domingo, 13 de setembro de 2020

[As danações de Carina] Anestino

Carina Bratt

Amigas, pensem num ser humano, quero dizer, imaginem um ser ‘umano’ arrogante e chato, nojento e ascoso, enodado e mal amado, metido à besta e mentiroso. Pensaram, ou melhor, fantasiaram? Legal! Saibam todas que conheço um pior do que esses que vocês mentalizaram. Estou falando, não outro, senão do Anestino, proprietário do apartamento onde moro de aluguel. Mais ignóbil e repulsivo que ele, mais encardido e embostelado, acredito, piamente, não exista protótipo na face da terra que se assemelhe, ou lhe chegue aos calcanhares.


O cara é tão sem noção, tão noiado e fora do prumo, tão sebento e abjeto, que perturba a si mesmo, a ponto de, ao se olhar no espelho de sua alma, sair correndo, em desabalada carreira, imaginando ter visto, no reflexo de sua própria cavalgadura, o capeta em forma de verme peçonhento. Sequer desconhece, o cidadão, ou tem consciência de que é ele, sem tirar nem pôr, ‘a coisa do coisa ruim’ -, como classificaria Danuza Leão -, na sua melhor forma de descrever certas fortuitidades.

Partindo desse princípio, Anestino é um criador de casos feitos nas medidas certas, em horas incertas, diga-se de passagem. Barraqueiro, encrenqueiro e flibusteiro, chegou aqui, parou. Senhor de espírito irrequieto e convulsivo, frenético e proceloso, presumo que só descanse das suas loucuras tenebrosas quando está perturbando o sossego ou a paz de alguém. Percebam, caras amigas, que até o nome da criatura causa espanto e horrores aos ouvidos. Só de pronunciar, o ‘anestino’ do Anestino, a gente se ‘anestina’ e sente uma vontade louca de vomitar as tripas.

O infeliz lembra um sujeito de sangue árdego, preso aquela impetuosidade que chamamos de ‘sem limites’. Facílimo de ser irritado, igualmente esfuma, ou agasta quem dele se aproxima. Além de possuir a alma negra e custosa, o vassalo se mostra abespinhado e furibundo, irritadiço e irascível aos que dele precisam se fazer próximos por questões as mais diversas (seja para travar negócios ou somente por razões  pueris e triviais), deixando a perceber, logo de primeira, se tratar de um enfezado de mão cheia.

Um inflamado -, eu acrescentaria por conta -, um boçal sem causa, variante de alguma doença mental esquizofrenizada. Dito de forma mais abrangente: Anestino é, sem dúvida alguma, um paranoico psicologicamente disturbado. Vivalma aqui no prédio gosta dele. Todos os moradores têm alguma queixa enrustida, por menor que seja, um libelo engasgado a reclamar de sua personalidade fúbia. Aliás, amigas, acreditem, o protagonista aqui citado, se colocarmos as suas mazelas na balança do dia a dia, chegaremos à conclusão de que nem ele gosta de ‘se aturar a si mesmo’. No geral, um piolho, ‘mala sem alça’.

Em verdade, Anestino se odeia. Não se persevera, não se deixa ser levado pelo bom senso. Personagem imastigável, incomível, insondável e impenetrável. Compra a sua fuça chuviscosa, quem não o conhece. Euzinha mesma tenho vontade de voar em seu pescoço quando, por exemplo, careço me entrevistar com ele para pagar o aluguel mensal e repassar a grana da energia elétrica. Homem de duas palavras, faz a gente trazer à memória aqueles antigos senhores, donos de terras, que por terem algum patrimônio, se achavam soberanos do mundo e não só do mundo, das pessoas e coisas com a mesma intensidade pacóvia.


Contador de lorotas, afirma possuir treze apartamentos alugados aqui dentro do condomínio. O mais incrível: está sempre duro, os bolsos vazios, precisando de dinheiro. Começo de mês, pinta na porta aqui de casa, como um cobrador de impostos dos idos medievais. Isto quando não liga ameaçando. Se por algum motivo (ainda que justificável) um de seus supostos treze inquilinos postergarem ou encompridarem o ‘não pagamento de alguma taxa faltosa’, tal brecha se consubstanciará no fio condutor mais que suficiente para se criar trocentas celeumas. Em grosso expressar, a gota d'água para transbordar o copo e contribuir, de forma acentuada, para que o asqueroso se ache no direito de sair dos seus conformes e partir para cima, como um animal desembestadamente feroz.

Meu patrão, por algumas vezes, se desentendeu feio com ele, além de mandá-lo para os quintos do inferno e pior, a tomar no centro do pescoço em francês. Acho que, igualmente, em chinês, em vista do país de Jackie Chan estar tão em moda desde o começo do ano. Anestino (nomezinho desgraçado, este, concordam?) não passa de um pobre destrambelhado, um metadeado que não se completou. Vela apagada que não se achou enfiado no buraco do castiçal, ou que não topou com seu verdadeiro sentido e lugar no mundo.

Vejo a sua fisionomia destroçada, como a de um homem faltando algumas peças importantes. Um ser truncado, tosco, mutilado, espectro que perdeu a cor da esperança, que se distanciou da alegria de respirar. Uma coisa sem moral ou decência, que não aprendeu a ser um pouco mais maleável e tranquilo. Anestino, me lembra Plutarco. Esse filósofo e historiador grego, certa vez, ao tentar colocar um cadáver em pé, e após arriscar e ‘desarriscar' de várias formas e maneiras, concluiu que ‘faltava alguma coisa dentro’.

Penso, com meus botões, ser o caso do meu senhorio. Uma estrutura inerte que perdeu o seu conteúdo, o sopro pleno, o alento maior, e, por conta de sua infelicidade de ser oco e vago, bem ainda desabitado e devoluto, esvaziado e fantasmagoricado, ou fantasmagoriado, se empenhe, tenazmente, de unhas e dentes, no cotidiano da sua mediocridade, em se colocar em pé. Não consegue. Obviamente, queridas amigas e leitoras... Ao senhor Anestino lhe falta o sustentáculo, ou seja, o combustível mais sublime da existência: lhe falta a vida.

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo, 13-9-2020

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Um comentário:

  1. Todos nós de alguma forma temos um Anestino atrapalhando nosso caminho. São como pragas.

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