O amor é a força mais abstrata e também a mais sutil que há no
mundo.
Mahatma Gandhi
Ponha na palma da mão um grão
de areia, bem alvinho. Examine-o bem. Use uma lupa, se necessário. Você faz
tudo isso e conclui que é uma coisa insignificante, não serve para nada.
Depois, fica intrigado porque me interessei por algo tão sem propósito. Afinal,
pensa, interjeitivamente e com alguma razão, que você tem mais o que fazer e eu
devo estar com tempo para jogar fora.
Sou insistente e peço para
você pegar mais um, mais outro e mais outro e uma infinidade de outros mais. Se
fosse possível você fazer isso e tivesse tempo infinito você veria que o
acúmulo de grãos de areia forma aquelas dunas lindas da Lagoa de Abaeté e dos
Lençóis Maranhenses, maravilhas da natureza.
Chove. Uma gota d´água escorre
por sua face e se mistura a outras, que se acumulam, formam um fio d´água,
escorrem em direção a um rio de grande caudal. Aquela gota, tão simples na
estrutura, faz parte daquele rio maravilhoso, hábil a matar a sede de tantos, a
mover turbinas, que geram energia, que impulsiona as fábricas, ilumina os lares
e cidades. E esse rio, como muitos outros, corre, às vezes alegre, às vezes com
rompantes, contornando obstáculos até, remansosamente, parar de ser rio, parar
de ser água doce, e formar, com muitos outros, mares e oceanos.
Aquelas águas dos rios, lagos,
mares e oceanos, a pouco e pouco sobem aos céus pela evaporação, formam as
nuvens, que formam as chuvas, que vão molhar de novo o seu corpo, trazendo,
mais uma vez, aquela gota d´água que beijou a sua face, reiniciando um novo
ciclo como uma espécie de eterno devenir.
Como coisas pequenas, de
aparente insignificado, pelo adunamento, pelo acúmulo, aparentemente sem
propósito, se transformam em coisas tão belas e significativas, coisas que
formoseiam a natureza e se transformam em utilidades e delicadezas que
enriquecem a dão especial significado à vida? Como temos doces lembranças dos
ribeirões de nossas infâncias e dos dias que nos abandonamos ao sol das praias,
corpos molhados pelos folguedos nas águas cristalinas e salgadas do mar.
Agora que notamos que as
dunas, os mares e oceanos se formam, em toda a sua grandeza, de coisas tão
pequeninas, saiamos do campo da materialidade para o universo das coisas
intangíveis e abstratas e especulemos a respeito de que se forma o amor.
O amor! Que sentimento
grandioso! Quão inspirativo é o amor... A poesia e a literatura vivem dele. Um
mar de tinta já virou palavra, que virou frase, que virou ode ao amor. Se
tirarmos o amor das canções, quantas ficarão? Se privarmos os poetas do amor,
haverá inspiração? E as novelas, o teatro, os filmes? Sem ele haveria o
casamento? Haveria marido e mulher? Parece que não. O covarde, temente ao menor
perigo, imola a vida em defesa da amada, sob o impulso ardente do amor. De que
não são capazes os amantes? Cessado o amor, os relacionamentos colapsam.
Vocês hão de me criticar em
insistir na importância de algo sabido e consabido e haverão de sugerir que
deixe isso para os poetas, capazes de nos dizer aquilo que já sabemos, mas da
forma sutil, delicada, revestida de fantasia embevecedora, de que sou incapaz
Conformado, deixo aos vates
tocarem trombetas em elogio ao amor. Isso concedido, volto ao pensamento que
teima em permanecer. Já sei que um grão de areia é a base para a formação das
dunas; a gota d´água, dos rios, lagos, mares e oceanos. Mas resta a questão
ainda não respondida: de que se constitui o amor?
Se reunirmos sábios em
concílio, filósofos em seminário, não conseguirão decompor o amor em sua menor
partícula, em sua pedra fundamental, no fiat lux que lhe dá vida.
Tenho para mim que o amor é
formado por uma verdadeiro Oceano de Higgs. Ele se compõe de pequenas coisas,
coisas moleculares, como o afago, o beijo ardente, o olhar cúmplice e cheio de
sutis promessas, o sentimento angustiante da ausência, a tristeza da partida e
a alegria da chegada, o toque delicado, o velar a doença, o colarinho bem
passado, o prato predileto, o vinho compartido, o respeito ao silêncio, o
prevenir a cerveja geladinha, a dança na penumbra, o jantar à luz de velas, o
caminhar baldio de mãos dadas, a atenção sem sufocar, a junção de esforços, os
segredos compartidos.
Nenhuma dessas coisas, gestos
ou sentimento é, isoladamente, condição suficiente para se ter o amor, mas
todos são condição necessária a que exista.
Enfim, como as dunas e os
oceanos, o amor se edifica de pequenas coisas, coisas delicadas e a apreciadas,
numa confederação de mimos, gozados por quem tem a felicidade de amar e ser
amado.
E a paixão? Bem, a paixão é o
amor em chamas. Arda-se nelas.
Um bom domingo para todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas
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O desarmamento, a insegurança e o velho bacamarte
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