Humberto Pinho
da Silva
No meu tempo de menino e moço, em terras de
Bragança, ainda havia simpáticas e acolhedoras velhinhas, genuínos relicários,
de velhas tradições e de verdadeira portugalidade.
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Fiandeira e maçadeira, da Vilariça |
Pela fresca de uma manhã de agosto, ainda ensonado
por mal dormida noite, abalava, jovial, da estação de São Bento, em pitoresco
comboio, que mais parecia regressado do passado, das terras áreas e ainda
selvagens, do velho Texas.
Em velhíssima carruagem, de bancos de madeira
envernizada, de cortinas de algodão, encardidas, que desfraldavam como
bandeiras batidas pelo vento, observava o rio, que corria mansinho, sem pressa,
entalado por montes cobertos de vinha.
Após atribulada viagem – comboio, carreira, jerico
–, entrava, finalmente, pelo único caminho lajeado, que atravessava a aldeia de
minha mãe.
Por trás de cada postigo, por trás de cada
portada, entreaberta, pressentia curiosos olhinhos, observadores, como se fosse
estranho ser, recentemente chegado a zoológico.
Em breve, familiarizava-me com a saudável vida
campesina, e sentia-me tão bem, que, por lá ficaria, para sempre, se me
deixassem.
Em noites de luar, o tio João e a “tia” Matilde,
vinham sentar-se na soleira da porta de minha casa. Com eles, ajuntavam-se
outros, em amena cavaqueira.
Para contentarem as crianças, contavam-se velhas e
relhas histórias, algumas com bastante colorau e pimenta, nada próprias para
gente miúda…; que arrancavam reparo dos sisudos, e valentes gargalhadas dos
folgazões.
Entre outras, recordo a da “ Burra de Martim
Tirado”.
Vou tentar reproduzi-la, com o saboroso
linguarejar da região, infelizmente quase desaparecido, porque, agora, todos
querem falar à “cidadosa”:
Ele era uma vez um home que tinha uma burra muito
manhosa. Quando ia ao trabalho, com uma carga de lenha ou pão, sobre as
engarelhas, sempre havia de deixar mal o patrão.
Um dia, que ia com ele, de Martin Tirado, à feira
de Carviçais, ficava para trás… sempre p’ra trás… Até que passou um amigo do
home, e viu aquele disparate:
- Bô! então a burra não anda!? ó João? Esgoda-lhe
uma malagueta debaixo do rabo!
- Bô! ele dará resultado?!
E dito e feito, o home assim fez.
Foi por uma malagueta, esgodelhou-a no lugar
indicado, e o resultado não se fez esperar: a burra desapareceu, a trote, pela
estrada fora.
Vendo que não a podia alcançar, o home, pensou:
“ora se fez andar a burra, também me faz a mim “. E fez a si próprio, o mesmo.
E dai a pouco, corria a bom correr, a caminho de
Carviçais.
Quando passou pela burra, não conseguiu parar, e
apenas pode dizer:
-Bô! tu ainda ai vais? Eu lá te espero, na feira,
que agora não pode ser.
Será que ainda há transmontanos que conheçam essas
velhas historietas, que os avós contavam à lareira? ou ao serão, nas noites de
luar?
Receio bem que não…
Título e
Texto: Humberto Pinho da Silva
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