor de atentados não referidos. Em Itália um
homem sequestrou esta semana um autocarro, com 51 crianças lá dentro.
Amarrou-as e, em seguida, incendiou o autocarro. Anunciou-lhes que iam morrer
porque ele queria protestar desse modo contra as mortes de migrantes no
Mediterrâneo. Após uma perseguição policial as crianças foram retiradas do
autocarro em chamas e o homem em questão, um cidadão nascido no Senegal, foi
detido e as crianças libertadas. Graças ao efeito terrorista-invisível este atentado pouco foi noticiado. O
terrorista invisível, autor de atentados ainda mais invisíveis é a versão mais
moderna do terrorista sem motivação.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
24-3-2019
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