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Foto: Ricardo Matsukawa/Terra
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Neste sábado, antes do jogo,
perto de 500 pessoas tentaram protestar contra o uso de dinheiro público na
Copa do Mundo. Diziam que ele deveria ser direcionado para saúde e educação.
Era uma manifestação pacífica, sem armas, sem lança-chamas, sem coquetéis
molotov. Mesmo assim, a Polícia Militar do Distrito Federal, governado pelo PT,
desceu o sarrafo na turma. Até quando escrevo, a OAB não deu um pio, o José
Eduardo Cardozo não deu um pio. As sedizentes organizações de defesa dos
direitos humanos não deram um pio. Quando o PT bate em alguém, certamente é por
bons motivos, certo? Os que se manifestavam também expressaram seu apoio ao
movimento contra a elevação de tarifas de ônibus Brasil afora. Dentro do
estádio, o povo — ao menos aquele que foi ver o jogo entre as seleções do
Brasil e do Japão — vaiou
Dilma três vezes. É grande a tentação para juntar mal-estares “diferentes e
combinados”, como diria o companheiro Trotsky, num único movimento. Se caímos
nessa tentação, acabamos por obscurecer a realidade. Então tentarei fazer as
distinções.
Começo pelas vaias a Dilma. É
claro que existe um grande eleitorado que se opõe ao governo. O que tem faltado
nesses 10 anos é oposição. Pirandello cuidou das seis personagens em busca de
um autor. No Brasil, há milhões de eleitores em busca de quem os represente com
clareza. E não encontram. As forças políticas que não aderiram ao governismo
têm se mostrado tímidas; uma parcela, eleita para se opor, traiu o eleitor e se
bandeou para o poder. O eleitorado que disse “não” ao PT tem motivos de sobra
para se sentir pouco representado. Mas seu descontentamento continua.
Cumpre lembrar alguns números.
Em 2010, havia 135,8 milhões de eleitores no país. No segundo turno, Dilma foi
eleita com 55.752.529 votos, contra 43.711.388 do tucano José Serra. Percebam:
apenas 41% dos brasileiros aptos a votar a escolheram. Os outros 59% preferiram
a oposição, a abstenção ou o voto branco ou nulo. No primeiro turno, a petista
obteve 47.651.434 votos. Ou por outra: apenas 35% do eleitorado a tinham como
primeira opção. É claro que Dilma é uma presidente legítima, escolhida segundo
as regras do jogo. Mas dava para perceber de saída que estava longe de
constituir uma unanimidade. A política é que deveria ter se encarregado de
manter mais ou menos mobilizada uma fatia que fosse daqueles que ativamente
disseram “não” à candidata do PT. Isso não aconteceu, como sabemos.
É bobagem supor que o estádio
inteiro vaiou Dilma e que não havia lá pessoas que apoiam o governo. É até
possível que, fosse aquele o colégio eleitoral, ela ainda se sagrasse
vitoriosa. Impossível saber. Uma coisa, no entanto, é certa: os que a reprovam
— ou, ao menos, repudiam a exploração política de um evento esportivo — estavam
lá em número suficiente para se fazer ouvir. Com certeza absoluta, a
porcentagem de eleitores de oposição no Mané Garrincha é bem superior à de
oposicionistas no Congresso. Pode-se inferir mais: a porcentagem de eleitores
de oposição no Brasil como um todo é certamente maior do que a de parlamentares
oposicionistas. Afinal, estamos lidando com um dado da história: pessoas
eleitas para se opor acabaram virando casaca.
Por que estão descontentes? Há uma penca de razões: inflação, corrupção, ineficiência, restrições de natureza
ideológica, que são legítimas, sei lá eu…
Agora os protestos
A vaia no estádio nos lembra
que existem, sim, eleitores de oposição no país. E cumpre que não misturemos o
descontentamento desse cidadão pacífico, pagador de impostos, trabalhador dedicado,
com algumas manifestações de rua, degenerem ou não em violência. O movimento
contra os gastos na Copa mistura algumas palavras de ordem que estão hoje na
boca de partidos à esquerda do PT com outras que poderiam ser encampadas por
pessoas comuns, orientadas apenas pela vergonha na cara: contra a roubalheira,
por mais transparência etc. Mas o sotaque, é inequívoco, o coloca naquele
tronco ideológico da cultura da reclamação, que acaba, no fim das contas,
servindo à esquerda. Notem que o repúdio de muitos a Dilma não os impediu de
assistir ao jogo. Ou por outra: o movimento que protesta contra os gastos com a
Copa do Mundo não resultará, necessariamente, numa corrente de oposição à
Dilma.
E o mesmo se diga sobre os
baderneiros de classe média que decidiram botar fogo em algumas cidades
brasileiras. O Movimento Passe Livre e partidecos de esquerda que lideram essa
pantomima violenta podem até considerar adversários os petistas, mas, ATENÇÃO!,
TRATA-SE DE DIVERGÊNCIAS no campo dito “progressista”. Num eventual segundo
turno entre Dilma e um “candidato da direita” (como eles dizem lá em sua
linguagem perturbada), já sabemos como se comportam os radicais: acabam
voltando momentaneamente para a nave-mãe, o PT. Os que hoje pedem a redução da
tarifa de ônibus em São Paulo — ou a sua gratuidade — exigem um partido mais
radical, mais à esquerda, mais comprometido com o que chamam “lutas populares”.
Esses militantes não se
misturam com aqueles eleitores de oposição que, percebam, são de oposição
justamente porque repudiam parte da agenda petista. À diferença dos
incendiários que estão nas ruas, o Brasil oposicionista (o do estádio, não
necessariamente o do Congresso) quer mais ordem, não menos; quer mais respeito
às leis, não menos; quer indivíduos mais independentes, não menos. Essas
agendas não se misturam. Dado o ponto de vista que adoto, que é o de um
liberal, as vaias no estádio e a luta pelo “passe livre” são manifestações que
estão em polos distintos, antagônicos mesmo. As vaias traduzem um anseio,
entendo, de “despetização” do país. O Passe Livre está aí a cobrar que o
petismo seja ainda mais…petista!
Título e Texto: Reinaldo Azevedo
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