Aparecido Raimundo de Souza
“O estranho deixa de ser estranho, quando
não vemos a coisa pelo lado erradamente estranho e incomum aos olhos”.
“Pity” pensadora maluca – Estação do Metrô Siqueira
Campos, Rio de Janeiro.
TENHO VISTO COISAS ESTRANHAS, do arco da velha por este mundão de meu Deus.
Algumas pitorescas que fogem ao comum e, por esta razão, acho interessante. Por
norma, costumo anotar num pedacinho de guardanapo para não esquecer e rever
depois, usando ou não como ilustração para um de meus próximos textos. Outras
vezes, atiro o que anotei no primeiro cesto de lixo e fim de papo. Dia destes,
parei para almoçar em São Roque, interior de São Paulo, num restaurante beira
de estrada às margens da Rodovia Raposo Tavares. A placa de papelão mal
escrita, anunciava: “CUMIDA CAZEIRA A PRESOS MODICOS”. Grafado desta forma, sem
a correção das aberrações linguísticas.
Antes de sentar numa das mesinhas
justapostas no salão enorme e pedir a refeição, resolvi tirar a água dos
joelhos e lavar as mãos. Pois bem. O que me chamou a atenção, logo que entrei
no pequeno reservado, no fundo do corredor que terminava numa escada em
caracol. O local destinado aos mictórios. Ali não havia conspicuidade e alinho.
O WC era unissex, e servia, igualmente, para os clientes e funcionários. Deduzi que final do expediente, os
funcionários tomavam banho e se aprontavam ali, aos trancos e barrancos. Poucos
lavabos de restaurantes oferecem chuveiros. Os locais destinados a estes
particulares geralmente são exclusivos para empregados e o público não tem
acesso. Como opção, todavia, este, por algum motivo, fugia completamente à
regra. Não havia sequer mijatório. Uma única bacia imunda e fedida sem a
cordinha da descarga servia à galera, sem distinção. No fundo dela, uma bosta
de olhos rubros me encarou numa visão meio que animalesca.
Esqueçamos a bosta. Vou me
concentrar descrevendo não a latrina emporcalhada e ascorosa (não confundir com
asquerosa, até porque é a mesma coisa), mas o chuveiro. Sensacional. Nunca
havia visto algo tão casculoso. O troço se constituía num cano fino e comprido,
no fim do qual, uma regadera de plástico completava vedando-lhe a boca. Até aí
tudo bem, não fosse pelo fato da ducha estar virada totalmente para o teto.
Imaginei de pronto, uma pessoa tomando banho, com aquela geringonça incomum,
posicionada em linha antagônica. Teria que ser malabarista. E dos bons.
Certamente, ao abrir a torneira, fazê-lo somente quando estivesse totalmente em
pelo, e ensaboado, dos pés à raiz dos cabelos, levando em conta que a água
esborraria para o estuque.
Intencionasse, pois, se livrar do
sabão, ou do calor, necessitaria subir no vaso sanitário. Trepar com cuidado,
como se pisasse em ovos, para não escorregar e se estatelar no chão. Antes,
grudar, na alça do vitrô que ficava ao lado. Todavia, se assim agisse, se se
agarrasse no minúsculo basculante (com um dos vidros quebrados, e no furo do
vitral, uma calcinha suja enfiada), o jorro da água estaria encharcando
literalmente o infinito. Ora, bolas! Para ficar na postura da ducha, seria
igualmente impossível e improvável, além de penoso e martirizante, a não ser
que a criatura tivesse parentesco, ainda que distante, com a mulher gato ou com
o homem-aranha, se fixando, como eles, na parte de cima da edificação, de
cabeça para baixo.
Fui um pouco mais longe na minha
louca viagem: imaginei uma das atendentes (duas gatinhas lindas, diga-se de
passagem), no final do expediente, entrando, apressada, para o asseio das
partes, apreensiva, com o horário do ônibus para chegar em casa mais cedo.
Encarar o marido, tirar umazinha rápida, de galo no cio, antes da novela das
nove e depois, aos peidos, cair, de vez, nos braços de Morfeu. Que ofício ou
que encargo difícil! Careceria, num primeiro momento, se utilizar do vaso como
cadeira, correndo o risco da boca porcelanada se quebrar e, num piscar de
olhos, a pessoa se ver, incontinente, num conjunto de situações
constrangedoras. Por segundo, esticar uma das mãos (tendo a outra apoiada na
parede) malabarizando, certeira, voltando o chuveiro com os furinhos à posição
normal.
Efetivamente, um chute nos
colhões (se homem) ou nas “piriquitas”, se mulher. A cobertura alta demais. Sem
contar com tudo no antagônico dos avessos. Até com o uso de uma escada destas
pequenas, não daria pé. Resumindo, não havia forma de segurar na pinguelinha da
miúda veneziana. Para completar, o fato de que o corpo, com o peso,
escorregaria fazendo forte pressão para baixo. A carcaça não se sustentaria
(por mais que encorajado, esse alguém possuísse compleição forte e robusta), e,
por último, levando em conta que o usuário fosse não encorpado, porém, magro e
seco como bacalhau de porta de venda, seria deveras trabalhoso um asseio normal
sem complicações por menor que elas se apresentassem.
Em paralelo, outro problema
saltava corroído e suado. Os fios que
ligavam a eletricidade. Os dois polos vagavam desencapados e expostos. Por
azar, qualquer um que passasse por todas as etapas conseguisse se equilibrar
feito malabarista em corda bamba, poderia, no minuto seguinte, levar um choque
tremendo e cair de supino, na bacia da privada, de cara na merda, ou no pior
dos mundos, morrer eletrocutado e fedido. Sem mencionar o fato de que o mísero
ambiente ficaria completamente inundado. Ainda por esta ótica, dos males o
menos “mau”. A porta não possuía chave, nem qualquer tipo de tranca ou tramela.
Chegasse um gaiato inesperado,
desavisado, na hora em que o infeliz (ou uma das moças estivesse se aprontando
para se dependurar), sem mais nem menos, metesse a mão e empurrasse a porta -,
o que acha que aconteceria? Se fosse uma dama, flagrada de cabeça para baixo,
nua da sola ao altaneiro, como explicaria um vexame de tamanhas
proporções? Ao contrário, mesmo modo, um
macho, a coisa igualmente se consubstanciaria penosa e ridícula. Em síntese:
até o sujeito que abrira a porta entender a história de estar o sujeito com as
partes expostas, de cabeça para baixo, seria vítima de uma aguerrida confusão.
Achei por bem parar com esta
mania de divagar e voltar à realidade. Melhor coisa, sem dúvida, consagrar o
estômago mastigando alguma coisa que me fizesse esquecer a fome que começava a
dar sinais de impaciência. Acabei meu xixi, lavei as mãos e regressei ao salão,
onde prontamente me vi atendido por uma das graciosas barwoman que se acercou
de mim, rebolativa, com um sorriso de canto a canto da boca, num rosto tímido
que me comoveu pela simplicidade. Devido ao abraso reinante, sua pele brilhava
e a alma, aprisionada pela tensão da correria, parecia eletrificada por um
amontoado de cordéis invisíveis. Se alguém a tocasse provocaria faíscas e as
luzes do seu eu interior certamente se acenderiam como lâmpadas de um letreiro
com lampejos ínsguios de neons multicoloridos.
Juro por tudo quanto é sagrado.
Gostaria de ser o imprudente travesso, o babaca do momento e flagrar aquela
linda mocinha, ali na minha frente, à espera do meu pedido (pelada -,
peladinha, sem nada -, como saiu do ventre da mãe, às voltas com o impossível,
tomando seu banho) se deformando, se contraindo, como uma macaquinha peralta
fazendo um milhão de traquinagens naquele quartinho invulgar debaixo daquele
pedaço de cano com o crivo do coador de água direcionado estapafurdicamente na
proa do telhado.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa
Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.
22-2-2019
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