segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A dupla agressão a Lara Logan

Depois de ser estuprada no Cairo, a correspondente americana ainda tem de ouvir de compatriotas que provocou a brutalidade

Lara Logan na Praça Tahrir, momentos antes de ser agredida por manifestantes.
 Houve quem a visse com parte da culpa
 
Juliano Machado. Com Eliseu Barreira Junior e Antonio Lima
O dia 11 de fevereiro deveria ter trazido apenas notícias animadoras sobre o Egito. Afinal, a multidão que lotava a Praça Tahrir, no Cairo, estava eufórica com a queda do ditador Hosni Mubarak. Só que, no meio da massa, havia criminosos que se aproveitaram da situação para cometer um ato bárbaro. Segundo testemunhas, cerca de 200 homens cercaram a correspondente Lara Logan, da emissora de TV americana CBS, e a separaram de sua equipe. A partir daí, alguns a estupraram de forma sistemática até que um grupo de mulheres e soldados egípcios a socorreram. Lara pegou o primeiro avião de volta para os Estados Unidos e foi hospitalizada. Era de esperar que ela recebesse apenas reações de apoio. Mas o episódio motivou comentários de que Lara poderia ter evitado a agressão se não estivesse lá e, pior, ela teria até parcela de culpa na história.
A maior falta de sensibilidade veio justamente de um colega de profissão, o repórter freelancer Nir Rosen, até então professor da Universidade Nova York. Pelo Twitter, disse que Lara “provavelmente foi apalpada como milhares de outras” e que, se ela não fosse branca, o caso não teria tido a mesma repercussão. Não satisfeito, ainda afirmou que, se ela iria se tornar “uma mártir glorificada, devemos nos lembrar de seu papel como grande ‘defensora de guerras’”. Rosen fazia referência a coberturas anteriores feitas por Lara no Afeganistão e no Iraque.
Aos 39 anos, a sul-africana Lara Logan é uma jornalista respeitada. Desde 2006 é chefe dos correspondentes internacionais da CBS. Seu trabalho nas guerras afegã e iraquiana lhe deu experiência suficiente para saber como se portar em zonas de conflito. Uma semana antes, ela e sua equipe foram detidas e interrogadas sob a mira de fuzis por soldados do Exército. Lara deixou o Egito, mas voltou dias depois. Por causa desse incidente anterior, muitos comentaristas de mídia perguntavam se havia necessidade de ela retornar. Antes de ser violentada, Lara disse que “estava em seu sangue de repórter” a missão de continuar na Praça Tahrir, algo compreensível para uma profissional acostumada com coberturas tensas.
Acreditar que o estupro só aconteceu porque ela estava ali para ser vítima é de um simplismo constrangedor. Poderia ter ocorrido com qualquer outra colega. O Comitê de Proteção a Jornalistas registrou ao menos 140 ataques a repórteres durante a cobertura do Egito, embora nenhum com a gravidade do de Lara. Além disso, uma entidade de defesa das mulheres do Egito fez uma pesquisa e concluiu que 98% das estrangeiras no país já sofreram algum tipo de assédio sexual.
O sofrimento de Lara serviu ainda para inflamar o discurso antimuçulmano da direita americana. O apresentador Glenn Beck disse que o episódio, um ato isolado, reforça sua tese de que o Egito ruma para o caos. A radialista Debbie Schlussel foi ainda mais cruel: “Espero que esteja gostando da revolução, Lara! Isso nunca aconteceu quando Mubarak tratava seu país de selvagens da única maneira como eles podem ser controlados”. O tom estúpido assusta, mas pelo menos ficou restrito à minoria raivosa. Em nome do governo, o presidente Barack Obama tomou a única atitude correta num caso desses: telefonou para Lara e lhe desejou uma pronta recuperação.
Juliano Machado. Com Eliseu Barreira Junior e Antonio Lima, Revista Época, nº 666, 18-02-2011
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