Um
livro inteiro escrito com o pé
ZENI BERGER, senhoras e senhores,
nasceu pronta para a vida. Veio ao mundo para nos ensinar a lição de casa, qual
seja, a de convivermos em harmonia perfeita com os percalços que nos são
impostos, sem ficar chorando pelos cantos, como pobres e tristes Prometheus.
Essa jovem simpática é o retrato de si mesma, sem retoques, sem correções ou
aprimoramentos. Escreveu “Pé no chão”,
usando apenas o pé. Em outras palavras, sem o uso de computador, ou sem
precisar ajustar uma secretária para ditar suas memórias. Zeni é o que é. O
amor criança, a experiência subjetiva mais linda que alguém pode, um dia,
sonhar.
Zeni traz dentro de si vários
mundos paralelos, onde alguns se encontram e se entrelaçam, outros não. Seus
textos são pequenos mimos (leves e soltos) se descortinando como um filme
diante de nossos olhos, ora como lembranças imorredouras, ora como caminhos
dispersos que se encontram, ou melhor, que se chocarão em algum lugar dentro de
nossa imaginação. É o caso, por exemplo, de “Banho”:
“Enquanto o rádio esquentava,
ouvia as doze badaladas de um relógio de chave que ficava na parede com dois
ponteiros somente”.
Ou...
“Vaca”:
“Chorava, gritava e esperneava
muito, porque tinha medo e nojo de ficarem três dias depois, enrolados num surrado
cobertor e no quarto escuro com o corpo cheio de merda”.
Os acontecimentos, como um
todo se sucedem numa ordem aparentemente arbitrária, mas coerente, com o ritmo
da personagem central nos mostrando, na corriques do simples, a abundância
púmbia e sem a maquiagem rebuscada das palavras difíceis. É o caso de
“Bicicleta”:
“Ela falou que eu iria ficar
boa através de um espelho oval com imagem barroca, e que não olhasse para o
espelho, e cada caco é uma vela que tinha que ser acesa por ela e não levava
muito tempo no quarto escuro”.
Mais adiante, em “Mãezinha”
nos deparamos frontalmente com o reflexo bérico e espúrio de uma certeza cruel:
“A minha adolescência só foi
de medo e rejeição do que as pessoas ensinavam a mãezinha e ela fazia para eu
ficar “normal”. Sobre a sexualidade não se falava. Quando perguntava de onde eu
vim, mãezinha respondia com ar de deboche: ‘você veio de um macaco’. Eu nunca
acreditei”.
Por essas pequenas tiradas,
Zeni é impecável. Descreve à flor da exatidão o universo fidedigno que habita
dentro de seu “eu” pontilhado com as nuances profundas e cheias de armadilhas.
E o faz numa eloquência febril, devastadora, viajando entre o bucólico do ontem
e o realismo pastoril de agora, sem, no entanto, perder a magia pacóvica, tampouco
sem destoar da realidade dos fatos que vivenciou há exatos sessenta e dois anos
de existência.
Em sendo assim, o estetismo, a
sutileza, a tenuidade delicada, enleadas a profundidade de suas palavras,
consagram seu livro de estreia como uma encantadora obra prima de proporções
gigantescas. E não só isso, nos coloca na imaginação de um porvir risonho, uma
esperança inigualável, inquebrantável e indestrutível. Sobretudo,
indestrutível.
O livro é sempre o registro de
toda uma vida. Para ele transportamos momentos de angustias, de sofrimentos, as
grandes emoções pelas quais passamos e vivemos, além das recordações mais
queridas que deixaram em nosso âmago, como cristais eternos, fragmentados
“pedacinhos de saudade”.
Dessa forma, com as vistas
voltadas para o amanhã, vejo o livro “Pé no chão” da menina mulher, da mulher
menina Zeni Berger, como um poema ímpar. Um leque de vivências plenas, sadias,
de uma vida inteira em busca de um ideal imorredouro, repleto de fantasias não
realizadas, outros, evidentemente levados a termo com algumas dificuldades,
todavia, sem perder o condão íbico da Fé maior no Deus Altíssimo, que nos
vigia, a todos, de lá de cima do infinito.
“Nesse período só me arrependo
de ter feito uma maldade com a minha avó materna ‘môta’, que veio morar lá em
casa. Arranquei um monte de graveto de lenha da cozinha e ficava embaixo da
mesa à espera de quando ela ia lavar a louça, eu espetava seus pés inchados,
pensava que assim suas pernas poderiam estourar. Doce môta nunca falou em
português comigo. Quando eu queria defecar, usava um pinico, de esmalte branco
com umas flores. Ou ia ao mato com minha môta materna que veio morar com a
gente até seu falecimento. Ela tirava a minha roupa e se curvava para frente
segurava-me entre seu colo pegando uma mão em cada perna dava um tempo, e
perguntava em alemão ‘is guinurt?’. Eu respondia ‘ió’, e limpava-me com umas
palhas secas de milho”. (in “Môta”).
Título, Imagens e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista. De Vila Velha, no Espírito Santo. 20-4-2017
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Parabéns pelo excelente texto Aparecido,e parabéns a essa maravilhosa escritora Zeni Berger que é um exemplo de superação,de garra e determinação.enquanto muitos reclamam das dificuldades da vida, ou do dia a dia,ela nos mostra que tudo podemos fazer quando temos força de vontade e coragem de ir a luta.Zeni Berger é mais que uma vencedora ela é uma guerreira de Deus.parabéns... Parabéns.
ResponderExcluirOLÁ, QUERIDO AMIGO JORNALISTA E ESCRITOR, APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA, VOCÊ NÃO TEM MEDO DA VERDADE E PODE PRESENTEAR-ME COM O SEU BELÍSSIMO TEXTO NO MEU LIVRO "PÉ NO CHÃO". SOU ETERNAMENTE GRATA POR TUDO...BEIJOSSS Zeni Klug Berger
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