sábado, 12 de fevereiro de 2011

Dilma, Lula e eu - construindo a imagem da presidente

Não deixa de ser curiosa certa abordagem segundo a qual eu estaria me negando a reconhecer méritos no governo Dilma. A observação vem seguida de uma lista de nomes - já há uma pequena penca -  que eram muito críticos ao governo Lula e que se renderam ao suposto aporte de racionalidade, objetividade e método que a “presidenta” teria agregado ao poder, como se  Ares, o deus da Guerra - ou, quem sabe, Dionísio, o da festança - tivesse sido substituído por Palas Athena.
Palas Atena, cópia romana de original grego atribuído a Fídias.
Museus Vaticanos
Acho o expediente engraçado porque tentam me cercar “com” - e não “de” - pessoas que estariam mais ou menos no meu campo ideológico. A alguns pode ser uma novidade, mas costumo brigar muito com os meus amigos também, como eles sabem - e eles comigo!  Posso, por delicadeza, anuir com uma comida, um café ou uma bebida ruins que me ofereçam - acho que a mentira decorosa é parte da civilização -, mas jamais, menos ainda para parecer delicado, concordarei com uma idéia ou tese que repudio. Nunca diga a sua parceira (ou parceiro) que ela eventualmente não está bem minutos antes de sair para a festa caso seja indagado a respeito. Mas seria uma suprema falta de delicadeza concordar com uma tolice que ela dissesse só para que não se sentisse feia ou não ficasse insegura… Cada coisa tem o seu domínio.

Que me importa se alguns “amigos” meus - ou pessoas do meu suposto campo ideológico - estão se surpreendendo positivamente com Dilma e reconhecendo as suas qualidades? Bem, Tio Rei tem claro que, antes mesmo de ela tomar posse, identificou a sua estratégia do silêncio. E o fiz num programa de televisão. Passei a escrever muito a respeito. Pouco depois, uma reportagem da Folha informou que João Santana, o marqueteiro, a quer ocupando, na imaginação dos brasileiros, o lugar de uma rainha… Bem, rainha propriamente, com alguma licença, tivemos duas: Dona Maria, a Louca, e Carlota Joaquina. Por que não Dilma, a Muda?
Num texto publicado ontem, escrevi que meu papel não é ficar endossando mitos, e sim identificar mitologias. Se essa está em curso, devo analisá-la, descrevê-la, caracterizá-la, em vez de ficar ornando com brocados novos a personagem que Santana me oferece: “Dilma é inteligente; Dilma é sensível; Dilma gosta de cinema; Dilma aprecia as artes… Mas também é muito severa e não tolera conversa mole”. Se e quando essas eventuais diferenças em relação ao antecessor fizerem… diferença, reconhecerei aqui. Por enquanto, oferecem-me uma personagem virtual, forjada no laboratório das teorias de comunicação, para que eu possa contrastá-la com Lula.
E tenho rejeitado esse expediente, que, cá pra nós, é particularmente desonesto até dentro da desonestidade intelectual mais geral do petismo. Essa Dilma cultivada - e, lamento, os índices desse cultivo não se mostraram durante a campanha, quando ela falou; surgem agora, quando se cala! -  só existe como uma espécie de outra face do Lula rústico, como se, ao contrário da invenção do doutor Victor Frankenstein, esta criatura tivesse melhorado o criador.  Ora, respeitem Januário!!!
Não há novidade nenhuma nessa narrativa para quem é um tantinho vivido ou leu alguns livrinhos. A tentativa até que é bem vulgar, e só cai no truque quem quer ou quem a tanto se vê obrigado. Lula sempre esticou demais a corda da crítica à imprensa, especialmente depois que Franklin Martins foi nomeado ministro da Supressão da Verdade. O homem do MR-8 tinha uma agenda pessoal que se casou à perfeição com o perfil do ex-presidente: vaidoso, arrogante, um tanto paranóico. Esse clima de permanente confronto exigia dos veículos alguma resposta, ainda que modesta - quase sempre se limitaram a expor as diatribes presidenciais como a deixar claro que não as temiam.
Com o seu silêncio, Dilma representa uma espécie de “descanso na loucura” - para citar Guimarães Rosa (que ela já chamou de “poeta”) -, de distensão, convidando-nos a um certo armistício, já que o clima de eterna vigilância não deixava de ser cansativo. Ocorre que eu não estava, não estou e não estarei em guerra com ninguém - vá lá, com os que tentam assaltar a democracia, sim. Prefiro obviamente Dilma a seu antecessor quando ela se diz contra apedrejamentos. Lula, a exemplo de alguns antropólogos do complexo PUCUSP, acha que cada povo tem o seu costume.
Ocorre, queridos, que ela não me faz favor nenhum nem à humanidade em ser contra apedrejamentos porque isso me parece, com efeito, o razoável. Não serei grato pela cota de civilização a que tenho direito de graça. Quem meteu o Brasil na lama das tiranias foi Lula, foi o PT. Se Dilma agora tenta minimizar o estrago, até porque o país está sendo efetivamente prejudicado por aquelas escolhas insanas, acho que ela cumpre, como presidente, um dever funcional; como indivíduo, cede ao imperativo da decência. De toda sorte, devemos antes esperar alguma votação importante na ONU. Acho as disposições subjetivas importantes para a literatura - eventualmente para o cinema de Jabor; no que concerne à política, são os exemplos que movem o mundo, as ações, não as palavras. Quando e se Dilma e Antonio Patriota tirarem a política externa da rota da estupidez, então direi: “Vocês nos deviam isso!”
Pedem-me ainda que reconheça a coragem de Dilma ao fazer um corte severo no Orçamento, na contramão do que seria o hábito e as aspirações do petismo etc. Eu realmente não acho que corte de gastos seja, por si mesmo, uma valor moral ou uma categoria de pensamento, embora, com Musil, eu também aprecie “idéias magras e severas”. Isso dá conta de um certo acanalhamento, apequenamento mesmo, do debate político. Corta-se, lá vou eu com o “poeta” Guimarães de novo, por precisão, não por boniteza.  É possível que algum parlamentar pilantra deixe de ganhar uns trocos, mas certamente a população será prejudicada. Não vejo mérito nisso. Eu não sou favorável à responsabilidade fiscal porque acho que se deva gastar pouco; eu defendo a prática porque acredito que é preciso gastar bem e segundo aquilo que se tem, considerando alguns termos essenciais da equação, como custeio e investimento. O corte de agora é apenas a conseqüência da irresponsabilidade de antes, da qual Dilma foi a grande beneficiária.
“Então não deveria ter cortado?” Ora, claro que sim! Mas, de novo, não me peçam para exaltar as virtudes saneadoras de Dilma quando ela foi a principal auxiliar daquele que botou o bode na sala. Não cantarei a poesia da Dilma Mãos de Tesoura quando a candidata Dilma disse em termos muito duros (ver post de ontem), com aquela assertividade meio bronca que tão bem a caracterizava, que falar em ajuste fiscal numa economia que crescia 7% ao ano era uma bobagem.
Outros me pedem que reconheça que Dilma desacelerou, e talvez aposente, as estrambóticas idéias de “controle social da mídia”. Com efeito, ela até pode estar se perguntando hoje: “Mas controlar por quê? Esses meninos e essas meninas me parecem tão dóceis! Já colei umas três ou quatro propostas do candidato tucano, e eles tiveram a gentileza de não dizer nada!” Ninguém me pegará num gesto de genuflexão diante da autoridade porque ela decidiu, santo Deus!, cumprir o Artigo 5º da Constituição, que tanto custou aos brasileiros. E não me pegará igualmente de joelhos porque a autoridade deixou de cumprir a lei. Se não for  Dilma a primeira a se subordinar  à  Constituição e aos códigos legais, então quem?
Mas vocês já me verão, aí sim, a ser muito duro com Guido Mantega porque ele maquiou as contas do superávit primário; com a própria Dilma, que foi ao Congresso e capou da Saúde 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), promessa solene feita durante a campanha  - e os fez sob o silêncio cúmplice daqueles que deveriam lhe cobrar o cumprimento das promessas. Vocês me verão a censurar a presidente porque, no governo anterior, entregaram-se só 20% das casas prometidas e nem debaixo de porrete se entregarão, até o fim de 2014, os 2,8 milhões que faltam.
Ora, quem disse que não reconheço a obra de Dilma? Para quem sabe ler, este é um texto de reconhecimento, não é mesmo? Só que não é escrito pelo espírito de um servo que descobre a generosidade de seu senhor.
Reinaldo Azevedo

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