Carina Bratt
HOMEM LINDO E MARAVILHOSO, tu que te aproximas de mim, não queiras saber como me chamo. Para
ti, sou a sem rosto, a sem vida, cadáver ambulante de um cemitério inexistente:
meu nome? Não posso dizê-lo, nem poderias pronunciá-lo.
Nessa angústia de ser coisa
nenhuma,
Onde o silêncio é canto e luz
na alma,
vivo de rememorar o ocaso dos
meus ontens.
Sabia que um dia tu virias de
longe. Estava escrito que uma cidade grande e enorme te enviaria e eu te
esperava. Com a ansiedade louca da terra (que em meu pensamento de trevas
aguarda a claridade salvadora do sol), assim te esperei. E agora que estás aqui,
creia-me, não te conheço. Procuro me aproximar de ti, estendo a mão para te
tocar e apenas um vazio imensurável, quase abissal se perde ao redor de mim.
Tua pele, percebo, é limpa e
me queima. Não sei resistir à dor intensíssima do contato. Não me fales, não me
olhes. Tuas palavras me aturdem e teu olhar se crava, intolerável, em meus
olhos. Tu me despes de todos os andrajos e me envergonhas de loucuras jamais
vistas e sentidas.
Ontem respirei uma eternidade
congelada num instante
e fui abduzida
sorvida
para dentro de um mundo de
vidro
que reflete
até lá – no infinito –
o que sempre quis:
voltar pra dentro do corpo
onde nasci.
Espere. Calma. Não te afastes.
Minha proximidade me asfixia, ao tempo em que muita distância me mata. Vejo teu
cabelo ondular do outro lado do cristal, num emaranhado que flutua, e ao
fazê-lo, ocupa seu lado do espaço. Teu corpo incompreensível me apavora, fujo
de tuas mãos que querem me agarrar, me tocar, me comer em pequenos toques
suaves, entretanto a névoa adocicada do
teu corpo me chama, bondosa, me convida a
sair do frio e a me fundir na música de festa que vem do teu cheiro, do teu gosto.
Teu cabelo ao sopro da brisa
que passa, não me assusta porque é excrescência, já saiu de ti e não te
pertence, me acompanha, mas não me aprisiona, me roça, mas não me queima. Toco
teu cabelo e não sinto dor.
Quando ficamos lado a lado em
mansuetude – e de repente
correm teus olhos aflitos a
distinguir a cor do vento
ou de toda natureza o próximo
gemido
percebo que ao escolher fui
escolhida – e ao te mirar
vejo a mim mesma em teu
sorriso – mas rediviva.
Não insistas em saber como me
chamo. Talvez eu não tenha nome, e se o tiver, é múltiplo e mutante. Meu
apelido, meus patronímicos: fugazes, equívocos, carregados de ressonâncias. Em
teu mundo não há ouvidos que captem sua frequência, nem tímpanos que não se
arrebentem com a sua voz.
Talvez por isso sinta o
irreversível
na ébria convivência das
lembranças
que por ti e só por ti,
solfejam quimeras sem eco.
Não queiras me falar: tuas
palavras são ruídos. Chegam a mim fragmentadas. São cacos afiados de um vidro
quebrado. Me ferem, me fazem sangrar e nada me dizem. Não tentes me amar: teu amor me destrói. Não pretendas que eu te
ame: não sou daqui, não estou aqui; tento chegar e não posso. Tua presença me
atormenta: pesa demais, tua força quebra minhas asas; e como uma espécie de
Ícaro pela metade; teu calor derrete as asas dos meus medos.
Teu cabelo, em troca, me
recebe e nele me aninho. Seus fios solares me fazem cócegas, me fazem rir. Me
alimentam. Não te afastes. Não me toques, não te aproximes tanto, mas não te
vás. Tenha infinita paciência comigo, porque infinito é o número de dias em que
te esperei. Me acolhe em teu coração, me
guarda em tua alma que é manto de lã; estouro de ovelhas por pradarias de luz.
Resgata-me da existência
ambígua, da confusão do ar. Limpa esta substância turva, feita de silêncio, um
silêncio que adere a meus sentidos e os obscurece, que penetra em minhas
entranhas e me afoga. Quero ser coberta da minha desnudez pelo manancial tépido
do teu sorriso, jamais pelas sombras difusas que me consomem.
Onde não chega a tua presença
o amanhã é apenas um perfume
fragrância mórbida de nefasta
solidão.
Título e Texto: Carina
Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo. 30-8-2020
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