sexta-feira, 4 de setembro de 2020

A perigosa politização do esporte

Uma das lições mais importantes da política é que não devemos politizar todos os momentos de nossa vida. Precisamos conhecer e respeitar o que nos une antes de alimentar o que eventualmente nos separa


Ana Paula Henkel

Iniciei minha vida no esporte aos 12 anos de idade. Aos 16, competi em meu primeiro campeonato mundial. Depois de quatro Olimpíadas e mais de duas décadas dedicadas ao voleibol brasileiro, posso tranquilamente afirmar que o esporte é o campo mais inclusivo, mais tolerante e mais diverso que alguém pode imaginar. Crenças ou religiões, opções sexuais, a posição de cada um no espectro político-ideológico ou a cor da pele não importam. Apenas sua capacidade atlética é levada em conta e de quatro em quatro anos podemos testemunhar essa celebração — e a mensagem de verdadeira tolerância — na transmissão dos Jogos Olímpicos para todo o mundo.

Pela imensa força e capacidade do esporte de propagar mensagens, competições e atletas não ficam imunes de ser usados como veículos para pautas políticas e ideológicas. Tem lá sua ironia uma ex-esportista que agora estuda Ciência Política e escreve sobre política ser contra a politização do esporte. Mas acredite: separar esporte e política é tão importante quanto separar Estado e igreja ou governo e economia.

Faço uma distinção óbvia entre o direito de qualquer esportista de se manifestar politicamente, o que todos podem fazer (e sou a primeira a apoiar), e a invasão de agendas político-partidárias em competições esportivas, dividindo um espaço reservado para a união de atletas, torcedores, culturas, povos e nações. Tenho certeza de que o saudoso barão de Coubertin, pai dos Jogos Olímpicos da era moderna, revira-se no túmulo toda vez que o espírito olímpico e esportivo é sequestrado por políticos oportunistas, dirigentes esportivos e atletas desmiolados — muitas vezes podres de ricos —, induzidos ou mal informados, que usam competições, território pacificador, como arma puramente política.

A Alemanha nazista tentou utilizar os Jogos Olímpicos como instrumento de propaganda. Não deu certo

A politização radical do esporte, que já combati em artigos, palestras e entrevistas no questionamento da injustificável incorporação de atletas transexuais no esporte feminino — homens biológicos com genética e estrutura física de homens —, segue firme no seu propósito de desfigurar o que deveria ser o terreno do congraçamento, da paz e da união dos povos e da proteção inviolável das mulheres. O último penetra da festa do esporte é a agenda política do grupo marxista Black Lives Matter, que a toque de caixa anda sequestrando atletas.

Sem nenhum entendimento sobre o que o grupo verdadeiramente defende, esportistas têm ajoelhado na abertura de eventos em grotesco pagamento de pedágio ideológico. Conquistam o aplauso fácil de uma plateia entorpecida por “uma mentira repetida mil vezes até que vire verdade” — a máxima de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista.

Goebbels também usou o esporte como propagador das ideias nefastas da Alemanha de Hitler, e a Olimpíada mais manchada pela política e pelo racismo foi, sem dúvida, a de 1936, em Berlim. Tudo foi preparado como uma oportunidade para mostrar ao mundo a “superioridade ariana”. Mas quem entrou para a história foi, evidentemente, o negro norte-americano Jesse Owens e suas incríveis quatro medalhas de ouro no atletismo, um golpe histórico e espetacular na intenção de Adolf Hitler de usar os Jogos como instrumento de propaganda.

Na Olimpíada de 1968, no México, outro grupo político também tentou sequestrar o evento com falsas bandeiras de “justas causas pacíficas”, pautas político-ideológicas extremistas e altamente nocivas para a sociedade. Atletas da época se embebedaram com o discurso dos Panteras Negras, grupo criado em 1966 com o suposto objetivo de combater a brutalidade policial contra a comunidade negra norte-americana. O grupo foi desenhado por seus fundadores, Huey Newton e Bobby Seale, sobre um dos pilares da ideologia marxista: dividir para conquistar.

Surge algo que parece uma seita — atletas num bizarro transe, enquanto desrespeitam o hino nacional e a bandeira

O grupo repetia que seu foco era apenas o desejo de melhorar a vida dos negros norte-americanos. Almejava organizar-se como um partido político para ampliar a participação de negros na representação democrática. Não houve sucesso nessa frente. No início da década de 1970, o FBI já apontava atividades criminosas do grupo, que também se envolveu em inúmeros encontros violentos com a polícia. A violência também marcou conflitos internos, como a morte de um de seus membros, Alex Rackley, torturado e assassinado por outros Panteras Negras que o acusaram de ser informante da polícia.

E foi nos Jogos Olímpicos de Verão de 1968, inspirados pelo movimento dos Panteras Negras, que dois atletas negros norte-americanos levantaram o punho no pódio olímpico, marcando mais uma vez a politização do esporte. Uma rápida pesquisa no Google e você encontrará a icônica fotografia de 1968. Foi tirada após a corrida de 200 metros e colocou no centro da polêmica os atletas Tommie Smith e John Carlos. (O punho erguido, símbolo de poder e orgulho negro, tem sido visto nas últimas semanas por todo o território americano. Ah… se todos que copiam o gesto se dessem ao trabalho de fazer uma pequena busca histórica sobre seu significado…)

O ano é 2020. Atletas da NBA e da Liga de Futebol Americano, a NFL, entram para o rol da politização do esporte. Eles têm comprado — mais uma vez — a divisão política travestida de bondade e preocupação, empurrada desta feita pelo Black Lives Matter. A demonização da polícia entrou em velocidade surpreendente. Se, em 2018, a liga esportiva mais rica do planeta parecia apenas desrespeitar o hino norte-americano e a bandeira nacional, agora se torna quase uma seita. Vê-se a adesão de dezenas de atletas, que exibem um bizarro transe — muitos, quem sabe, com receio do que os fiéis da nova religião possam fazer com quem não repetir o mantra de que a polícia é má e mata negros por puro racismo. Ajoelhar-se em protesto durante o hino nacional em eventos esportivos tornou-se ato corriqueiro e triste de ser visto na TV. As ligas já sofrem quedas bruscas em sua audiência e mais e mais norte-americanos, cansados da politização de tudo, andam desligando seus aparelhos.

Como lutar até a morte pela bandeira que envergonha os astros da nação?

Esportistas como os astros da NFL e NBA fazem parte de um panteão de ídolos que serve de modelo e exemplo para as crianças. Elas veem neles, ou deveriam ver, o resultado positivo de anos de esforço, dedicação, persistência, resiliência, superação e honestidade. Os atletas são protagonistas dos sonhos das próximas gerações — não apenas de esportistas, mas também de civis e militares que defenderão o país com a própria vida nos cantos mais perigosos do mundo e policiais que põem a vida em risco todos os dias.

Se os ídolos desta geração não podem mostrar um mínimo de respeito e reverência aos símbolos nacionais por dois minutos, como justificar que outros façam sacrifícios reais pela pátria ou pela sociedade? Como lutar até a morte pela bandeira que envergonha os astros da nação? O que dizer para viúvas, pais, mães, irmãos e filhos que perderam seus entes queridos nos campos de batalha ou nas ruas norte-americanas tentando defender a liberdade — que enriquece esses astros — e a vida?

É claro que a motivação dos atletas é marcar pontos na guerra político-partidária. Mas, quando o radicalismo ideológico de uma geração desorientada, perdida e manipulada derrota os laços mais básicos que unem o país, começamos a trilhar um caminho que não pode terminar bem. E, se perdermos a América, Deus tenha piedade de nós. Esses meninos mimados da NBA ou da NFL ainda podem ser salvos, nada que uma visita ao cemitério de Arlington não resolva. O que importa é que a tendência de ruptura social seja combatida enquanto ainda pode ser controlada.

Devemos discutir pontos importantes na sociedade sobre racismo e melhorias nas corporações policiais — estas, em sua grande e vasta maioria, compostas de gente de bem, homens e mulheres que honram seu uniforme. A exceção não pode ser pretexto para queimar o país em nome de uma nova revolução sangrenta porque os resultados das urnas não foram satisfatórios para alguns.

Na Copa do Mundo de futebol da França, em 1998, o mundo ficou sem respirar diante de um confronto entre dois inimigos políticos. Ironicamente, Estados Unidos e Irã foram sorteados para dividir a chave F da competição. O medo da hostilidade entre torcidas ou de uma saia justa diplomática em campo era tão grande que o presidente da Federação Americana qualificou a partida de “a mãe de todos os jogos”. Declarou esperar que as seleções mostrassem ao globo o verdadeiro espírito esportivo de civilidade e união. O presidente da Federação Iraniana, por sua vez, oportunamente pediu que todos os jogadores iranianos entrassem em campo segurando rosas brancas.

A seleção iraniana venceu o duelo por 2 a 1, e o medo de que as animosidades políticas entrassem em campo deu lugar a uma partida comovente e com direito a foto histórica entre os jogadores de ambos os times abraçados. O esporte em seu melhor papel, como protagonista, e usado como tem de ser, uma bandeira branca de trégua e esperança.

Uma das lições mais importantes da política é que não devemos e não podemos politizar todos os momentos de nossa vida. Precisamos conhecer e respeitar o que nos une antes de alimentar o que eventualmente nos separa. Essa é a essência do bom esportista, fazer o mundo lembrar que somos parte de algo maior, muito maior, que nós mesmos.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, revista Oeste, 4-9-2020, 8h57

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