terça-feira, 12 de outubro de 2010

Jornal "Público": Tensão alta, com Dilma ao ataque

Foto: Nelson Almeida/AFP

Foi o duelo que o Brasil ainda não tinha visto, com Dilma Rousseff ao ataque desde o primeiro minuto, e José Serra a tentar reagir. Agora que os outros candidatos ficaram para trás, o país está dividido ao meio e o primeiro debate da segunda volta, na TV Bandeirantes, domingo à noite (madrugada em Lisboa) trouxe ao de cima a tensão acumulada.

Liberalização do aborto, influência da religião, corrupção, difamação: o que fervilhava nos bastidores, na imprensa, nos blogues, saltou para o ecrã.

A última sondagem DataFolha prevê 48 por cento para Dilma e 41 para Serra. Ou seja, Dilma está ligeiramente acima do que teve na primeira volta, mas o grande pulo é mesmo de Serra. Isto mostra que quem votou em Marina Silva está mais inclinado a votar Serra. O que dá esperanças ao candidato do PSDB e pica a candidata de Lula.

Não só Dilma não ganhou à primeira, como não estava a atrair votos. Mudança de estratégia: a Dilma tecnocrata deu lugar a uma Dilma pugilista.

Durante a primeira volta, blogues e sites encheram-se de rumores acusando-a de ser a favor do aborto por ter falado há anos contra a condenação de mulheres e pela alteração da lei. Dilma teve de vir a público dizer que era "pela vida" e a sua campanha procurou apoio de líderes evangélicos.

Mas agora foi para a ofensiva.

As caras do aborto
"A sua campanha procura me atingir com calúnias e difamações", diz Dilma a Serra, na primeira pergunta. "O seu vice, Índio da Costa, organizou grupos para me atingir com questões religiosas. Essa forma de fazer campanha, que usa o submundo, é correcta?"

Está dado o tom: não vai ser conversa mole.

Serra responde dizendo que se solidariza com quem recebe ataques, mas que ele mesmo é vítima de blogues apoiantes de Dilma. Lembra que o escândalo de corrupção em que está envolvida Erenice Guerra, ex-braço- direito de Dilma, não foi difamação. E acusa Dilma de ter sido a favor do aborto e ter mudado: "Isso se trata de ter duas caras."

Dilma contra-ataca: "Tem de ter cuidado para não ter mil caras. Você hoje é réu por difamação contra mim. Você se cuide." Foi Serra, diz Dilma, que regulamentou o acesso ao aborto em casos previstos na lei, quando era ministro da Saúde. "E agora sou acusada até pela sua própria esposa." Uma referência ao facto de Mónica Serra ter dito na primeira volta que Dilma era a favor de "matar criancinhas".

E então, em vez de repetir que é "pela vida", Dilma afirma uma posição: "Entre prender e atender [as mulheres que praticaram um aborto clandestino], sou por atender. E acho gravíssimo a fala da sua senhora. O Brasil está habituado a tolerância."

Serra insiste que os casos em que regulamentou o aborto eram violação e risco de vida para a mãe. "O que fiz como ministro foi para que fosse feito sem risco. Nunca defendi a liberalização do aborto. Você defende."

Arrastão e privatizações
Lembrando os recentes "arrastões" no Rio de Janeiro - assaltos em bando na rua e na praia -, Serra pergunta a Dilma por que é contra criar um ministério da Segurança. Em vez de responder directamente, Dilma acusa Serra de querer aplicar "uma receita que fracassou em São Paulo" e diz que o Rio "está a fazer um grande esforço, com as Unidades de Polícia Pacificadora", as UPP, que pretendem ser um novo modelo de polícia nas favelas. Serra replica que em São Paulo "caiu 70 por cento o índice de homicídios".

Na tréplica, Dilma remata e muda de assunto: "É bom você lembrar da questão da Erenice, mas também devia responder sobre a questão do Paulo Vieira de Souza, o seu assessor que sumiu com quatro milhões de reais da campanha."

Tempo de intervalo, Serra não responderá.

No regresso, Dilma volta ao aborto, insistindo que o Brasil nunca teve zangas religiosas, é o país "onde árabes e isrealitas se sentam à mesma mesa", e que a campanha de Serra criou "um ódio onde ele não existe". 

Passa então às privatizações, seu segundo cavalo-de-batalha, mais claramente à esquerda do que na primeira volta. Até ao fim do debate, tentará colar Serra ao lado dos que privatizam, com Lula e ela do lado dos que fortalecem as empresas públicas.

Serra lembra a privatização dos telefones, que permitem hoje aos brasileiros ter um telemóvel: "Por vocês, o Brasil seria hoje o país do orelhão." A velha cabine pública.

Dilma responde: "O meu Brasil não é o do orelhão, é o da banda larga barata e com qualidade." E insiste nas privatizações, com o exemplo do pré-sal, rochas costeiras onde se descobriu recentemente muito petróleo. Um assessor de Serra defende a privatização do pré-sal, diz Dilma, que quer saber a opinião do próprio candidato. Serra garante: "Quanto a petróleo, não vou fazer privatização nenhuma." Dilma replica: "Nós financiámos empresas brasileiras, vocês financiaram empresas internacionais com dinheiro brasileiro." Serra lembra ter sido ele a implantar os genéricos no Brasil, sem medo das grandes empresas.

Na tirada final, Dilma mantém-se na ofensiva, denunciando "a campanha pelo ódio". Nesta eleição, diz, estão em causa dois projectos, "um submisso ao FMI", o de Serra, e outro "pelo crescimento", o dela e Lula.

Serra opta por manter um sorriso enquanto "oferece" a sua biografia ao eleitor.
Alexandra Lucas Coelho, Público, 12-10-2010

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