A degradação progressiva e profunda do SNS
é inquestionável, mas é imputável a ninguém mais senão a um Governo que apenas
acorre às reivindicações das classes profissionais que falam mais alto.
Jerónimo de Sousa, o
sustentáculo popular-sindical-operário do Governo de António Costa, está
empenhado numa cruzada pelo Serviço Nacional de Saúde.
Segundo o que diz – e eu não
duvido – o secretário-geral do PCP, está em curso a “destruição do Serviço
Nacional de Saúde”, através de uma “poderosa operação” que tem como
consequência a “degradação do SNS e a captura dos seus profissionais e
utentes”. Nas suas eloquentes palavras, “o Serviço Nacional de Saúde está a
sofrer um dos maiores e mais agressivos ataques dos seus 39 anos de vida com um
objetivo claro de criar dificuldades ao funcionamento do SNS, desvalorizá-lo e
fragilizá-lo”.
Pois bem — eu quero juntar-me
a esta luta! Está efetivamente em curso uma ofensiva, um ataque cerrado, diria
até um bombardeamento contra o SNS, que afeta gravemente aqueles que dele
dependem e que dele mais precisam – os doentes, particularmente os mais
vulneráveis e de menores recursos.
Está em causa uma ofensiva,
sim, repito — o diagnóstico do PCP está correto quanto aos sinais e sintomas.
Simplesmente, enganou-se a toda a prova quanto à etiologia.
A degradação progressiva e
profunda do SNS é inquestionável, mas é imputável a ninguém mais senão ao
Governo. Sim, o Governo de António Costa que acorre às reivindicações das
classes profissionais que falam mais alto; o que acalma os protestos com
dinheiro (que depois falta para investir, claro); o mesmo que oferece as 35
horas de trabalho semanais e descarta, irresponsavelmente e com displicência, a
possibilidade de isso acarretar despesa para o Estado; sim, esse que cativa,
cativa e cativa, abandonando os hospitais públicos à sua sorte.
Sejamos claros: a
responsabilidade é de um Governo que, enfim, presta atenção a todos, exceto
àqueles que não têm voz, não fazem greve e não protestam nas ruas nem
reivindicam às portas de Belém – os doentes, pois claro.
Para Jerónimo, a culpa é dos
privados, evidentemente. Que fazem chantagem, que querem expandir o seu
negócio, que prosseguem uma estratégia de enfraquecimento do SNS para se
arvorarem em alternativa ao serviço público. E nem uma palavra para o
desinvestimento, a irresponsabilidade e o populismo do Governo nas coisas da
saúde.
Isso pouco interessa, como
interessa pouco que se discutam as contas do hospital de Braga ou se resolvam
os diferendos com a ADSE – o que importa é correr com os privados, seja à custa
do que for (especialmente dos doentes).
No entender do Tribunal de
Contas, convém recordar, a situação financeira do SNS é extremamente débil,
pois que a sua recapitalização não tem sido suficiente nem permite a
“sustentabilidade da prestação de cuidados de saúde à população no médio e
longo prazo” — os seus fundos próprios caíram para níveis de 2008. E, por isso,
as dívidas a terceiros aumentaram dramaticamente (o rácio de endividamento é o
que parece permitir que a máquina continue a funcionar, mesmo aos solavancos).
Por outro lado, os atrasos no acesso a cuidados de saúde aumentam sem parar,
quer para consultas, quer para cirurgias.
Para o PCP (e para o seu
Governo, naturalmente), a culpa é dos grupos privados de saúde. Mas para o
Tribunal de Contas, a culpa é de quem, por ex., eliminou a emissão de
vales-cirurgia (quando o tempo de espera ultrapassava os limites) que permitiam
aos utentes que, antes de desesperarem (ou pior), pudessem recorrer ao sector
privado e social. Uma decisão que, nas palavras do Tribunal, “teve efeitos
negativos sobre os tempos de espera dos utentes, que poderiam ter visto a sua
situação resolvida mais rapidamente se lhes tivesse sido dada a possibilidade
de optarem por uma unidade hospitalar do sector social ou privado”, mesmo perante
um falseamento administrativo dos tempos de espera operado na secretaria.
Há uma ofensiva ao SNS em
curso, sim — por parte de António Costa e dos partidos que o apoiam. Com
responsabilidade muito agravada para o PS, a quem incumbia a obrigação de, com
sentido de responsabilidade e em defesa do Estado Social, proteger o Sistema
Nacional de Saúde.
Porque honrar a memória e o
valioso legado de António Arnaut é seguramente muito mais do que evocar o seu
nome quando dá jeito.
PS. Só para alertar que o Decreto-Lei nº 637/74 (sim, de 1974), que o
PCP agora redescobriu como solução milagrosa e estatista (a requisição civil),
prevê no seu art. 10º, nº 3 que “Quando os bens requisitados tenham preços
tabelados ou correntes, vigoram estes”.
Título e Texto: Luís Reis, Observador,
22-2-2019
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