PS, PCP e BE sempre trataram os transportes
como extensão do seu braço político. A redução dos preços em Lisboa e Porto
pode ser embrulhada noutro papel, mas não deixará de fazer parte desse filme.
A redução do custo dos
transportes públicos é uma boa medida? Sim, é: vai permitir poupança às
famílias, em particular nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, e vai
promover a utilização dos transportes públicos, o que deverá reduzir o tráfego
urbano nas duas maiores cidades do país. É, para além de pertinente, uma medida
eleitoralista? Sim, absolutamente: a proximidade da sua implementação com as
eleições legislativas não representa uma mera coincidência e será inevitavelmente
utilizada para angariar votos. Mas isso é o menos – se a medida é boa para uma
parte da população, é expectável que quem a promova tente daí retirar
benefícios eleitorais. O problema é o resto: através desta medida, expõe-se um
país centralizado e um projeto de poder alicerçado nessa centralização.
Esta medida tem um elevado
custo financeiro, que sai do Orçamento de Estado por ser teoricamente
incomportável para as autarquias das áreas metropolitanas abrangidas – na
verdade, bastaria aumentar impostos locais, como o IMI, para facilmente
angariar a verba necessária, mas isso não seria tão popular. São, portanto, 104
milhões de euros de todos os portugueses que, em 85%, estão destinados a Lisboa
e Porto. Dito de outra forma: os portugueses de todo o país irão pagar algo que
beneficia (quase) exclusivamente quem vive nos grandes centros urbanos e que,
por definição, já tem acesso a condições de vida muito superiores a quem habita
no Interior do território. Condições de vida e de transportes, entenda-se,
porque fora dos centros urbanos não faltam prioridades de investimento nesse setor,
sempre adiadas, a começar pela rede ferroviária que aceleradamente se vai
tornando obsoleta. É inequivocamente injusto: não é só ser o país inteiro a
pagar o que só favorece os mais favorecidos; é também constatar que Lisboa e
Porto teriam alternativas de financiamento (impostos municipais) que, por
conveniência política, não foram utilizadas.
Se é inequivocamente injusto,
há uma razão que tudo justifica. E é uma razão política, como há tempos bem identificou Francisco Mendes da Silva. Se se olhar para
a distribuição dos eleitores pelo território nacional, é precisamente nas áreas
beneficiadas que os partidos da esquerda têm maior enraizamento eleitoral.
Entre os deputados na Assembleia da República, dois terços dos que suportam a
geringonça foram eleitos precisamente nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal,
beneficiários diretos desta medida. Uma zona do país onde é inequívoco o
ascendente político de PS e PCP – os números não deixam margem para dúvidas. Na
área metropolitana de Lisboa abrangida, onde constam 18 concelhos, apenas 3 não
são de esquerda: 9 têm executivos camarários do PS (Sintra, Odivelas, Amadora,
Lisboa, Alcochete, Montijo, Almada, Barreiro, Vila Franca de Xira), 6 são do
PCP (Loures, Moita, Palmela, Setúbal, Sesimbra e Seixal) e apenas 2 de PSD-CDS
(Mafra e Cascais), com ainda a eleição de um independente em Oeiras.
Consequentemente, no total dos vereadores eleitos nestes concelhos (184
mandatos), 71% são de PS-PCP-BE.
Alguns veem nisto uma
coincidência, outros identificam oportunismo. Não se trata de uma coisa nem da
outra, mas de algo maior. É expressão de um projeto político, que distribui
benefícios para onde estão os votos mais fiéis e que aí gera redes de poder,
construindo monopólios locais de influência. De preferência, em nichos
eleitorais com dimensão suficiente para garantir vitórias nacionais – como são
as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. A prioridade é, portanto, agradar
aos seus, de modo a manter satisfeitas as clientelas eleitorais. Numa frase:
governa-se para nunca mais se deixar de governar. Nada de novo, claro, se se
vislumbrar que essa é precisamente uma linha condutora deste governo – como é
exemplo o privilégio atribuído ao funcionalismo público (que também é um nicho
eleitoral), com rápida reposição salarial e redução do horário de trabalho para
35 horas semanais (abaixo das 40 horas mantidas no sector privado).
Se nada disto é novo, também
nada disto é inesperado. Quem rebobinar a fita cronológica até à génese da
geringonça, em 2015, encontrará um enfoque político nos transportes públicos,
que até justificou a reversão de privatizações sob pressão do PCP – cuja força
da máquina sindical na “rua” depende do controlo dos transportes. Desde sempre,
e ainda mais desde o início da atual legislatura, PS, PCP e (em menor escala)
BE trataram os transportes públicos como extensão do seu braço político. Agora,
a redução dos preços dos transportes nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto
pode ser embrulhada noutro papel, mas não deixará de fazer parte desse filme.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
21-3-2019
Passes Sociais
ResponderExcluirO Manel Estadista e a Maria Populista tinham três filhos – o Huguinho Lisboa, o Zezinho Porto e o Luisinho Resto do País –, e todos os dias, quando regressava do trabalho, o Manel Estadista trazia dois presentes: um grande para o Huguinho Lisboa e um pequeno para o Zezinho Porto. Para o Luisinho Resto do País, nunca havia nada. Um dia, cansada da situação, a Maria Populista virou-se para o Manel Estadista e criticou-o pela sua atitude, ao que este, sem hesitar, lhe respondeu: “Oh Maria, não tens vergonha de estar a virar os nossos filhos uns contra os outros?!”
Sérgio Barreto Costa