Uma das lições mais importantes da política
é que não devemos politizar todos os momentos de nossa vida. Precisamos
conhecer e respeitar o que nos une antes de alimentar o que eventualmente nos
separa
Ana Paula Henkel
Iniciei minha vida no esporte
aos 12 anos de idade. Aos 16, competi em meu primeiro campeonato mundial. Depois
de quatro Olimpíadas e mais de duas décadas dedicadas ao voleibol brasileiro,
posso tranquilamente afirmar que o esporte é o campo mais inclusivo, mais
tolerante e mais diverso que alguém pode imaginar. Crenças ou religiões, opções
sexuais, a posição de cada um no espectro político-ideológico ou a cor da pele
não importam. Apenas sua capacidade atlética é levada em conta e de quatro em
quatro anos podemos testemunhar essa celebração — e a mensagem de verdadeira
tolerância — na transmissão dos Jogos Olímpicos para todo o mundo.
Pela imensa força e capacidade
do esporte de propagar mensagens, competições e atletas não ficam imunes de ser
usados como veículos para pautas políticas e ideológicas. Tem lá sua ironia uma
ex-esportista que agora estuda Ciência Política e escreve sobre política ser
contra a politização do esporte. Mas acredite: separar esporte e política é tão
importante quanto separar Estado e igreja ou governo e economia.
Faço uma distinção óbvia entre
o direito de qualquer esportista de se manifestar politicamente, o que todos
podem fazer (e sou a primeira a apoiar), e a invasão de agendas
político-partidárias em competições esportivas, dividindo um espaço reservado
para a união de atletas, torcedores, culturas, povos e nações. Tenho certeza de
que o saudoso barão de Coubertin, pai dos Jogos Olímpicos da era moderna,
revira-se no túmulo toda vez que o espírito olímpico e esportivo é sequestrado
por políticos oportunistas, dirigentes esportivos e atletas desmiolados —
muitas vezes podres de ricos —, induzidos ou mal informados, que usam
competições, território pacificador, como arma puramente política.
A Alemanha nazista tentou utilizar os Jogos Olímpicos como instrumento
de propaganda. Não deu certo
A politização radical do
esporte, que já combati em artigos, palestras e entrevistas no questionamento
da injustificável incorporação de atletas transexuais no esporte feminino —
homens biológicos com genética e estrutura física de homens —, segue firme no
seu propósito de desfigurar o que deveria ser o terreno do congraçamento, da
paz e da união dos povos e da proteção inviolável das mulheres. O último
penetra da festa do esporte é a agenda política do grupo marxista Black
Lives Matter, que a toque de caixa anda sequestrando atletas.
Sem nenhum entendimento sobre
o que o grupo verdadeiramente defende, esportistas têm ajoelhado na abertura de
eventos em grotesco pagamento de pedágio ideológico. Conquistam o aplauso fácil
de uma plateia entorpecida por “uma mentira repetida mil vezes até que vire verdade”
— a máxima de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista.
Goebbels também usou o esporte
como propagador das ideias nefastas da Alemanha de Hitler, e a Olimpíada mais
manchada pela política e pelo racismo foi, sem dúvida, a de 1936, em Berlim.
Tudo foi preparado como uma oportunidade para mostrar ao mundo a “superioridade
ariana”. Mas quem entrou para a história foi, evidentemente, o negro
norte-americano Jesse Owens e suas incríveis quatro medalhas de ouro no
atletismo, um golpe histórico e espetacular na intenção de Adolf Hitler de usar
os Jogos como instrumento de propaganda.
Na Olimpíada de 1968, no
México, outro grupo político também tentou sequestrar o evento com falsas
bandeiras de “justas causas pacíficas”, pautas político-ideológicas extremistas
e altamente nocivas para a sociedade. Atletas da época se embebedaram com o
discurso dos Panteras Negras, grupo criado em 1966 com o suposto objetivo de
combater a brutalidade policial contra a comunidade negra norte-americana. O
grupo foi desenhado por seus fundadores, Huey Newton e Bobby Seale, sobre um
dos pilares da ideologia marxista: dividir para conquistar.
Surge algo que parece uma seita — atletas num bizarro transe, enquanto
desrespeitam o hino nacional e a bandeira
O grupo repetia que seu foco
era apenas o desejo de melhorar a vida dos negros norte-americanos. Almejava
organizar-se como um partido político para ampliar a participação de negros na
representação democrática. Não houve sucesso nessa frente. No início da década
de 1970, o FBI já apontava atividades criminosas do grupo, que também se
envolveu em inúmeros encontros violentos com a polícia. A violência também
marcou conflitos internos, como a morte de um de seus membros, Alex Rackley,
torturado e assassinado por outros Panteras Negras que o acusaram de ser
informante da polícia.
E foi nos Jogos Olímpicos de
Verão de 1968, inspirados pelo movimento dos Panteras Negras, que dois atletas
negros norte-americanos levantaram o punho no pódio olímpico, marcando mais uma
vez a politização do esporte. Uma rápida pesquisa no Google e você encontrará a
icônica fotografia de 1968. Foi tirada após a corrida de 200 metros e colocou
no centro da polêmica os atletas Tommie Smith e John Carlos. (O punho erguido,
símbolo de poder e orgulho negro, tem sido visto nas últimas semanas por todo o
território americano. Ah… se todos que copiam o gesto se dessem ao trabalho de
fazer uma pequena busca histórica sobre seu significado…)
O ano é 2020. Atletas da NBA e
da Liga de Futebol Americano, a NFL, entram para o rol da politização do
esporte. Eles têm comprado — mais uma vez — a divisão política travestida de
bondade e preocupação, empurrada desta feita pelo Black Lives Matter. A
demonização da polícia entrou em velocidade surpreendente. Se, em 2018, a liga
esportiva mais rica do planeta parecia apenas desrespeitar o hino
norte-americano e a bandeira nacional, agora se torna quase uma seita. Vê-se a
adesão de dezenas de atletas, que exibem um bizarro transe — muitos, quem sabe,
com receio do que os fiéis da nova religião possam fazer com quem não repetir o
mantra de que a polícia é má e mata negros por puro racismo. Ajoelhar-se em
protesto durante o hino nacional em eventos esportivos tornou-se ato
corriqueiro e triste de ser visto na TV. As ligas já sofrem quedas bruscas em
sua audiência e mais e mais norte-americanos, cansados da politização de tudo,
andam desligando seus aparelhos.
Como lutar
até a morte pela bandeira que envergonha os astros da nação?
Esportistas como os astros da
NFL e NBA fazem parte de um panteão de ídolos que serve de modelo e exemplo
para as crianças. Elas veem neles, ou deveriam ver, o resultado positivo de
anos de esforço, dedicação, persistência, resiliência, superação e honestidade.
Os atletas são protagonistas dos sonhos das próximas gerações — não apenas de
esportistas, mas também de civis e militares que defenderão o país com a
própria vida nos cantos mais perigosos do mundo e policiais que põem a vida em
risco todos os dias.
Se os ídolos desta geração não
podem mostrar um mínimo de respeito e reverência aos símbolos nacionais por
dois minutos, como justificar que outros façam sacrifícios reais pela pátria ou
pela sociedade? Como lutar até a morte pela bandeira que envergonha os astros
da nação? O que dizer para viúvas, pais, mães, irmãos e filhos que perderam
seus entes queridos nos campos de batalha ou nas ruas norte-americanas tentando
defender a liberdade — que enriquece esses astros — e a vida?
É claro que a motivação dos
atletas é marcar pontos na guerra político-partidária. Mas, quando o
radicalismo ideológico de uma geração desorientada, perdida e manipulada
derrota os laços mais básicos que unem o país, começamos a trilhar um caminho
que não pode terminar bem. E, se perdermos a América, Deus tenha piedade de
nós. Esses meninos mimados da NBA ou da NFL ainda podem ser salvos, nada que
uma visita ao cemitério de Arlington não resolva. O que importa é que a
tendência de ruptura social seja combatida enquanto ainda pode ser controlada.
Devemos discutir pontos
importantes na sociedade sobre racismo e melhorias nas corporações policiais —
estas, em sua grande e vasta maioria, compostas de gente de bem, homens e
mulheres que honram seu uniforme. A exceção não pode ser pretexto para queimar
o país em nome de uma nova revolução sangrenta porque os resultados das urnas
não foram satisfatórios para alguns.
Na Copa do Mundo de futebol da
França, em 1998, o mundo ficou sem respirar diante de um confronto entre dois
inimigos políticos. Ironicamente, Estados Unidos e Irã foram sorteados para
dividir a chave F da competição. O medo da hostilidade entre torcidas ou de uma
saia justa diplomática em campo era tão grande que o presidente da Federação
Americana qualificou a partida de “a mãe de todos os jogos”. Declarou esperar
que as seleções mostrassem ao globo o verdadeiro espírito esportivo de
civilidade e união. O presidente da Federação Iraniana, por sua vez,
oportunamente pediu que todos os jogadores iranianos entrassem em campo
segurando rosas brancas.
A seleção iraniana venceu o
duelo por 2 a 1, e o medo de que as animosidades políticas entrassem em campo
deu lugar a uma partida comovente e com direito a foto histórica entre os
jogadores de ambos os times abraçados. O esporte em seu melhor papel, como protagonista,
e usado como tem de ser, uma bandeira branca de trégua e esperança.
Uma das lições mais
importantes da política é que não devemos e não podemos politizar todos os
momentos de nossa vida. Precisamos conhecer e respeitar o que nos une antes de alimentar
o que eventualmente nos separa. Essa é a essência do bom esportista, fazer o
mundo lembrar que somos parte de algo maior, muito maior, que nós mesmos.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista Oeste, 4-9-2020, 8h57
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