Aparecido Raimundo de Souza
ACORDEI
SOBRESSALTANDO com a
Francisca Ambrosiana, minha mulher cochichando com alguém estranho que não
poderia ser visto por mim. “Vai, vai só lhe resta esta saída”. Meu espanto se
fez maior, quando abri os olhos e os esfreguei três vezes com as costas da mão
direita. Não, com as costas da mão esquerda. Não importa. O que interessa é
que, de fato, esfreguei.
Que droga! Havia um homem saindo, ou melhor, se esgueirando em direção
à varanda. Um homem comprido, de esqueleto magro, só de cueca. Uma cueca
vermelha. Vermelha ou preta? Esfreguei de novo os olhos. Mas como? Impossível!
Estávamos no décimo terceiro! A não ser que o filho da puta fosse irmão gêmeo
do Homem Aranha.
De qualquer forma, com a imagem da cueca e com pulga atrás da orelha,
pulei do sofá como se tivesse molas no traseiro. Precisei me esconder atrás da
enorme estante de livros. Minha filha Ellen, de oito anos, pintou sem aviso
prévio no corredor que desembocava no centro da sala.
- Que foi isso, Francisca Ambrosiana? Que diabo está acontecendo aqui?
Francisca Ambrosiana, os seios de fora enrodilhada numa toalha pequena
que lhe cobria somente aquelas partes proibidas, berrou, fora de si:
- Não está vendo Ricardo? O prédio parece que está com princípio de
incêndio num apê aqui no andar abaixo do nosso. Faça alguma coisa.
- Ligou para a portaria?
- Não.
- Chame o corpo de bombeiros.
Francisca Ambrosiana passou a mão no telefone:
- Você sabe o número?
- Que número Francisca? Da portaria ou do bombeiro?
- Os dois, Ricardo. Qualquer um serve.
- Não faço a menor ideia. Veja na agenda.
- Não temos agenda. Lembra que a última o papagaio picou toda no bico?
- Pergunte pra Maricotinha, nossa empregada.
- Hoje é domingo. Maricotinha está de folga. Esqueceu?
- É mesmo!
- Merda! E agora, o que é que eu faço?
- Sei lá. Se a coisa piorar a gente vai pra varanda e pula.
- Ricardo, estamos no décimo terceiro...
- Verdade. Tudo bem. Cadê a gritaria que não estou ouvindo?
- Acho que nesta altura do campeonato foi alarme falso.
- Como é que é?
- Eu disse Ricardo, que foi alarme falso. A Bia do 501 interfonou a
pouco. Me deixou desesperada.
- Por que desesperada?
- Porque fui pega de surpresa. Não pretendo morrer queimada... como
uma galinha dentro de um forno...
- É impressão minha ou você está me escondendo algo?
- Acho que você ainda está dormindo. Tá vendo no que dá chegar tarde
da noite e ainda por cima bêbado feito um gambá? Acorde, homem de Deus. Olhe o
relógio. Quase sete da manhã.
- Não cheguei bêbado, Francisca Ambrosiana. Estava com os amigos e com
os diretores da empresa. Por favor, não mude de assunto. Quem foi que saiu
daqui se escafedendo ai para a sacada?
- Pra onde?
- Sacada, Francisca. A mesma coisa que varanda.
- Eu sei. Não sou burra.
- OK. Quem saiu em direção a ela?
- Posso jurar que vi um sujeito trajando uma cueca vermelha, ou preta,
passando meio que assustado. Tive a impressão de um coelho diante de uma
raposa.
- Ficou maluco? Ainda que fosse alguém, como sairia daqui? Voando?
- Suponhamos que fosse um gatuno com asas imaginárias?
- A cada dia você mata nosso casamento, aos poucos. Sem mencionar que
fica mais lesado da cabeça. Ricardo pensa! Lá sou mulher de arranjar amantes?
- Nesta altura do campeonato. A mim me parece que você está dando mais
voltas que cubo de gelo em copo de pinga. Desembucha. Quem era o fulano?
- Meu Deus, Ricardo! Que fulano?
- O que saiu em direção ao alpendre.
- Vá lá conferir...
Na aba de perder a paciência, abandonei o esconderijo fungando. Eu
realmente fungava.
- Vou mesmo... e agora...
Precisei retornar ato contínuo. Minha filha Ellen, pescoço esticado,
atenta a tudo, deu sinais de vida.
- Mãe, mãe, por que o pai está pelado?
Francisca Ambrosiana, furiosa, se voltou para nossa filha sem sofrear
o impulso de repreendê-la e mandou que saísse dali imediatamente.
- De meia volta e vá escovar os dentes. Tomou seu café? Olha a escola. Vai perder a
aula. A Van do Tio Augusto deve estar chegando. Ande menina. Mecha-se.
Nossa filha, esperta e despachada, não se fez de rogada.
- Mãe, hoje é domingo. Não tem escola.
Francisca Ambrosiana não perdeu a cor da serenidade. Nem a lisura da
esportiva. Emendou disfarçando sua gafe de forma a parecer normal.
- Eu sei que hoje é domingo, sua besta. Não discuta com sua mãe. Vá
tomar seu café. Antes passe pelo banheiro e escove os dentes. Depois tire o
pijama.
Ellen em resposta peitou a mãe. Um dos defeitos de Ellen era peitar
tanto a mim quanto minha esposa.
- Mãe, o pai disse que um cara saiu daqui e correu pro beiral. É
verdade? Esta noite quando fui ao banheiro vi a senhora gritando uns negócios
estranhos, no quarto. Parecia estar gemendo. Posso ver se tem alguém realmente
escondido aí nesta porcaria de beiral?
- Beiral? Que beiral?
- Varanda, mãe. Varanda e beiral...
- Infeliz dos infernos. Maldição. Desgraça. Faça o que mandei. Vá
escovar os dentes, trocar de roupa e tomar seu café.
- Por que a senhora está tão nervosa e afobada. Por que se cobriu com
esta toalha tão pequena? A senhora disse que o prédio estava com fogo no apê
aqui de baixo. Cadê o fogo, mãe? A fumaça, eu não estou vendo fumaça nenhuma!
Os gritos? – Não ouvi gritos. Mãe, por que o pai está com a bunda de fora
amoitado atrás da nossa estante?
- Deixe de fazer perguntas, sua cachorra dos quintos do capeta. Faça o
que eu mandei praga de garota enxerida das profundezas. Deixa de tagarelar.
Suma daqui, suma daqui...
Neste momento alguém tocou a campainha da porta da sala.
- Quem poderá ser a esta hora – estranhou minha esposa Francisca
Ambrosiana. Não poderia ter usado o interfone?
Ellen acometida pela curiosidade da idade correu na frente e
escancarou o acesso do hall estabanadamente. Era Getúlio, o porteiro,
acompanhado do seu Pedro, o síndico e mais uma dúzia de criaturas sorumbáticas,
inclusive o pessoal do corpo de bombeiros e do SAMU.
- Bom dia menina Ellen, bom dia dona Francisca. Desculpe incomodar a
esta hora não interfonando. Seu marido Ricardo se encontra?
– Seu Getúlio pode me explicar o que está acontecendo para vir bater a
estas horas em minha residência – indagou minha mulher cobrindo os mamilos
entre as cortinas que davam abrigo à varanda?!
- Perfeitamente, senhora. Alias este assunto, não podia esperar... dai
a urgência...
- O que aconteceu, seu Getúlio? Vamos precisar sair do apartamento em
vista do incêndio aqui no piso de baixo?
- Não dona Francisca. Não temos nenhum incêndio. Desculpe! O fogo em
questão está exatamente aqui dentro. Mil desculpas pela intromissão, e, claro,
pela indiscrição. Falo por mim e em nome dos demais aqui ao meu lado. Vamos
direito ao ponto. O rapaz que chegou com a senhora, em seu carro, ontem, por
volta das vinte horas está lá em baixo...
- Rapaz? Que rapaz? Não chegou nenhum rapaz comigo...
- Desculpe. Perdão, de novo. Chegou sim. Todos nós aqui acabamos de
confirmar pelas câmeras do circuito interno de TV. Eu diria, sem medo de errar,
o mesmo que acabou de se atirar da sua varanda...
Ao ouvir isto uma tremedeira se apossou de mim. Fiquei cego. Descontrolado. Emputecido dentro
das roupas, digo da minha falta de roupas. Sai de trás da estante pegando uma
reta cortando caminho por sobre uma mesa de centro. Entrei em cena, aturdido, a contrariedade e o
ódio dando lugar à aflição. O porteiro e os demais se assustaram ao se
depararem comigo stripteaseado, totalmente sem uma peça de pano que fosse
cobrindo a nudez desavergonhada dos meus pendurados.
Em questão de segundos, uma multidão vestida de semblantes arregalados
caiu sobre minha pele, acompanhada de um único óh!... como um começo de mantra
se consumindo, em uníssono.
- Como disse? – explodi azedo. - Que rapaz é este? Francisca se livre
desta cara de Madalena arrependida e me explique o que está acontecendo aqui? -
Getúlio, que porra de história é esta?
Antes que o porteiro Getúlio dissesse alguma coisa, a voz da minha
filha Ellen ecoou por todos os cantos, como uma piada pronta, de profundo mal
gosto.
- Mãe, mãe, mãe... por que o pai está pelado?!
A coisa então se agravou. De
repente tomou proporções gigantescas. Francisca Ambrosiana desmaiou e a galera
que se fazia acompanhar de Getúlio, entrou em desabalada carreira para
socorrê-la.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Ribeirão Preto interior de São Paulo. 19-3-2019
Colunas anteriores:
“66 aos 19”.
ResponderExcluirApa,
Apesar de estarmos juntos 24 horas por dia, e apesar, também, de já ter dado a você o meu presente por este dia que é só seu, passei aqui pela casa da Família “Cão que Fuma” para lhe desejar, de novo, UM FELIZ ANIVERSÁRIO.
E pedir, claro, ao Pai Maior, que lhe de muitos e muitos anos de vida. Que o “19” de sua vida, dia de São José, se renove por muitos e infindos janeiros, e, que em todos eles, eu possa estar ao seu lado, como agora, comemorando junto, lado a lado, ombro a ombro.
Somos, na verdade, há onze anos (onze anos, lembra?!) unha e carne, meia e sapato, óculos e lentes. Viva, pois, os seus SESSENTA E SEIS anos, com muito amor, com muito carinho e que você continue sendo este patrão maravilhoso. QUE DEUS O PROTEJA SEMPRE E GUARDE.
Da sua amiga, parceira, às vezes chata, mas companheira inseparável,
Carina Bratt.
(Secretária e Assessora de Imprensa).
De Sertãozinho, Ribeirão Preto, interior de São Paulo, em 19 de março de 2019.
Ca, que lindo! Meia e chulé, cama e colchão, janela e cortina, chave e fechadura, porta e ferrolho, água e torneira, pneu e estepe, caneta esferográfica e tampinha de caneta esferográfica, fósforo e caixinha de fósforo, chapéu e cabeça, dia e noite, cabra e cabrito, galinha e galo, homem e mulher. Você é o meu sol. A luz brilhante a iluminar a minha escuridão. E claro, a SOLIDÃO. Que você seja eterna dentro do meu coração em festa.
ResponderExcluirda Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, Aparecido Raimundo de Souza.