Li um texto assinado pela jornalista Ana Flor na Folha Online. E fiquei espantado. Muito espantado! Às vezes, tenho a impressão de que a maior “revolução” que o jornalismo sofreu não foi exatamente a tecnológica. Raramente li coisa assim. Se houver algum critério técnico que explique este texto, estou aberto ao debate. Vamos lá:
Ex-professora de Serra e Dilma pede votos à petista
Ex-professora dos dois principais candidatos à Presidência, a economista Maria da Conceição Tavares gravou um vídeo pedindo votos para a candidata do PT ao Planalto, Dilma Rousseff.
No depoimento, colocado no ar pela campanha petista, a professora embasa seu apoio no fato de Dilma ser mulher e ter “coração aberto”. Ela chega a dizer que a candidata do PT é “estupidamente inteligente”.
“Preferia ela porque as mulheres têm mais bom coração que os homens, e este povo está precisando que alguém olhe por ele.” Tavares vai na linha da campanha e chama Dilma de “mãezona”, mas erra os nomes de programas como Bolsa Família.
Ao falar de Lula, a economista critica a “grande imprensa”, que adjetiva como “sempre venenosa”. Maria da Conceição é amiga pessoal de José Serra, principal adversário de Dilma na corrida ao Planalto, e já o havia avisado que iria optar pela petista.
ComentoAssim não dá, Ana Flor! Assim não dá porque engana o leitor, querida, ainda que, obviamente, eu confie na sua isenção até debaixo d’água. Quando é que a jornalista vai informar que “ex-professor de Mercadante vota em Alckmin”, por exemplo, referindo-se a José Serra, que lhe deu aulas na Unicamp?
Maria da Conceição Tavares é filiada ao PT e já foi deputada federal pelo partido. Esperavam que ela votasse em quem? Em Serra? É claro que o objetivo da notícia e tentar demonstrar que a “velha mestra”, entre os dois “ex-alunos”, estaria escolhendo aquele — no caso, “aquela” — que considera melhor. Ao esconder o óbvio — a filiação partidária, com mandato e tudo —, o texto faz campanha eleitoral. Se é voluntário ou não, não me interessa. Está jornalisticamente errado.
“É você que fala isso?” Sim, eu mesmo! Não está errado deixar clara a preferência por Dilma, hein? Mas o leitor precisa saber disso. Não há leitor que não saiba o que penso porque há zero de ambigüidade no que escrevo. Jamais se acessa este blog por engano.
HistóriaConceição é tão petista, mas tão petista, que foi ela uma das responsáveis, junto com o preclaro Mercadante, por ter dado o “embasamento técnico” para o PT fazer campanha contra o Plano Real em 1994. Ela tinha a certeza de que daria tudo errado e de que o povo brasileiro iria sofrer horrores.
E não gosta da imprensa, não!, como se nota, faz tempo, embora a imprensa tenha ajudado a fazer a sua fama de competente durante o regime militar. Sei bem do que falo. Quando eu estava na Folha, telefonei para ela para marcar um entrevista para que expusesse, então, com vagar, quais eram as suas críticas ao plano de estabilização. Isto é parte do jogo, leitor: você liga para o possível entrevistado, diz mais ou menos o que quer, vê se ele topa falar, agenda uma data…
Conceição estava tão afogueada com aquela “barbaridade do Real, meu irmão!”, que desandou a falar ao telefone mesmo, logo depois do “boa tarde!”, fais ou menos aos berros, num estilo que se tornou célebre pela contenção verbal, fazendo a sua escatologia, em sentido amplo… Começou a chorar, desolada com os graves sofrimentos que adviriam a este pobre povo e bateu o telefone na minha cara. Coube a Mercadante, depois, no debate público, dar os prolegômenos da Teoria Geral do Desastre do Real, com a pertinência e os efeitos conhecidos. Depois de tudo, Lula ficou tão satisfeito com a sabedoria do companheiro que, eleito, sempre o manteve longe da economia…
Esta é a “professora” isenta Maria da Conceição Tavares, cuja condição de PETISTA E EX-DEPUTADA FEDERAL DO PARTIDO é omitida no texto de Ana Flor.
FatosPor que omitir um dado básico como esse? Ou se faz assim, ou não há notícia. A menos que a Folha Online desse o seguinte título: “Petista vai votar em candidata do PT”. Se há um prenúncio de lead aí, está na gravação do depoimento: “Professora petista grava depoimento em favor de Dilma”. E, nas últimas palavras de uma nota de 300 toques, poder-seía até informar que ela foi professora de Serra.
Ser petista, namorar petista, casar com petista, coisas assim, não qualificam nem desqualificam ninguém intelectualmente, é claro. Desde que a pessoa não atue como um petista fingindo atuar apenas como especialista. E isso vale para economistas e jornalistas.
EncerroSe houver alguma regra do jornalismo que justifique este texto de Ana Flor, estou aberto ao diálogo. Publicarei a contradita com muito prazer. Só não vale me chamar de feio e bobo. Isso até poderia ser verdade, mas Maria da Conceição continuaria filiada ao PT e votando numa petista. Sem contar que, no aniversário de 80 anos da professora, Dilma esteve presente e recebeu a declaração de voto. Já ali se informava que ela tinha sido professora de Serra e que uma petista votaria numa… petista!
A sorte do Reinaldo Azevedo é que Brasileiro só mata Brasileiro para roubar dele, porque xingaram a mãe ou falaram mal do "Timão", senão acabava morto por algum PTista.... Abraços Peter Lessmann
ResponderExcluirAbração, Peter (in Abu Dhabi)! *lol*
ResponderExcluirEscreve Reinaldo Azevedo:
ResponderExcluirA notícia completa: petista, que não foi professora de Serra, vota em petista
Escrevi ontem um post em que fiz restrições a um procedimento de uma reportagem da jornalista Ana Flor, na Folha Online, que informava que Maria da Conceição Tavares, “ex-professora de Serra e Dilma”, havia, entre os dois ex-alunos, optado por Dilma — “estupidamente (sic) inteligente”.
Minha restrição: Conceição não é só a velha professora que escolhe um de dois. É militante petista e já foi deputada federal pelo partido. Ortodoxo que sou, acho que o leitor, ao menos o meu, tem direito a esssa informação básica. E acrescentei: foi a grande teórica da luta do PT contra o Plano Real. A notícia é que uma petista vota numa petista, o que me parece coisa bem corriqueira.
Mas também me equivoquei ao cobrar o que não se escreveu e não corrigir o que se escreveu. Maria da Conceição não foi professora de Serra. Os dois são amigos, conviveram no Chile e escreveram artigos a quatro mãos, um deles considerado uma referência: “Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento recente do Brasil”. Por ocasião dos 80 anos de Conceição, o candidato do PSDB à Presidência escreveu um artigo bastante terno no Globo (íntegra aqui).
Ok. A notícia, agora, fica ainda mais completa: “Petista, que não foi professora de Serra, vota em petista”. Pode parecer um pequeno passo para a política eleitoral, mas é um salto para o jornalismo.
Por Reinaldo Azevedo