domingo, 11 de julho de 2010

Na política, como no futebol, prognósticos só depois de o Brasil votar

Esta é a primeira eleição presidencial desde o fim da ditadura em que Luiz Inácio Lula da Silva não é um dos candidatos. Mas será mesmo assim?

Lula da Silva vai abandonar o pódio, e ninguém sabe quem vai ficar á frente do Brasil (Radu Sigheti/Reuters)

Foi dado o tiro de partida. A campanha para as eleições no Brasil começou oficialmente na terça-feira, sem muito entusiasmo, ainda na ressaca da derrota da selecção no Mundial. São nove os candidatos. Três na linha de frente. Dois que realmente vão para o embate final. De um lado, José Serra, do PSDB, de 68 anos, ex-senador, ex-prefeito, ex-governador de São Paulo, ex-ministro da Saúde, candidato à presidência derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2002. Do outro, Dilma Rousseff, do PT, de 62 anos, ex-ministra do Governo de Lula da Silva, que nunca concorreu a um cargo público na vida.
Os dois aparecem tecnicamente empatados na última sondagem (39 por cento para Serra, 38 por cento para Rousseff), mas para o cientista político brasileiro Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa em São Paulo, a candidata do PT entra com uma vantagem competitiva: "Dilma Rousseff nunca disputou qualquer eleição, era até há seis meses desconhecida da maior parte do eleitorado. Estar empatado nessa altura não significa necessariamente uma vantagem para Serra. Esse não é um empate de verdade. O maior erro do PSDB foi achar que a candidata do PT era a Dilma e não perceber que o seu verdadeiro adversário é o Presidente Lula."
No dia 3 de Outubro, quando mais de 130 milhões de brasileiros forem às urnas, o nome de Luiz Inácio Lula da Silva não constará do boletim de voto. Será a primeira vez desde 1989, primeiras eleições directas depois da ditadura militar no Brasil. Mas, antes mesmo de a campanha começar, o Presidente Lula declarou que de algum modo o seu nome estava lá ao referir-se à candidata do PT.
Lula até já comparou a trajectória da antiga guerrilheira à do líder sul-africano Nelson Mandela. "É uma comparação exagerada, mas o facto é que o PSDB subestimou o Presidente", explica o cientista político, "perdeu tempo a achar e a dizer que ele ia mudar a Constituição para tentar um terceiro mandato, Lula tirou uma candidata desconhecida do bolso, que pouco tem a ver com o PT, e que tem a ver com o Governo dele, a que pode associar à sequência do seu projecto político." 
Nos oito anos do Governo Lula, 30 milhões de brasileiros saíram da pobreza e transformaram-se numa classe média pobre mas com poder de compra. Com estabilidade, crescimento económico (previsto para mais de sete por cento este ano) e sem a inflação a travar as políticas públicas, Lula alastrou o Bolsa Família e outros programas sociais pelo país, apostando no desenvolvimento e na inclusão social.
Com um carisma quase inigualável, Lula da Silva deixará o Governo com uma popularidade de 80 por cento. "Não há dúvida de que a estabilidade começou na era de Fernando Henrique Cardoso (FHC), mas foi com Lula que as mudanças foram sentidas. Na política, na hora de votar, ninguém pergunta quem inventou o futebol, todos querem saber é quem fez o golo. E o golo eleitoral é do Lula. Pode parecer injusto para com o Fernando Henrique, mas ninguém vai tirar isso do Lula", sublinha Carlos Melo.
A jornalista Mônica Waldvogel cobriu todas as eleições desde a democratização do Brasil nos anos 1980, mas hoje não tem certezas quanto ao desfecho desta eleição. "Pela primeira vez, o Lula não é um dos candidatos, pela primeira vez o Presidente tem um índice de popularidade de 80 por cento e tem uma candidata desconhecida dos eleitores". 
A jornalista da Globonews brinca ao comparar o trabalho dos cientistas políticos ao dos comentaristas de desporto durante os Mundiais. "Eles falam das probabilidades, que nunca uma selecção da América do Sul passou uma europeia em tal fase, que quem passar nos oitavos-de-final tem não sei quantos por cento de probabilidade de chegar à final, mas não há uma lógica no futebol. É como nestas eleições, não dá para fazer previsões baseado no que aconteceu no passado."
Waldvogel lembra que as últimas sondagens do Instituto de Pesquisas Datafolha mostram que a capacidade de Lula de transferir votos tem vindo a diminuir. "Esta vai ser uma eleição voto a voto, e não vai ser emocional mas racional. Nenhum candidato é carismático, nenhum apela à emoção." 

Por outro lado, acredita que o eleitorado está mais maduro. "Os brasileiros que conseguiram sair da pobreza não querem mudança. Não vai haver uma aposta cega na Dilma. Estes 30 milhões são mais conservadores. Lula só venceu as eleições há oito anos porque conquistou finalmente a classe média, a convenceu de que não ia mudar a política económica de FHC. Dilma também vai ter que convencer a neoclasse média neoconservadora de que não lhe vai tirar o que ela conquistou." 
"Agora o que vai contar é a máquina da campanha, gente na rua, os palanques, e o tempo de campanha na televisão, a partir de Agosto", aposta Carlos Melo. "Dilma terá 40 por cento mais tempo de antena na televisão do que Serra, tem o apoio de duas forças políticas muito relevantes e espalhadas pelo país, o PT e o PMDB, tem palanque em todos os estados - no Rio de Janeiro, por exemplo, o José Serra não tem candidato próprio, apoia o partido da Marina Silva".
O escultor Jorge Victor Taffarel ainda não decidiu, mas está inclinado a votar na candidata do Partido Verde, Marina Silva, que tem 10 por cento das intenções de voto. "Precisamos de pessoas novas sem estes vícios, dos que estão por aí. Mas não acredito que ela tenha força contra a máquina de Brasília", lamenta. O geógrafo Marco Aurélio Ramos, de 26 anos, prefere o partido de Serra, mas admite que até agora na campanha há pouca informação sobre o que os candidatos realmente pretendem fazer. "A minha geração, diferentemente do que se pensa, quer mais informação e menos demagogia antes de definir o seu voto". A produtora de audiovisual Cristina Braga ainda não sabe em quem vai votar. "Acho que a Marina revive o sonho do que o PT significou há oito anos, antes de chegar ao poder, mas não sei se é viável." E conclui: "O que eu adorava era ver a mesma garra e mobilização que o Brasil demonstra durante um Mundial de futebol na hora de escolher os nossos políticos."
11.07.2010 - 09:47 Por Simone Duarte, Jornal “Público”



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