terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A Varig e o crime de lesa-pátria

Telmo Schoeler
Tendo tido o privilégio de acompanhar parte da vida desta emblemática empresa na condição de membro independente de seu Conselho de Administração e, mais tarde, como integrante de uma equipe de consultores chamados para construir uma solução quando ela estava em fase acelerada de degeneração, sempre quis fazer um registro de alguns fatos e trazê-los ao conhecimento público em face de realidades e situações desconhecidas, despercebidas ou mesmo impensáveis para a maioria dos fãs que a companhia sempre teve ao longo de sua história.  

Fui postergando esses comentários, mas diante de um fato judiciário recente de extrema relevância, minha alma privativista e meu profundo sentimento de repúdio à socialização e rateio dos erros políticos e do Estado me empurram inapelavelmente para o computador.

Ruben Berta
A Varig foi uma idéia e sonho de um empreendedor. Mas, como nos mostram exemplos pelo mundo afora, as capacidades e habilidades para empreender não se confundem com as de gestor: geralmente quem é bom num papel não o é no outro. Rubem Berta não foi exceção: sua idéia foi boa, mas sua implementação e gestão nem tanto. Pior do que isso, seu modelo criou uma organização ingovernável.

Para os que o definem como gênio costumo contra argumentar que genial é aquilo que todos tentam desesperadamente copiar, como o sistema da Microsoft, os computadores da Apple, a fórmula da Coca-Cola, a bateria das escolas de samba. Ninguém jamais copiou o modelo da Varig, não porque fosse um segredo, mas sim porque ninguém atento e conhecedor dos princípios da Administração e da Governança Ruben se envolveria em tamanha falta de lógica, bom senso e responsabilidade acarretada por uma fórmula comunista de poder e gestão, sem acionista responsável e imputável, privilegiando a antiguidade e a política em detrimento à meritocracia, eficiência, produtividade e resultados. Nenhuma surpresa que a dinâmica do moderno mundo empresarial a matou.

Como liberal não posso deixar de fazer esses registros e comentários, embora gaúcho de origem e de coração. Quando a companhia já estava a caminho do precipício, fomos chamados a montar um plano para a sua salvação e recuperação. Sinteticamente, em conjunto com Paulo Rabello de Castro, Jan Jarne e alguns outros experientes e qualificados profissionais, montou-se uma proposta que além do óbvio alongamento do passivo envolvia a transformação de dívidas em capital, além do aumento deste via aporte de recursos por um investidor estratégico internacional do ramo, junto com um investidor financeiro. Claro que isto seria condicionado à troca de gestão e gestores, bem como acarretaria a perda de controle acionário por parte da Fundação Rubem Berta. Nada disso era fora do alinhamento com os preceitos internacionais já vigentes e posteriormente normatizados pelo Decreto-lei 11.101 de 2005, ou seja, a nova lei de recuperação empresarial, cujo fundamento é a preservação da empresa enquanto ente econômico e social, mas não necessariamente a preservação da estrutura societária. Para ser claro, muda-se a propriedade, mas preserva-se a empresa, nos moldes aplicados à Gradiente, Aracruz, Perdigão e tantas outras.

Sendo explícito, preservar-se-ia a empresa no interesse da ampla maioria de seus credores, clientes e funcionários, ainda que a FRB perdesse o controle ou, eventualmente, até se retirasse integralmente da sociedade. Nada mais justo, já que o patrimônio líquido era negativo e que, portanto, tecnicamente falando, suas ações nada valessem. 

João Manuel Correia de Assunção e Maria Aparecida Fernandes Penha, Diretor Executivo e Coordenadora de Atendimento da Base Rio da Fundação Ruben Berta. A foto é de junho de 2008 e foi retirada daqui
Em vez desta solução de mercado, sem ônus para o pagador de impostos brasileiro, uma desastrosa intervenção do Governo Federal e um incoerentemente duro posicionamento da Infraero, Petrobrás e BNDES na condição de credores levou a empresa a uma inexorável, mas despreparada condição de recuperação/falência. A posterior venda parcial para a Gol pode ter sido boa para esta, mas certamente foi nefasta para os credores e contribuintes.

A falência fora de parâmetros de solução de mercado, além de ter dilapidado ativos com valor apenas enquanto operativos, fez virarem pó vários créditos direta ou indiretamente do Governo, ou seja, este jogou pela janela dinheiro que nos pertence, a nós pagadores de impostos. Por outro lado, fez com que alguns credores fossem buscar judicialmente seus direitos como, por exemplo, funcionários com justa e pretensa pensão e aposentadoria pelo fundo Aerus. Este, historicamente gerido com falha ou falta de fiscalização por parte dos responsáveis órgãos de Governo, deixou milhares a ver navios.

Recente decisão da Justiça Federal de Brasília decidiu que a União terá de indenizar dez mil aposentados pensionistas desse fundo. Ou seja, a incúria, incompetência e desleixo de órgãos do governo baterão no caixa da União, sendo forçoso lembrar que a “União” tem poucas formas de gerar seu caixa: tira dinheiro de nosso bolso via tributação/taxação, ou emite títulos que drenam recursos que seriam aplicados em coisas muito mais produtivas, ou, então, emite moeda gerando inflação, o que é uma perda coletiva com especial influência sobe os mais pobres.

Em síntese, o Governo brinca de administrar e nós pagamos a fatura. Como sempre. Aí dá para entender a fúria estatizante deste Governo. Se a lógica fosse privativista, os sócios usariam a AGE para demitir o Conselho e a Diretoria. Quem sabe um dia a ficha cai e os “acionistas” fazem isso nas urnas.
Título e Texto: Telmo Schoeler é administrador (UFRGS), Master of Business Administration – MBA – (Michigan State University – USA), com diversos cursos de extensão em gestão, governança corporativa, planejamento, finanças, marketing e qualidade, no Brasil, USA (Southern Connecticut University e Yale University) e Inglaterra (City of London). Possui 47 anos de prática profissional, metade exercendo funções executivas de diretoria e presidência de empresas nacionais e estrangeiras na indústria, comércio e serviços, incluindo bancos nacionais e internacionais nas áreas de crédito, investimentos, mercado de capitais e fusões & aquisições. É sócio-fundador e Leading Partner da Strategos – Strategy & Management, criada em São Paulo em 1989, bem como fundador e coordenador da Orchestra – Soluções Empresariais, a primeira e maior rede de organizações multidisciplinares de assessoria em gestão empresarial. Membro ou Presidente de diversos Conselhos de Administração e Conselhos Consultivos de empresas brasileiras – de capital aberto ou não – e de subsidiárias de companhias internacionais. 
Portal Nacional de Seguros, 17-12-2012
Indicação: Marcelo Noll Prudente

Um resumo deste artigo foi publicado hoje, 18 de dezembro, no Jornal do Comércio, Porto Alegre

10 comentários:

  1. Não concordo em absoluto com a crítica a Rubem M. Berta. Mais que a admiração pessoal que tenho, mas por justa a sua trajetória. Correto seria centrar a avaliação de gestão de Rubem Berta, em seu tempo e sua visão empresarial administrativa, nos tempos difíceis que o mundo atravessou, e mesmo assim vingar um ¨embrião¨que se tornou uma das 5 gigantes aéreas do mundo. Nunca se saberá de fato o que o próprio Rubem Berta teria feito para evitar a crise que a liquidou 40 anos depois de sua morte. É uma pretensão querer julgá-lo mal, mesmo porque pouquíssimas empresas são lembradas com tanta emoção boa, por aqueles que dela fizeram parte ainda que depois de décadas de aposentadoria de seu quadro funcional.

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  2. Pois,
    Eu concordo.
    Não faz o interlocutor críticas ao projeto de Ruben Berta, mas sim ao sistema de gestão incorporado.
    Berta imitou Robert Owen e sua New Harmony, que os próprios empregados destruíram a ideia.
    Como em New Harmony, após a morte de Berta os membros do colégio concordante, modificaram o sistema eleitoral, preservando os apaniguados no poder, e paralelamente destruíram o sonho de Ruben Berta. Eu colocaria Ruben Berta entre os socialistas utópicos que tentaram dar aos empregados a gestão de suas empresas. Já a Microsoft inventou um sistema de gestão intermediário. Quando morreu o empresário Tony Roma a justiça americana entregou seus restaurantes aos empregados de cada um separadamente. Um empresário chamado Clint Murchison acabou comprando a maior parte dos restaurantes. Hoje são 270 restaurantes dos quais 150 deles encontram-se em 27 diferente países. Se continuassem nas mãos dos empregados restariam muito poucos. Por óbvio, ha de perceber-se a má gestão governamental, bastava ter tirado a FRB do controle.

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  3. Pois eu faço minhas estas palavras:
    "Ninguém jamais copiou o modelo da Varig, não porque fosse um segredo, mas sim porque ninguém atento e conhecedor dos princípios da Administração e da Governança Ruben se envolveria em tamanha falta de lógica, bom senso e responsabilidade acarretada por uma fórmula comunista de poder e gestão, sem acionista responsável e imputável, privilegiando a antiguidade e a política em detrimento à meritocracia, eficiência, produtividade e resultados. Nenhuma surpresa que a dinâmica do moderno mundo empresarial a matou."

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  4. Sobre a Fundação Ruben Berta, coincidentemente, iniciei, ontem, a leitura do livro “Caso Varig”, de autoria do ex-piloto da Varig, Marcelo Lins.

    Da página 86 à página 110 são várias as menções desabonadoras acerca da atuação da Fundação Ruben Berta:

    “O BNDES deveria tornar públicos os estudos que produziu intramuros, especialmente porque interferiam no fator psicológico dos pilotos, que liam jornais e se preocupavam com o futuro, com os passageiros e tripulações. Que o governo brasileiro se posicionasse, não para hospitalizar mais uma empresa, mas para colocar ordem na casa e exigir o desempenho de cada parte, já que antes da Varig ser dos funcionários, era do Brasil. Que o gestor da companhia, a FRB, saísse de sua obscuridade e fizesse uma autocrítica na governança que praticava na Varig, que no entender da Apvar esta era a razão fundamental de todas as dificuldades.”

    “Os credores e as associações queriam saída da FRB e ela manobrava para troca de presidente e continuar na gestão.”

    “Credores exigiam a saída da FRB da administração da Varig como condição para avalizar e participar do plano de capitalização da companhia. O plano apresentado pela associação dos pilotos ao BNDES convergia interesses e a pressão para saída de Ozires Silva partia da Fundação e não dos credores.
    Investidores estavam dispostos a injetar R$ 800 milhões, masqueriam tirar a FRB do controle.”

    “O Senado aprovou a Medida Provisória denominada de Proar que dava anistia às dívidas referentes ao PIS/PASEP das companhias aéreas e a cobrança de impostos sobre leasing de aeronaves. Três meses após a Apvar ter apresentado o Plano de Reestruturação Ampla ao BNDES, a Varig entregava, no dia 14 de novembro, um projeto de aporte de capital ao banco estatal. A Fundação Ruben Berta relutava em concordar com o plano dos credores. O BNDES adiou a decisão de empréstimo à Varig, transferindo o problema para o próximo governo.
    Os credores, evidentemente, queriam receber as dívidas da empresa, e a BR Distribuidora, que já havia deflagrado a paralização da Transbrasil, não descartava a possibilidade de pedir a falência da Varig, caso não fosse retomada a normalidade dos pagamentos. A Boeing e a GE, que juntas poussuíam vinte aeronaves em leasing com a Varig, ameaçavam pegar as aeronaves de volta.
    Era a reação à atitude do Conselho de Curadores da Fundação Ruben Berta que não aceitou a proposta dos credores para o perdão temporário das dívidas no valor de US$ 117 milhões.
    O rompimento das negociações entre a Fundação Ruben Berta e um grupo de credores agravou, ainda mais, a crise na companhia. Em entrevista coletiva no Rio de Janeiro, o presidente da Varig, Armin Lore, e os conselheiros de admnistração, Luiz Spínola, Clóvis Carvalho e José Mendonça de Barros anunciaram sas renúncias.
    Yutaka Imagawa venceu a queda de braço e trouxe de volta Joaquim Fernandes dos Santos e Roberto Macedo. O novo presidente interino da empresa passou a ser o Diretor de Relações com Investidores da Companhia, Manuel Guedes. Aquela atitude da FRB fez com que, a partir daquela data, a empresa tivesse que pagar, à vista, as taxas aeroportuárias e o combustível. Sem crédito na praça, a Varig teria de funcionar de acordo com as suas condições.”

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  5. Telmo....vc deve ser um pessimo profissional. Botou a culpa em Rubem berta....meus pesames.

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  6. Deixa-me colocar a colher neste assunto que é importante. Parece real que a Fundação Ruben Berta não ajudava a administração da VARIG.
    Porém, a empresa quebrou porque um dos princípios da ideologia petista é no sentido de que "as grandes empresas são suas adversárias estratégicas". Há várias manifestações do Partido neste sentido, como se viu em Salvador.
    E tem mais: ouvimos uma história ou estória que não sabemos se verdadeira. Talvez a antiga secretária da presidência da VARIG possa confirmar ou não.
    José Dirceu procurou o presidente da VARIG em 2001/2002 pedindo dinheiro para a campanha do PT e do Lula, o então presidente da empresa teria dito que não podia ajudar, em virtude da situação financeira da empresa, que já à época já não era boa.
    Ao sair da sala José Dirceu teria dito à secretária da presidência que se eles chegassem ao governo a VARIG quebraria.
    ANTONIO AUGUSTO.

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  7. Antônio, Jim já elucidou o que eu havia escrito. Os integrantes do colégio deliberante, deliberadamente modificaram os estatutos da fundação para que apenas apaniguados se tornassem membros. Nunca premiaram meritocracia, eficiência, produtividade e resultados.
    Por isso era mal administrada.
    Claro que houve intervenção governamental, se não houvesse nós estaríamos na rua da amargura. A intervenção do governo em quebrar a Varig foi fundamental para que nós aposentados recebêssemos nossas aposentadorias.
    Não tivessem feito nada teria falido completamente.
    Se começo a contar as baboseiras feitas por checadores , faço um livro.
    Saímos da pista certa vez de Electra porque o checador do primeiro oficial errou, e o excelente comandante Cerqueira ex-Vasp foi demitido.
    Depois o cara foi promovido a chefe de equipamento e assessor da diretoria de operações de voo.
    fui, ....

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  8. Perfeita a resposta de Vander. O governo precisou "quebrar" a Varig para salvar os funcionários. O comentário do "anônimo" (?) de que Zé Dirceu quebrou a Varig de vingança por causa de um dinheiro que ele teria pedido e não obtido da empresa e a ameaça de Dirceu à secretária da Varig é digna de um anônimo mesmo.

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