quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ministra do Supremo Tribunal se condói com os haitianos. Já os "aerusianos", esses, são brasileiros...

Ai de mim, ai de ti, Haiti
Cármen Lúcia Antunes Rocha, O Globo, 06/09/2010 
Nenhum homem é uma ilha, repete-se. Mesmo uma ilha pode não ser uma ilha, digo. O ilhamento de um homem é tristeza; o de um povo, um perigo. A onda que arrasta o outro pode ser a mesma que me afogará amanhã. O que derruba alguém pode ser o anúncio do terremoto que me abaterá amanhã. O outro é aquele que passa antes, às vezes, o que poderá ser meu sofrimento depois. E, se assim não for, o sofrimento mesmo dele já é uma ferida que me dói.
O Haiti não é apenas uma ilha, linda ilha que, ao olhar que deito do sobrevoo em sua proximidade, me faz pensar que o céu derramou-se naquela amplidão. O Haiti é um povo em permanente estado de luta contra adversidades impostas pelos colonizadores de antes, o descaso, depois, e um certo sentido de comiseração, mais que de compaixão. É desse, no entanto, que todos nós precisamos.
Os revolucionários oitocentistas fizeram do azul a cor-símbolo da liberdade, ausência de limites. No azul intensíssimo do Caribe, a experiência haitiana mostra sinais de limites de variado matiz. Parece que ali o mar é sussurro permanente a lembrar que viver é preciso, navegar...

E segue o mundo surfando em águas nem sempre amenas, deslembrando-se de que a internacionalização das relações políticas põe à vista que estamos todos no mesmo barco. Não há sobreviventes isolados, ou, pelo menos, não há garantia de que, se uma parte do mundo for bem, obrigada, a outra pode ser desprezada.
Na mundialização econômica e política atual, nem ao menos uma ilha é uma ilha. Os que não sucumbimos em terremotos, nem dormimos sob o signo do medo dos ventos, somos iguais aos que não podem adormecer com calma. Como diria Sartre, como toda a humanidade, somos metade vítimas, metade culpados.
O Haiti é um povo ferido pela ganância insensata dos homens e pela revolta incompreensível da natureza. Melhor é saber que, mesmo poucos, muitos dos quais brasileiros, há quem esteja a ajudar, quando a solidariedade nem sempre atravessa a soleira da porta da maioria.
Os haitianos não parecem cansados de lutar. Seguem varrendo os destroços de construções arrasadas como quem ara a terra do que passou para dar espaço à semeadura nova. Parecem cultivar a certeza de que serão os jardineiros da safra que os alimentará no futuro.
Aprendi que, pessoal ou socialmente, felicidade não é destino, é construção. Se um homem não é uma ilha e uma ilha não é um isolamento humano, é imperioso que a construção ou a reconstrução seja plural. Se não for por benquerença, seja por sensatez: de mãos dadas a caminhada é mais fácil, mesmo quando os pés se esfolam pela aridez da trilha. E ai de mim, ai de ti, Haiti, se não estivermos juntos para construir o que queremos que venha. Pode ser, então, que a sorte afunde no azul intenso de um mar qualquer e que, assim afogada, ela faça-nos náufragos da aventura humana mais benfazeja.
CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA é ministra do Supremo Tribunal Federal. 

Carta de Rubens de Freitas para a ministra Cármen Lúcia:
Digníssima Ministra Cármen Lúcia

Acabei de ler o artigo que V.Excia publicou no jornal O Globo de 6 de setembro, sob o título "Ai de mim, ai de ti, Haiti", onde a senhora manifesta de forma brilhante sua solidariedade aos nossos irmãos haitianos. Impressionou-me a forma como a senhora o fez, demonstrando sobretudo uma sensibilidade inexcedível. Nota-se claramente em suas palavras o carinho e o amor que a senhora tem pelos seres humanos. Ministra, ouso dirigir-me a V.Excia para pedir, ou melhor, IMPLORAR a mesma demonstração de amor, carinho, comiseração e sensibilidade por 10 mil aposentados da Varig pelo Fundo de Pensão Aerus. São cidadãos brasileiros que trabalharam a vida inteira e contribuiram para o fundo de pensão visando uma velhice tranquila, sem sobressaltos. A situação hoje é extremamente crítica. Estes brasileiros estão sem recursos para pagar um plano de saúde, para adquirir remédios, para se alimentar. Todos têm entre 60 e 85 anos. No meu caso estou com 83 anos, doente, recebendo 8 por cento dos meus benefícios, que deixarão de ser pagos em fevereiro de 2011. Minha esposa, que também se chama Carmen Lúcia, está hoje num hospital público, e creio que não resistirá a tanto sofrimento. 
Ministra, hoje a grande esperança desses 10 mil aposentados reside no  processo de Defasagem Tarifária, que aguarda julgamento no Superior Tribunal Federal. Estou humildemente IMPLORANDO vosso empenho para que o resultado seja favorável à Varig. É a última esperança de retomarmos nossas vidas, ceifadas desde 12 de abril de 2006, quando o Aerus foi destruido. Desde aquele dia fatídico já ocorreram centenas de óbitos, sendo que alguns não suportaram e cometeram suicidio.
Muitos foram despejados, hoje morando em casas de parentes e deles dependendo até para comprar medicamentos. Essa situação é trágica, profundamente dramática. Tudo pode ser resolvido se os nobres Ministros do STF forem sensíveis, entenderem que o ser humano não pode viver nestas condições, principalmente levando-se em consideração a avançada idade desses cidadãos que lutaram a vida inteira e hoje encontram-se à mingua, abandonados e quase sem esperança.
Obrigado, Ministra, do fundo deste velho coração,
Rubens de Freitas 

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2 comentários:

  1. É caro amigo estamos esquecido mesmos. Parece que a mania do senhor Lula em enaltecer e ajudar outros países está pegando também no STF.
    Os povos estrangeiros merecem muito mais atenção do que nós brasileiros.
    Abraços fraternos do amigo Paulo Resende.
    Fique na PAZ DE DEUS.

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  2. Obrigado, Paulo!
    Se depender de mim não haverá esquecimento, por mais cortantes que sejam os canivetes que choverão...

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