terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

[Aparecido rasga o verbo] Rotina alterada

Aparecido Raimundo de Souza

FAZIA TEMPO NÃO PARAVA um instante para olhar para mim mesmo. Assim tipo, promover uma espécie de balanço interno. Espiar longamente para o que está errado, ver o que falta fazer, repensar certos atos, verificar atitudes tomadas, voltar os olhos para o ontem. Tentar suprir vazios, colocar ordens na casa, na alma, como se fizesse uma auto-observação necessária.

De tempos em tempos é bom darmos uma geral no lado de dentro do nosso corpo para corrigirmos pequenos defeitos, numa espécie de varredura. Lavar, ou pelo menos tentar purificar o espírito de todas as inutilidades. Com certeza, em face desta faxina, o âmago se sentirá mais aliviado. A alma rejuvenescerá e o corpo certamente desinchará.

Até o sangue fluirá com mais intensidade. Meditando se repensam fatos. Repensando fatos, procuramos equilibrar o organismo para que tudo fique em paz e gire em torno de nós, como um imenso carrossel. Assim pensando, chamei o Meu Ser para uma longa conversa, olho nos olhos.  Outros residentes chegaram. Falaram se fizeram presentes, ponderaram. Deste papo, a surpresa maior, no final. Vejam o que aconteceu. 

MEU SER:
Vou confessar-te agora
à distância me apavora
sinto-me mal sem amor.
Sem carinho, sem ternura...
caminho na desventura
d’ uma senda de amargor

Sou barco vagando ao léu
nas ondas deste escarcéu
que se acercam de mim...
estou quase soçobrando
triste batel esperando
chegar afinal meu fim.

Marinheiro sem guarida
tão só ilha perdida,
sou proscrito do amor.
Sente sede de afeto
este vil e pobre feto
neste mar de amargor.

ENTREMENTES...

quem eu não queria
que fizesse companhia
junto ao meu coração,
antes da sua estada,
dá seu nome na entrada:
“Eu me chamo SOLIDÃO”.

Fala SOLIDÃO.  Seja breve.

SOLIDÃO:
“Eu trouxe comigo,
alguém pra ficar contigo,
com quem terás amizade.
Vai falar-te do passado,
do que tenhas mais gostado,
seu nome é “SAUDADE”.

A SAUDADE se aproxima e se abre.

SAUDADE:
“Serei tua amiga inglória
narrarei muitas histórias
de amor, de incerteza.
Mas, se eu tiver que ir,
há de me substituir,
minha irmã –, a “TRISTEZA”.

A TRISTEZA, cabisbaixa, quase em sussurro.

TRISTEZA:
“Serei o teu destino,
e também teu desatino
quando estiveres a sós.
Principalmente agora
que o teu coração chora
embargando a tua voz”.

Interrompo a TRISTEZA, e olho para MEU SER:

Meu prezado, que loucura!
Tamanha a desventura
na qual me pego algemado...
quisera morrer agora
exatamente nesta hora:
estou abatido, acabado!

Do nada, entre em cena a DOR.

DOR:
“Espere... eu sou a Dor.
Sinto imenso desamor
a corroer tua alma.
Ao teu lado quero ficar
te dar  a paz e a calma
preciso contigo morar”.

EU, de novo, enraivecido:

Assim fala-me a Dor
resoluta, com dulçor,
implorando pra ficar.
Ah, minha doce amada
não te posso dar pousada
se o meu amor regressar.

Quisera ter em verdade
comigo a Felicidade
que se foi... sem adeus...
deixou-me há muito tempo
dando lugar ao Tormento,
um dos parentes teus.

TORMENTO, até então quieto, pede a vez. Balbucia.

TORMENTO:
“Deixa-me aconchegar
e como amigo sincero,
continuar no teu mundo...
se não me deixares ficar,
posso até me entrelaçar,
em desgosto profundo”.

EU, todavia, furioso e aos berros:

Tormento eu não te quero
estou sendo sincero
comigo tu não ficarás.  
Bem sei, estou perdido
mas não me pilhei, vencido,
Minha Amada logo chegará.

Para alegria minha e desgosto dos demais, eis quem surge de repente como uma estrela de primeira grandeza. Ela, a minha Amada.

AMADA:
“Que bom que acreditaste
no meu retorno, paixão!
Se magoei teu coração
perdoa – só quero te amar.
Acabou tua infelicidade
Serei a tua Felicidade:
Voltei... voltei pra ficar...”

Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, de São Paulo, Capital. 12-2-2019

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